sexta-feira, 24 de julho de 2015

Um encontro histórico: militantes da VAR-Palmares em Osasco – novembro-2013 - João dos Reis


Estávamos reunidos à noite na casa do Espinosa no dia 15 de novembro de 2013. Foi um encontro dos militantes da VAR-Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária Palmares), depois de mais de 40 anos.
O projeto de reunião dos antigos combatentes começou um ano antes – deveria acontecer no feriado do 7 de setembro em Porto Alegre. Fui convidado por Antonio Roberto Espinosa para colaborar na organização junto com Raul Moura Ellwanger e Carlos Franklin Paixão de Araujo. Durante mais de um mês houve trocas de e-mails, elaboração de lista de participantes, escolha de locais e hotéis para o encontro. Foi suspenso porque muitos convidados estavam envolvidos nas eleições municipais.
Um ano depois, retomamos o trabalho, e a cidade escolhida foi Osasco, em 15 e 16 de novembro. Foram enviados centenas de e-mails e dezenas de telefonemas, e com a participação de Ieda Chaves, pesquisamos e indicamos três hotéis na cidade e escolhemos um restaurante. No sábado, o encontro aconteceu no salão de festas do prédio do Espinosa. No domingo, nos reunimos para o almoço no “Rincão Gaúcho Grill” na Vila Campesina.
Foram dois dias de reencontro, de emoções, de recordações do passado. Todos nós éramos muitos jovens no final dos anos 60 e inicio dos 70 – e arriscamos nossas vidas com coragem e generosidade. Em que acreditávamos? Na organização guerrilheira havia um debate sobre a luta armada contra a ditadura, os caminhos para o socialismo – que aconteceu em dois congressos, em Mongaguá e Teresópolis.
Espinosa lembrou em um último comunicado a “qualidade organizacional de nossa estrutura organizacional, uma das mais resistentes às investidas dos serviços de informação da ditadura, da qualidade ímpar das nossas reflexões, da nossa formação de quadros, das criticas que ousávamos fazer ao socialismo real do final dos anos 60 e da defesa esclarecida do socialismo contra as ilusões nacionalistas...”
Não conhecia a maioria dos presentes – e tive contato por e-mail. Compareceram militantes de vários estados – Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais, Bahia, Rio de Janeiro, Espirito Santo, São Paulo e interior (Campinas, Guarujá). Com exceção do Norte e Centro Oeste, havia representantes de todas as regiões brasileiras. No balanço final, contatamos 63 companheiros, 51 participaram, 18 justificaram, e 12 foram convidados - cineastas, escritores, jornalistas, e quatro amigos de Osasco.
De um total de 2000 a 3000 militantes e da rede de apoio em 1969, apenas 5% foram localizados – por e-mail ou por telefone. O ponto de partida foi a rede de contatos de Cristina Chacel – que escreveu o livro “Seu amigo esteve aqui”.
Por sugestão do Espinosa, enviei durante os três meses que antecederam o encontro, correspondências semanais. Recordei os que foram mortos pela repressão ou estavam desaparecidos: Carlos Alberto Soares de Freitas, Carlos Lamarca, Marcos Antonio Dias Batista, Eremias Delizoicov, Maria Auxiliadora Lara Barcelos, Chael Charles Schreier, José Campos Barreto - para citar alguns deles. Enviei um texto que pedi para Ana Matilde escrever sobre as lembranças dela de Maria Auxiliadora. E links da revista “Veja” de 3 e 10 de dezembro de 1969 sobre a prisão e morte sob tortura de Chael.
Depois do encontro, enviei os agradecimentos – é uma grande lista: Carlos Franklin Paixão de Araújo; Raul Moura Ellwanger - que apresentou um belo vídeo da história da VAR-Palmares; Julia Monteiro Espinosa - a anfitriã perfeita na noite de sábado; Jurema Augusta Ribeiro Valença – entusiasta do projeto desde 2011; Risomar Fasanaro – que escreveu um texto emocionado sobre as recordações dos anos de juventude; os amigos de Osasco, escritores e jornalistas; e os cineastas que, junto com Paulo César Azevedo Ribeiro, filmaram os depoimentos. Parte dos e-mails enviados e ou recebidos foram gravados por mim em CD – um documento para a história da resistência à ditadura militar no Brasil.
Espinosa escreveu um texto final, que enviei aos convidados, dizendo da dificuldade de resumir em um espaço de um e-mail o significado do reencontro dos militantes da VAR-Palmares. Lembrou daqueles que, durante os preparativos do encontro, não compareceram porque se despediram de nós para sempre: José Ibrahim, Leonel Itaussu Almeida Mello, Rafton Nascimento Leão. E acrescentou: “no sentido grego da expressão não há relação mais rara e profunda do que a amizade (...) A amizade é uma relação de cumplicidade e franqueza, de curiosidade sempre insatisfeita, de tolerância e compartilhamento de palavras nos momentos em que é possível falar e de silêncios nos momentos em que é preciso manter segredo. Amizade, enfim, é mais que lealdade, trata-se (...) de um estágio superior do companheirismo possibilitado pelo pacto de sangue do passado, que deixa marcas eternas indeléveis”.







Nenhum comentário:

Postar um comentário