quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Guarani-Kaiowá à sombra da morte Paulo Roberto da Silva ( texto e fotos)








Um dos maiores povos indígenas do Brasil está sendo dizimado na frente dos nossos olhos, sem que ninguém consiga impedir. Ao longo dos anos foram atacados em todos os aspectos, seja pela expansão agrícola de empresas de capital externo, ou por sojeiros e pecuaristas sem
coração, que enxergam a terra como um grande banco onde podem sacar suas riquezas a hora que quiserem, sem nenhuma contrapartida social; pelo contrário, eles derrubam as matas e as florestas aceleradamente, deixando atrás de si morte e destruição.

Um exemplo disto foi o que aconteceu recentemente com um grupo Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Após uma retomada da terra, no município de Amambai, 40 homens encapuzados entraram na aldeia e mataram o cacique Nísio Gomes, e segundo relatos dos índios, três crianças desapareceram, deixando o Acampamento Guaiviry em desespero.

Os quatros primeiros dias foram de muita privação disse-me o filho do Nísio, para não chamar a atenção dos fazendeiros só comíamos milhos e não acendíamos o fogo para não denunciar nossa presença. E agora, tem comida? pergunto ao Genito, ele me responde que o grupo está padecendo de tudo, sobrevivendo apenas de tilápias, algumas raízes, e um pouquinho de arroz que ainda resta.








Eles passam o dia na mata dando entrevistas a jornais e a canais de TV de vários lugares, pois o fato tornou-se conhecido em todo mundo, devido à barbaridade dos assassinos.

Sensibilizado com esta situação, resolvi fazer uma visita solidária aos kaiowá e para não chegar de mãos vazias comecei a fazer uma campanha para levar leite para as crianças, e assim amenizar um pouco a situação de fome existente na aldeia. Logo no início da campanha, me deparei com um primeiro problema no Face book quando um intelectual de carteirinha me criticou por levar leite em pó e assim descaracterizar a cultura dos kaiowá. Como percebi que ele conhece a questão indígena apenas de literatura que idealiza o índio como puro e intocável, resolvi não dar trela para suas afirmações e fui em frente na campanha do leite.

Em pouco tempo consegui 177 sacos de leite de 400 g , que foram acomodados em duas malas gigantes totalmente lotadas e pesadas. Recebi ajuda de instituições e amigos, em sua maioria religiosos da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil, mas tivemos uma ação macroecumênica que uniu pessoas de boa vontade para ajudar na minha viagem.

Eu tinha comigo uma literatura Bíblica que estava em minha casa, um livrinho infantil da SBB (Sociedade Bíblica do Brasil) e alguns exemplares do Novo Testamento que resolvi levar também. Este foi o segundo ponto de conflito, levar a Bíblia para os índios que já foram massacrados por missionários do passado? Não se lembram da cruz e da espada? Da morte da cultura imposta por um deus branco e ocidental? Sabe, né? aqueles discursos já bem batidos pelos historiadores, antropólogos e sociólogos e artistas também...Rs. Como eu sei que a bíblia é uma ferramenta perigosa e pode tanto libertar como escravizar, dependendo de quem a maneja, resolvi arriscar, pois afinal quem conhece o movimento profético de Amós, Miquéias e Isaías, sabe que eles foram homens totalmente comprometidos com as causas sociais dos mais fracos e oprimidos, e que Javé ergue do pó o desvalido e do monturo o necessitado, e dá pão ao que tem fome e viu a opressão dos ricos sobre os pobres.

Lembrei do Deus que Frei Beto, Pedro Casaldáliga, Dom Helder, Dietrich Bonhoeffer, Luther King e Jaime Wright acreditam, e resolvi levar o pão da alma para meus irmãos kaiowá. É bom lembrar que foram dois religiosos que fizeram todo o processo do “Brasil: Nunca Mais”, patrocinado pelo CMI, que há pouco tempo fez a repatriação de toda documentação e a devolveu ao Brasil, através do Rev. Olav Tveit da Noruega.







Voltando à viagem: vi que somente uma força muito grande me fez chegar à aldeia. Há poucos metros da minha casa, a primeira mala deu sinal de que iria me deixar na mão, as rodinhas quebraram e o jeito foi pedir socorro a Risomar que veio para me ajudar a levar até o trem de Osasco na estação Presidente Altino. Subi no elevador e a Riso dando marcha a ré, bate no poste da estação, me deixando com a impressão de que coisas piores iriam acontecer. E aconteceram logo mais na frente, quando desci errado na estação da Lapa e um jovem tentando me ajudar a tirar a mala do trem, arrasta-a entre o trem e a plataforma e a haste que segura a mala se desprende. Voltando a pegar o outro trem desço na Barra Funda e não conseguindo carregar as duas ao mesmo tempo deixo uma perto da catraca e desço para o local da saída do ônibus que me levaria a Guaíra(PR). Volto para apanhar a outra que no trajeto quebra a segunda haste, e daí levo uma mala sem alça.

Finalmente embarco e tomo todo cuidado para o cobrador não pegar nas malas, eu mesmo as colocava no bagageiro, com medo de pagar excesso de peso. Chego a Guaíra e apanho outro ônibus até Mundo Novo ou Novo Mundo e depois para Amambai. Me instalo em um hotel junto da rodoviária e aguardo o dia amanhecer para levar as malas para a aldeia. Tive a ideia de pedir ajuda a um pastor da cidade, disse-lhe que compraria a gasolina e ele me levaria até a aldeia, ele pediu desculpas e disse que cinco fazendeiros fazem parte da sua Igreja, e que politicamente era inviável ele me servir. Os índios são discriminados nas cidades do MS e são vistos como mendigos, vagabundos e invasores de terras.



Na manhã seguinte embarco em um ônibus com destino a Ponta Porã e desço na entrada do Guaiviry. Por sorte havia três rapazes indígenas e uma moça da aldeia no ônibus e levaram as malas até a aldeia, vi que eles deixaram a mala cair várias vezes no trajeto. Que bonito foi ver sair de dentro das matas homens com armas e instrumentos musicais para meu encontro. As mulheres e crianças começaram a dançar e a cantar e logo eu estava totalmente à vontade.
Postado por Risomar Fasanaro às 19:15 0 comentários