sexta-feira, 17 de julho de 2015

Um sonho de viagem para o Sul: Montevidéu - 1990, 1997 - João dos Reis



"Feliz aquele que administra sabiamente
a tristeza e aprende a reparti-la pelos dias
Podem passar os meses e os anos nunca lhe faltará
Oh! como é triste envelhecer à porta
entretecer nas mãos um coração tardio
Oh como é triste arriscar em humanos regressos
o equilibrio azul das extremas manhãs de verão".
Ruy Belo - início do poema "A mão no arado"

Para os companheiros uruguaios Sanjo, Mariú, Quica e Efrain

Nas fotos de julho de 1997 eu e Mariú estamos com quinze crianças do grupo de dança chamada “pericón” no centro de saúde na cidade Las Piedras, em Canelones, na região metropolitana de Montevidéu – foi durante a minha segunda viagem ao Uruguai.

Quando no Brasil sonhávamos com a volta à democracia, viajei em 1978 para a Argentina e Chile, e em 1979, para o Paraguai. E vivi o clima de medo, de repressão das ditaduras nesses países. Pretendia conhecer o Uruguai, mas decidi viajar somente depois do fim do regime militar.

Estive na capital uruguaia em 1990 – e Sanjo Rodriguez foi me esperar na rodoviária. Depois, estive alojado na casa dos Jesuitas .Foi o primeiro contato com os militantes de direitos humanos da organização não-governamental Serpaj (Serviçio Paz y Justicia). A volta à democracia, depois de um longo período de ditadura, ainda deixara um clima de incerteza. As professoras Ana e Carina – que conheci durante a viagem de ônibus foram a minha companhia nessa viagem. Prometi voltar ao pais que teve uma longa história de estabilidade politica.

O retorno a Montevidéu em 1997 não foi uma viagem turística - apesar ter passeado pela Rambla (a avenida do Rio da Prata), ido a museus, ao Parlamento uruguaio, caminhado pelas ruas do Centro velho da cidade, ao Bar Fun Fun no Mercado Central. Foi um reencontro com os companheiros-militantes.

Dessa vez tive vários cicerones: Maria del Huerto Nari (Mariú), Sanjo Rodriguez e o casal Quica e Efraín Olivera Lerena. Foram momentos de confraternização na casa de cada um deles. Mariú me convidou para um jantar com toda a família dela reunida – pais, irmãos. Sanjo preparou uma feijoada para comemorar o meu retorno – e brindamos aos novos tempos com Ana e os filhos Felipe e Pilar. Quica e Efraim me convidaram para um jantar – e ele foi o chef de cozinha; senti a ausência dos filhos Juan Fernando e Guillermo, que não estavam na cidade.

Com Mariú estive em uma reunião com os moradores no centro de saúde do bairro La Teja – foi um encontro e um diálogo com os montevideanos do bairro da periferia da cidade. Na companhia de Quica e seus sobrinhos estive no Museu Juan Manuel Blanes.

Lembro que conversamos sobre os rumos da democracia na América Latina – a rede de contatos do Serpaj no continente foi a novidade para mim. O Brasil historicamente sempre ignorou os seus vizinhos.

Da primeira viagem, em 1990, ficou a amizade com um dos seminaristas, Julio Rius. Durante algum tempo nos correspondemos, mas a distância se encarregou de perder o contato. Da segunda viagem, em 1997, ficaram as lembranças da hospitalidade e os laços de amizade com os companheiros uruguaios – que permanecem até hoje.

Minhas viagens sempre foram para a América do Sul – e de reconhecimento da realidade dos países hermanos. Hoje, recebo noticias frequentes do movimento dos militantes no continente americano.
Mariú é professora universitária. Quica e Efrain continuam a militância no movimento de direitos humanos. Sanjo é artista plástico e vive em Barcelona há mais de dez anos.

Da minha última viagem trouxe um presente de Efraín: o livro “Uruguay nunca más”, um informe do Serpaj sobre a violação dos direitos humanos nos anos 1972-1985. De Mariú, um livro de Eduardo Galeano. Na parede da sala na minha casa há um quadro que Sanjo me enviou antes de partir para o exílio na Espanha: foi o presente de despedida dele da grande pátria latino-americana.

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