quinta-feira, 30 de julho de 2015

O dia que conheci o fundador da Banda de Pífanos de Caruaru- Risomar Fasanaro



Em 2013 fui convidada pelo casal Cupertino e Edna dos Santos para conhecer o fundador da Banda de pífanos de Caruaru. Era uma quarta-feira quando minha amiga Edna e eu chegamos à casa de Sebastião Biano, no bairro de M’boi Mirim. Ele nos recebeu à porta, e me foi difícil acreditar que aquele senhor que não aparentava mais de 70 anos, estivesse com 93.
Vendo e conversando com ele, fui tomada pelas lembranças da minha terra: as cirandas de Lia, o pastoril de Piedade, bumba-meu-boi e reisado, maracatu e, sobretudo, a banda de pífanos de Caruaru.
Ali naquela sala, ouvindo a história de Sebastião, meu ouvido interno “escuta” o som da banda enquanto ele me conta: a história dele começou quando ainda era muito criança. Foi quando em 1924 o pai, Manuel Clarindo Biano viu uma banda de pífanos tocando em uma novena em Alagoas. Os sons da banda encantaram aquele homem que fugia da seca, não saíram mais de sua cabeça, e se alojaram em seu coração.

Anos depois ele levava os filhos pra roça, para aprender a plantar o roçado. Brincando, as crianças, Sebastião Biano então com 5 anos e o irmão com 7, descobriram que fazendo 2 furos nos talos das folhas de jirimum ( abóbora) era possível extrair algum som. Naquele instante a emoção tomou conta daquele lavrador, só de pensar que ali começavam a despontar aqueles músicos. Naquele instante decidiu procurar alguém que confeccionasse pífanos para os dois garotos:
-Vocês vão aprender a tocar.
O pai mandou fazer uma par de pífanos porque para fazer 1ª e 2ª voz é preciso que haja um par, e quando os instrumentos chegaram, os meninos começaram a ensaiar, o que seria a nascente Banda de Pífanos de Caruaru.
Mas não bastou ver os filhos tocarem, analisando como os instrumentos eram feitos, ele resolveu tentar fazer um. Deu certo, e tendo aprendido com o pai, hoje Biano também faz pífanos que vende aos interessados.
O músico nos explica que os instrumentos são feitos de taquara que ele colhe em terra bem úmida, na mata.
No início, a banda tocava só em novenas, enterros de crianças e nas festas religiosas. Percorriam longas distâncias, para se apresentar em cidadezinhas do nordeste. Vida difícil, bem diferente dos locais em que hoje se apresenta.
Encantada com a história que ouvimos, peço a ele que toque um pouco e ele não se faz de rogado, toca “Asa Branca” e outras composições suas. É impossível traduzir a emoção que sinto ao ouvir o que para nós, nordestinos, é um hino. Em seguida, ele me presenteia com um pífano, e nos convida para um café. Enquanto tomamos café com ele e a filha, ele continua falando sobre a trajetória do grupo:
Em 1939 a família Biano chegou a Caruaru, no interior pernambucano, onde decidiu se estabelecer. Com a morte de Manoel, em 1955, a zabumba foi assumida por João, o primeiro neto do fundador a integrar o grupo, então batizado oficialmente de Banda de Pífanos de Caruaru. E logo começou a fazer sucesso. Biano conta que eles tocaram para Gilberto Gil, e se lembra do encantamento do compositor com o trabalho do grupo.
Hoje, a banda ainda é formada por membros da família, e no repertório não faltam baiões, cirandas, xotes, a maior parte composições dele em parceria com algum componente do grupo.
Sebastião Biano e seu grupo já tocou muitas vezes “com Luiz Gonzaga, com Jackson do Pandeiro, Anastácia, Marinês, Trio Nordestino, e vários outros”, diz ele, referindo-se aos artistas que deram consistência a esse gênero musical.
Em 1972, a banda veio para SP gravar o primeiro LP, “Banda de Pífano Zabumba Caruaru”. Aqui participaram de documentários, espetáculos e de discos de outros artistas. Em 1973, gravaram o volume 2 de “Banda de Pífano Zabumba Caruaru”. Depois viajaram para apresentações no exterior, onde fizeram muito sucesso.
Em 1999 eles sofreram uma grande perda: Benedito Biano, um dos fundadores do grupo, faleceu em São Paulo, vítima de problemas cardíacos. Mas a banda continuou se apresentando e nesse espaço de tempo, gravou mais seis discos, hoje CDs, e é reconhecida no cenário musical nacional e internacional, tendo recebido o prêmio Grammy Latino, na categoria de Melhor Grupo Regional de Raiz, com o disco “Banda de Pífanos de Caruaru: No Século XXI”, em 2004.
Em 2005, na segunda edição do Prêmio TIM de Música, Sebastião recebeu o prêmio de Melhor Grupo na categoria regional, das mãos do então presidente Lula. Hoje este grande artista é um homem sereno, tranquilo que deixou Caruaru e vive em M-boi mirim; mas continua se apresentando e encantando o público.
Agora com o Trio "Esquenta muié",se apresentou recentemente no Sesc Santana,com a participação de Naná Vasconcelos e Siba", no lançamento de seu CD.E como disse minha amiga Edna: "foi de chorar, coisa que sempre faço quando o ouço tocar.".
São muitas as histórias que ele entusiasmado nos conta. Entre elas a de que quando era pequeno tocou para Lampião. E disse que ele e o irmão tremendo de medo, mal conseguiam segurar os pífanos, mas que logo ficou à vontade com o comentário do cangaceiro. Ao ouvi-los tocar, ele teria comentado com seus homens: “olhem só, esses meninos tão pequenos e já tocam e vocês não sabem fazer nada...”
Saímos daquela casa, Edna e eu, ainda “ouvindo” o som de “Asa Branca”, ainda com pedaços das histórias daquele homem tão gentil, tão simpático, tão jovem nos seus 94 anos...







segunda-feira, 27 de julho de 2015

Litoral Norte: o reencontro com a cultura caiçara 2 - João dos Reis



"Deixai que em suas mãos cresça o poema
como o som do avião no céu sem nuvens
como o surdo verão as manhãs de domingo
Não lhe digais que é mão de obra a mais
que o tempo não está para a poesia".
Ruy Belo, trecho do poema "Emprego e desemprego do poeta"


Para Pedro Paulo Teixeira Pinto, de Ubatuba

Em um sábado à noite o jovem Lenin, meu aluno de Filosofia no curso colegial , tocou a campainha do apartamento onde eu morava na Praça Cândido Mota em Caraguatatuba – e me convidou para acompanhá-lo a uma festa. Em 1973, ano em que cheguei à cidade para lecionar na Escola Estadual “Thomaz Ribeiro de Lima”, ele foi um dos meus amigos-camarada.

Lenin trabalhava com artesanato de taboa. Reclamou para mim: tinha que entrar na água do manguezal para recolher a planta – que depois se transformava em obras de arte: tapetes, assentos para bancos e cadeiras. Conversamos muitas vezes sobre a ausência de emprego no litoral. Era filho de um militante do PCB que morreu atropelado na Rodovia Manuel Hipólito Rego (SP-55) – e que deu a ele o nome do líder soviético.

Julio César Lopes Avelar foi presidente do centro cívico (grêmio) estudantil da escola onde eu trabalhava em Caraguatatuba. Conversei com o jovem estudante: não tínhamos eleições para governador e presidente da República, mas devíamos nos preparar para a volta da democracia. No final do ano e do mandato, convidei-o e aos outros participantes da diretoria do grêmio para um jantar com pizza para comemorar a despedida.

Lucio Mascarenhas foi um aluno-companheiro querido: conversávamos sobre livros, música, sobre a participação dele no grupo de jovens católicos. O pai dele, que faleceu em um atropelamento na Rodovia SP-55, era um grande leitor – tinha os livros da Coleção Saraiva de Literatura. Em um domingo Lucio gentilmente me convidou para o almoço - sua mãe preparou o prato típico caiçara: o azul marinho.

O casal de namorados Isabel Cristina de Oliveira e Márcio foram também meus caros companheiros nos primeiros anos da minha temporada no litoral. Não recordo o que conversava com Isabel, mas lembro que Márcio era bastante calado.

Acordei às 7 horas da manhã do dia do meu aniversário no primeiro ano no litoral com o toque da campainha: eram Rita e Ester com um bolo de presente. As duas alunas eram amigas inseparáveis – e nossas conversas eram frequentes. Quais eram os assuntos dos nossos diálogos? Elas participavam do grupo de jovens da Igreja Católica.

Nasci no interior de São Paulo, vivi desde os 12 anos em uma cidade proletária - e os anos em que fui professor no Litoral Norte foi uma experiência nova e enriquecedora. O convivio com os jovens alunos me tornou também um caiçara: tinha pouca roupa, um sapato, um chinelo, uma bicicleta, livros, e mais tarde, umamáquina de escrever e um carro. Não era proprietário de móveis ou utensílios domésticos: a casa alugada onde morava já era mobiliada.

Lenin foi para o planalto em busca de trabalho – não lembro se para São José dos Campos ou São Paulo; soube noticias dele por sua irmã, Tatiana. Tive durante muitos anos um tapete artesanal de taboa – e tenho dúvidas: foi um presente dele? O banquinho tenho até hoje, mas o assento de taboa se desfez com a passagem dos anos.

Julio cursou Oceanografia na UFRJ; nos encontramos em 1987 – trabalhava em Olivença no litoral da Bahia. Me convidou para passar as férias com ele, e hoje me arrependo de não ter aceito o convite.
Lúcio foi trabalhar em São Paulo - nos encontramos quando vinha à Caraguatatuba; durante alguns anos, tive noticias dele por sua irmã.

Rita cursava Engenharia; estive no casamento dela e, ao me despedir – e foi a última vez que a vi – ela chorou. Ester cursou Enfermagem na USP; ainda nos vimos algumas vezes, mas depois desapareceu na voragem da grande metrópole.

Márcio cursou Engenharia; Isabel, Psicologia. Nunca mais nos encontramos: o que restou foi uma foto no teleférico de Campos de Jordão, onde estivemos em uma excursão da escola.

Tive milhares de alunos em quase três décadas no magistério. Se recordo alguns deles é porque eles deixaram marcas na memória, apesar da destruição de vestígios que o tempo provoca em nossas vidas. A recordação mais triste é saber que o jovem abandonava a sua cidade, sua terra em busca de trabalho – e perdia para sempre os vínculos de afeto e amizade – e com a cultura caiçara.

sábado, 25 de julho de 2015

Ensino superior para a elite e o proletariado? Uma “aristocracia espiritual” na universidade? Uma reflexão sobre os 45 artigos de Antonio Roberto Espinosa- João dos Reis




“Que saia a última estrela
da avareza da noite
e a esperança venha arder venha arder em nosso peito
E saiam também os rios
da paciência da terra
É no mar que a aventura
tem as margens que merece
E saiam todos os sóis
que apodreceram no céu
dos que não quiseram ver
_ mas que saiam de joelhos
E das mãos que saiam gestos
de pura transformação
Entre o real e o sonho
seremos nós a vertigem”.
Alexandre O’Neill, poema “Canção”.

O título das minhas reflexões começa com duas interrogações – e surgiram pelas questões apresentadas por Antonio Roberto Espinosa em uma série de 45 artigos (“Algo de podre no reino da Universidade pública”), que estão sendo publicados na imprensa de Osasco.

Partindo da experiência de docente do ensino superior, o escritor retoma os concursos de que participou para uma vaga de professor na Unifesp de Osasco e do ABC para refletir e pesquisar a formação da aristocracia acadêmica, investigar os mecanismos que permitem a transformação do público em privado. “A presunção e a arrogância, além do sentimento de impunidade, constituem a marca indelével do aparelhamento da universidade pública pela burocracia acadêmica privatista”.

O primeiro artigo da série já revela as análises seguintes: “Mérito ou compadrio na seleção de professores?” O poder do saber ou, como ele mesmo diz, a reflexão sobre “o poder sobre o saber” é o caminho seguido pelo professor-filósofo.

Não pretendo – nem seria possível em uma página - explicar os mecanismos corruptos dos concursos públicos acadêmicos analisados pelo articulista. Me interessou denunciar a universidade como um aparelho ideológico do Estado: o “lucro do saber acadêmico beneficia capitalistas particulares casuais”. A “aristocracia espiritual” detêm o monopólio do saber por meio de burocratas especializados.

Pensei particularmente a identificação no domínio do conhecimento superior de “formas correspondentes de perversão: a ‘tirania intelectual’ e a ‘oligarquia espiritual’”. E a revelação na crença na palavra como um veiculo de dominação: para isso o autor recorre a Marx da Introdução de 1857 da “Para uma Crítica da Economia Politica”: a produção da realidade pelo pensamento - a elevação do abstrato ao concreto, produzindo um todo pensado a partir do devir em movimento da realidade e da ordenação do conhecimento.

Não há impiedade na expressão “fábrica de mediocridades” usada pelo jornalista-filósofo. É uma tentativa de lamentar e descrever o processo de burocratização dos mecanismos de seleção de professores – um instrumento de reproduzir e perpetuar a ideologia dominante. E dizer que o saber acadêmico é “apenas uma das formas de conhecimento, não a única”. O professor-candidato a uma vaga na universidade lembra aqueles que foram excluídos da academia: Jacob Gorender, Karl Marx, Mauricio Tragtenberg, Albert Einstein, para citar alguns deles.

Quais as sugestões para os concursos de novos professores para a universidade? O ex-guerrilheiro da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares apresenta, entre outras propostas, a introdução de alunos de graduação e de membros da comunidade no exame da prova didática (uma aula pública) – e também como fiscais em todas as etapas do processo de seleção. A avaliação do mérito e a transparência do processo seletivo envolve uma transferência do poder de uma classe que domina o Estado para a gestão direta da sociedade – o inicio de uma proposta de reforma.

Recordei o ano de 1968 em que houve a ocupação do prédio da Faculdade de Filosofia da rua Maria Antonia por alunos e professores, e das fábricas de Osasco pelos operários. Participei dos cursos livres e das discussões sobre uma “Universidade Crítica”- uma experiência revolucionária em Berlim e Paris. O debate era: qual era a universidade dos nossos sonhos? As palavras de ordem da revolta estudantil-operária: “é proibido proibir”, “a imaginação no poder”, “a humanidade só será livre quando o último capitalista for enforcado com as tripas do último burocrata”.

Mais tarde, em 1980, o sonho de um fórum de debates com o proletariado foi o ponto de partida para a elaboração do projeto de educação da Frente Nacional do Trabalho em Osasco. Intelectuais, muitos deles não ligados à academia, concordaram em ir à periferia das cidades da Região Metropolitana Oeste para dialogar com os trabalhadores. O Brasil vivia ainda sob o terror e a repressão da ditadura militar, mas acreditamos na força do saber e da reflexão – e Antonio Roberto Espinosa, estudante-trabalhador na fábrica Cobrasma que cursou Filosofia na USP, foi um dos pensadores convidados.

sexta-feira, 24 de julho de 2015

Minhas telas mais recentes- Risomar Fasanaro


Um encontro histórico: militantes da VAR-Palmares em Osasco – novembro-2013 - João dos Reis


Estávamos reunidos à noite na casa do Espinosa no dia 15 de novembro de 2013. Foi um encontro dos militantes da VAR-Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária Palmares), depois de mais de 40 anos.
O projeto de reunião dos antigos combatentes começou um ano antes – deveria acontecer no feriado do 7 de setembro em Porto Alegre. Fui convidado por Antonio Roberto Espinosa para colaborar na organização junto com Raul Moura Ellwanger e Carlos Franklin Paixão de Araujo. Durante mais de um mês houve trocas de e-mails, elaboração de lista de participantes, escolha de locais e hotéis para o encontro. Foi suspenso porque muitos convidados estavam envolvidos nas eleições municipais.
Um ano depois, retomamos o trabalho, e a cidade escolhida foi Osasco, em 15 e 16 de novembro. Foram enviados centenas de e-mails e dezenas de telefonemas, e com a participação de Ieda Chaves, pesquisamos e indicamos três hotéis na cidade e escolhemos um restaurante. No sábado, o encontro aconteceu no salão de festas do prédio do Espinosa. No domingo, nos reunimos para o almoço no “Rincão Gaúcho Grill” na Vila Campesina.
Foram dois dias de reencontro, de emoções, de recordações do passado. Todos nós éramos muitos jovens no final dos anos 60 e inicio dos 70 – e arriscamos nossas vidas com coragem e generosidade. Em que acreditávamos? Na organização guerrilheira havia um debate sobre a luta armada contra a ditadura, os caminhos para o socialismo – que aconteceu em dois congressos, em Mongaguá e Teresópolis.
Espinosa lembrou em um último comunicado a “qualidade organizacional de nossa estrutura organizacional, uma das mais resistentes às investidas dos serviços de informação da ditadura, da qualidade ímpar das nossas reflexões, da nossa formação de quadros, das criticas que ousávamos fazer ao socialismo real do final dos anos 60 e da defesa esclarecida do socialismo contra as ilusões nacionalistas...”
Não conhecia a maioria dos presentes – e tive contato por e-mail. Compareceram militantes de vários estados – Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais, Bahia, Rio de Janeiro, Espirito Santo, São Paulo e interior (Campinas, Guarujá). Com exceção do Norte e Centro Oeste, havia representantes de todas as regiões brasileiras. No balanço final, contatamos 63 companheiros, 51 participaram, 18 justificaram, e 12 foram convidados - cineastas, escritores, jornalistas, e quatro amigos de Osasco.
De um total de 2000 a 3000 militantes e da rede de apoio em 1969, apenas 5% foram localizados – por e-mail ou por telefone. O ponto de partida foi a rede de contatos de Cristina Chacel – que escreveu o livro “Seu amigo esteve aqui”.
Por sugestão do Espinosa, enviei durante os três meses que antecederam o encontro, correspondências semanais. Recordei os que foram mortos pela repressão ou estavam desaparecidos: Carlos Alberto Soares de Freitas, Carlos Lamarca, Marcos Antonio Dias Batista, Eremias Delizoicov, Maria Auxiliadora Lara Barcelos, Chael Charles Schreier, José Campos Barreto - para citar alguns deles. Enviei um texto que pedi para Ana Matilde escrever sobre as lembranças dela de Maria Auxiliadora. E links da revista “Veja” de 3 e 10 de dezembro de 1969 sobre a prisão e morte sob tortura de Chael.
Depois do encontro, enviei os agradecimentos – é uma grande lista: Carlos Franklin Paixão de Araújo; Raul Moura Ellwanger - que apresentou um belo vídeo da história da VAR-Palmares; Julia Monteiro Espinosa - a anfitriã perfeita na noite de sábado; Jurema Augusta Ribeiro Valença – entusiasta do projeto desde 2011; Risomar Fasanaro – que escreveu um texto emocionado sobre as recordações dos anos de juventude; os amigos de Osasco, escritores e jornalistas; e os cineastas que, junto com Paulo César Azevedo Ribeiro, filmaram os depoimentos. Parte dos e-mails enviados e ou recebidos foram gravados por mim em CD – um documento para a história da resistência à ditadura militar no Brasil.
Espinosa escreveu um texto final, que enviei aos convidados, dizendo da dificuldade de resumir em um espaço de um e-mail o significado do reencontro dos militantes da VAR-Palmares. Lembrou daqueles que, durante os preparativos do encontro, não compareceram porque se despediram de nós para sempre: José Ibrahim, Leonel Itaussu Almeida Mello, Rafton Nascimento Leão. E acrescentou: “no sentido grego da expressão não há relação mais rara e profunda do que a amizade (...) A amizade é uma relação de cumplicidade e franqueza, de curiosidade sempre insatisfeita, de tolerância e compartilhamento de palavras nos momentos em que é possível falar e de silêncios nos momentos em que é preciso manter segredo. Amizade, enfim, é mais que lealdade, trata-se (...) de um estágio superior do companheirismo possibilitado pelo pacto de sangue do passado, que deixa marcas eternas indeléveis”.







terça-feira, 21 de julho de 2015


Uma amiga me avisa que vai haver a abertura do projeto “Poesia no metrô” no dia 20 de outubro. Vão colocar cartazes com poemas nas estações. A abertura foi ontem.
Que beleza, penso...Até que enfim vai surgir uma oportunidade para os poetas desconhecidos, jovens ou não, e aí, quem sabe, vou ter a chance de ver um cartaz com um dos meus poemas, lido por milhares de pessoas...
Como vocês podem ver, sonho, sonho sempre, e sonho alto.
Sinto um arrepio de felicidade só de pensar...Como não posso ir até à Vila Madalena para assistir à abertura, penso em entrar no Google para saber mais sobre o projeto. Nem chego a acessar e já recebo uma mensagem de minha amiga Cira.
Revoltada, ela me escreve reclamando, dizendo que o projeto é ridículo, que não incentiva ninguém a escrever, e reproduz na mensagem uma foto do cartaz com um poema de Sá de Miranda que além de complexo, ainda utiliza português arcaico nas duas últimas estrofes.
Pera aí ( como diz minha amiga Eli Eliete) o projeto é pro povo que nem sempre costuma ler poesia ou...? Não sei.
Acesso o Google e lá vejo quem são os dez poetas escolhidos: Augusto dos Anjos, Alphonsus de Guimaraens, Antero de Quental, Bocage, Camões, Camilo Pessanha, Fernando Pessoa, Mário de Sá Carneiro, Olavo Bilac, Sá de Miranda.
São 10 poetas, que maravilha! Que maravilha? Desses 10 apenas 3 são brasileiros: Alphonsus de Guimaraens, Olavo Bilac e Augusto dos Anjos , 7 são portugueses...
Desolada, penso que nunca nos livraremos do colonialismo. Nunca deixaremos de ser subservientes, de bajular o império que primeiro invadiu nosso país. Depois vieram outros, mas como dizem, o primeiro é sempre o primeiro.
Então, por que não colocar no metrô, onde 80%dos que viajam não curtem muito poesia, um poeta português? E sendo português, pra que trazer um contemporâneo dos bons que temos visto na internet e, e que lemos todos os dias aqui mesmo? Era preciso trazer um difícil, complexo, e ainda mais um poema com 2 estrofes com palavras em português arcaico...como quem diz:
"Ora o povo...O povo é apenas um detalhe”, que se lasque...vamos bajular os conquistadores!...
Aposto que quando surgiu esse espaço, os poetas que dele tomaram conhecimento, inflaram o peito e cheios de esperança, porque os poetas sempre têm esperança, pensaram em ter seus poemas escolhidos, e postá-los ar ali à vista de todos, mas cadê o espaço para eles, se nem para os contemporâneos famosos como Leminski, Ana Cristina César, Torquato Neto houve lugar?

sexta-feira, 17 de julho de 2015

Um sonho de viagem para o Sul: Montevidéu - 1990, 1997 - João dos Reis



"Feliz aquele que administra sabiamente
a tristeza e aprende a reparti-la pelos dias
Podem passar os meses e os anos nunca lhe faltará
Oh! como é triste envelhecer à porta
entretecer nas mãos um coração tardio
Oh como é triste arriscar em humanos regressos
o equilibrio azul das extremas manhãs de verão".
Ruy Belo - início do poema "A mão no arado"

Para os companheiros uruguaios Sanjo, Mariú, Quica e Efrain

Nas fotos de julho de 1997 eu e Mariú estamos com quinze crianças do grupo de dança chamada “pericón” no centro de saúde na cidade Las Piedras, em Canelones, na região metropolitana de Montevidéu – foi durante a minha segunda viagem ao Uruguai.

Quando no Brasil sonhávamos com a volta à democracia, viajei em 1978 para a Argentina e Chile, e em 1979, para o Paraguai. E vivi o clima de medo, de repressão das ditaduras nesses países. Pretendia conhecer o Uruguai, mas decidi viajar somente depois do fim do regime militar.

Estive na capital uruguaia em 1990 – e Sanjo Rodriguez foi me esperar na rodoviária. Depois, estive alojado na casa dos Jesuitas .Foi o primeiro contato com os militantes de direitos humanos da organização não-governamental Serpaj (Serviçio Paz y Justicia). A volta à democracia, depois de um longo período de ditadura, ainda deixara um clima de incerteza. As professoras Ana e Carina – que conheci durante a viagem de ônibus foram a minha companhia nessa viagem. Prometi voltar ao pais que teve uma longa história de estabilidade politica.

O retorno a Montevidéu em 1997 não foi uma viagem turística - apesar ter passeado pela Rambla (a avenida do Rio da Prata), ido a museus, ao Parlamento uruguaio, caminhado pelas ruas do Centro velho da cidade, ao Bar Fun Fun no Mercado Central. Foi um reencontro com os companheiros-militantes.

Dessa vez tive vários cicerones: Maria del Huerto Nari (Mariú), Sanjo Rodriguez e o casal Quica e Efraín Olivera Lerena. Foram momentos de confraternização na casa de cada um deles. Mariú me convidou para um jantar com toda a família dela reunida – pais, irmãos. Sanjo preparou uma feijoada para comemorar o meu retorno – e brindamos aos novos tempos com Ana e os filhos Felipe e Pilar. Quica e Efraim me convidaram para um jantar – e ele foi o chef de cozinha; senti a ausência dos filhos Juan Fernando e Guillermo, que não estavam na cidade.

Com Mariú estive em uma reunião com os moradores no centro de saúde do bairro La Teja – foi um encontro e um diálogo com os montevideanos do bairro da periferia da cidade. Na companhia de Quica e seus sobrinhos estive no Museu Juan Manuel Blanes.

Lembro que conversamos sobre os rumos da democracia na América Latina – a rede de contatos do Serpaj no continente foi a novidade para mim. O Brasil historicamente sempre ignorou os seus vizinhos.

Da primeira viagem, em 1990, ficou a amizade com um dos seminaristas, Julio Rius. Durante algum tempo nos correspondemos, mas a distância se encarregou de perder o contato. Da segunda viagem, em 1997, ficaram as lembranças da hospitalidade e os laços de amizade com os companheiros uruguaios – que permanecem até hoje.

Minhas viagens sempre foram para a América do Sul – e de reconhecimento da realidade dos países hermanos. Hoje, recebo noticias frequentes do movimento dos militantes no continente americano.
Mariú é professora universitária. Quica e Efrain continuam a militância no movimento de direitos humanos. Sanjo é artista plástico e vive em Barcelona há mais de dez anos.

Da minha última viagem trouxe um presente de Efraín: o livro “Uruguay nunca más”, um informe do Serpaj sobre a violação dos direitos humanos nos anos 1972-1985. De Mariú, um livro de Eduardo Galeano. Na parede da sala na minha casa há um quadro que Sanjo me enviou antes de partir para o exílio na Espanha: foi o presente de despedida dele da grande pátria latino-americana.

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Litoral Norte: o reencontro com a cultura caiçara 3 - João dos Reis



Para o jovem guarani e a pescadora de Ubatuba

Na verso da fotografia de junho de 1973, está escrito: “grupo de xiba, bumba-meu-boi e rosário” – seis caiçaras estão em uma estrada de terra cantando ao som de duas violas e um atabaque. Passei o fim de semana na casa do professor Pedro Paulo Teixeira Pinto, de Literatura e Língua Portuguesa na Escola Estadual “Capitão Deolindo de Oliveira Santos” – e ele me convidou para conhecer o grupo folclórico de Ubatuba.

Pedro Paulo, pesquisador e incentivador da cultura regional, criou um grupo de teatro com jovens estudantes. Uma das apresentações foi em Ubatumirim , uma comunidade de pescadores com acesso apenas por barco pelo mar – a Rodovia Rio Santos estava ainda em construção. É a imagem mais comovente do trabalho do professor que, depois de anos vivendo em São Paulo e São José dos Campos, voltou à sua cidade natal e se engajou na preservação da identidade caiçara.

Estávamos descrentes na participação nos partidos políticos (Arena e MDB)) criados pela ditadura com o Ato Institucional número 2. Conheci em Ubatuba o jovem vereador Eduardo Antonio de Souza Netto - e lembro de que conversamos sobre a possibilidade de mudar a cidade a partir da via parlamentar. Ele me convidou gentilmente para o almoço de domingo; o cardápio: azul marinho, o prato tipico caiçara.

Nos final dos anos 70, fui com Terezinha Rosa, professora de Inglês, e Alda, médica, em uma boate de Caraguatatuba - eram em noites no meio da semana, e praticamente nós três na pista de dança. Foi para mim o encerramento dessa década de desalento e ausência de futuro. “Abra suas asas / solte suas feras / caia na gandaia / entre nessa festa / E leve com você / seu sonho louco / Eu quero ver seu corpo / lindo, leve e solto” dizia a música “Dancing Days” - de autoria de Nelson Mota e Rubens Queiroz – cantada pelas Frenéticas.

Terezinha e o sociólogo Roaldo Graciano Fachini foram amigos no curso ginasial de Antonio Benetazzo, preso, morto sob tortura e “desaparecido” – e conversamos sobre esses anos de desesperança. A greve dos professores da rede estadual em 1978 e 1979 foi o inicio da retomada das lutas que aconteceriam a partir do anos 80. Terezinha e Roaldo (em Caraguatatuba), Alfredina Nery (em São Sebastião) , e Angela Bernardes de Andrade Gil (em Ubatuba), foram algumas das lideranças no movimento grevista no Litoral Norte.

Por ordem do governador nomeado pela ditadura, Paulo Maluf, um policial comparecia todos os dias nas escolas para anotar os nomes dos educadores que estavam ausentes ou em greve. O apoio de algumas diretoras foi importante para driblar a repressão: recusaram fornecer os nomes dos faltantes ou grevistas. O governo malufista suspendeu o desconto na folha de pagamento da mensalidade sindical da Apeoesp – uma estratégia de quebrar economicamente a organização dos trabalhadores da educação. Realizamos uma campanha de sindicalização e emitimos carnês e distribuímos aos professores.

Em 1980, depois de oito anos no litoral, voltei para Osasco. E retomei o meu contato com a realidade litorânea apenas no segundo semestre de 1994: trabalhei no departamento de meio ambiente na Secretaria de Planejamento de São Vicente, convidado por Sergio Luiz Avancine. No Litoral Sul paulista o processo de proletarização do caiçara e a migração criaram zonas de pobreza – a Favela México 70, construída sobre o mangue, foi uma triste experiência. O mais chocante foi a descoberta da contaminação da região continental (bairros Quaternário e Samaritá) da cidade por produtos químicos – uma grande área estava isolada e o acesso proibido.

O reencontro com a cultura caiçara aconteceu no I Encontro Internacional dos Povos do Mar e da Mata Atlântica, realizado em São Sebastião no final de 1994 - representei a prefeitura de São Vicente. Os temas do debate: conservação das áreas de mata e a manutenção das populações tradicionais, a luta das comunidades pesqueiras, a defesa da identidade caiçara, a sobrevivência dos indígenas.

Entre os quase cinquenta participantes, a recordação mais terna foi a amizade com um jovem guarani e – uma novidade para mim – uma jovem pescadora de Ubatuba. Em vão busco recordar os nomes deles – restaram na memória apenas o afeto e o carinho que nos aproximou durante os dois dias do encontro.

quinta-feira, 2 de julho de 2015

"O Reencontro" de Risomar Fasanaro- resenha de João dos Reis


Livro “O reencontro (estórias)”, de Risomar Fasanaro, Editora do Autor, Osasco, SP, 2013, 200 pp.

“Talvez viesse daí seu jeito calado, seu silêncio tão incompreendido. A vida, pensou, é tão misteriosa quanto as palavras. Só que para elas ainda existe um dicionário, e a vida... A vida não tem bula, não tem roteiro, nem tradutor”, escreveu Risomar no conto “O peso da palavra”.

Os contos da escritora estavam na gaveta, aguardando publicação. Finalmente, fomos presenteados com o livro. Para quem a conhece, sabe que escrever é um compromisso diário e prazeroso: é com a construção das palavras que ela nos revela o mundo – carregado de mistérios e desencontros.

Não sei dizer qual conto me encantou mais. “Catimbó” me deixou intrigado: qual o segredo de Helena que a quase à levou à morte? Não adianta perguntar à autora: somente os personagens dominam o labirinto do destino e suas ciladas.

Em “A mulher que chorou por Proust” , Beatriz prepara um presente para um amigo distante – e o final é uma revelação das artimanhas da vida: não temos escolhas, a não ser nos entregar à companhia – e à solidão - dos livros.

A obra prima é “O braço direito” - retoma o período mais cruel e trágico da história brasileira do século XX: a ditadura militar de 1964-1985. Restaram apenas as lembranças dos mortos e desaparecidos nos subterrâneos da repressão policial . Com a linguagem literária podemos trazê-los de volta: eles estão novamente presentes na nossa memória.

Risomar Fasanaro foi professora de Literatura e Lingua Portuguesa em escola estadual de Osasco. Nascida em Recife, chegou ainda criança na cidade proletária. Foi a agitadora cultural nos anos de silêncio e medo: participou do grupo cultural Veredas, da Vila dos Artistas no Jardim Cipava, escreveu crônicas e poesias para jornais. Quando estudante da USP da rua Maria Antonia, participou dos protestos que incendiaram a imaginação dos jovens: era proibido proibir.

É difícil separar a escritora do movimento cultural e político de Osasco: esteve sempre presente nos momentos históricos que marcaram a vida da cidade. No final dos anos 70, sonhamos com a anistia aos perseguidos políticos e a volta dos exilados. Seus amigos que estiveram engajados na resistência à tirania sempre puderam contar com o apoio e solidariedade da professora-poetisa.

O sonho de liberdade esteve presente na luta contra a opressão e pelo retorno à democracia. A arte das palavras, a criação literária é possível quando abolimos as amarras do cotidiano, como bem revelam muitos dos seus contos.

Pensei que depois do prefácio e introdução ao livro por dois poetas - Antonio Belo da Silva e Cacá Mendes - não havia mais o que escrever. Em uma releitura recente dos contos redescobri a existência dos seus personagens: às vezes submersos na angústia e desolação, mas buscando desvendar o mistério do mundo – a nós cabe percorrer as trilhas que a escritora nos apresenta. O caminho da Literatura não é fácil – e não precisamos de compaixão, mas da arma da reflexão, porque é um aprendizado para toda a vida.

Falta ainda reunir e publicar em um livro a obra poética de Risomar – um novo presente para seus leitores e admiradores.

“Meu amigo chegou
me abraçou
e não disse nada

não precisava

senti sua tristeza
preparei chá
tomamos em silêncio
e ele se foi

para sempre”.
Poema “Amigo”, Risomar Fasanaro.