segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Julio Cortazar: A Descoberta do fascínio das palavras- João dos Reis


Trinta anos depois da morte de Julio Cortázar, seus leitores ganharam um presente. “A fascinação das palavras” (Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2014, 296 pp), é um diálogo com o jornalista Omar Prego Gadea. O escritor recorda sua infância, as primeiras leituras, a formação em Letras e o trabalho como professor no interior da Argentina.

Para mim, que sou seu admirador, foi uma surpresa agradável conhecer o autor por suas próprias palavras. O livro desvenda os “segredos” de vários contos: quando surgiu a ideia, como foram escritos. A narrativa de como escreveu “O jogo da amarelinha” é fascinante: aos pedaços, como um artesanato, foi sendo construído – e pode ser reconstruído por quem o lê.

“Suas posições políticas e sua arte poética se configuram nesta convicção: a imaginação, a arte, a forma são revolucionárias, destroem as convenções mortas e nos ensinam de novo a olhar, pensar e sentir”, disse o mexicano Carlos Fuentes em artigo para o “New York Times”.

O engajamento do escritor em defesa dos países socialistas foi encorajador nos desesperados anos 70. “... Só acredito no socialismo como possibilidade humana, mas esse socialismo deve ser uma fênix permanente, deixando-se para trás num processo de renovação e de invenção constantes; e isso só se pode atingir por meio da crítica...”, escreveu Cortázar em 1983 para o jornal “El país”, e que não presenciou o fim do bloco soviético.

Em um programa de rádio sobre a Nicarágua no final de 1983, ele disse que “não se deve sacrificar a literatura pela política nem trivializar a política em altares de um esteticismo literário. Eu não acreditaria no socialismo como destino histórico para a América Latina se não estivesse movido por razões de amor”.

A ação subversiva do escritor acontece também pela forma revolucionária, pela interrogação sobre o destino do homem. O romancista, uma espécie de “dinamiteiro do literário”, na expressão do critico Yurkievich, se realiza no terreno da linguagem. A reflexão e a reelaboração dos sonhos foram a origem de muitos dos contos – e aí está a presença do surrealismo em seus escritos.

Não sabia de um livro de poemas – que não está ainda publicado no Brasil. E que os primeiros exercícios da arte da escritura começaram aos 9 anos de idade. Sobre o pai há uma ausência completa nesse livro-entrevista. Em outro ocasião, ele dirá: “ele nunca fez nada por nós” – que abandonou a família quando Cortázar era ainda um “niño”.

O longo exílio em Paris não o afastou do seu pais natal nem da realidade latino-americana. Foi o amigo critico e solidário da revolução cubana e das contradições da construção do socialismo, isolado pelo bloqueio econômico dos países capitalistas.

No prólogo do “Livro de Manuel”, de 1973, um momento histórico de repressão e de organização da esquerda armada, Cortázar escreve “o que conta, o que tentei contar, é o sinal afirmativo diante da escalada de desprezo e horror, e essa afirmação deve ser a mais polar, o mais vital do homem: sua sede erótica e lúcida, sua libertação dos tabus, sua exigência de uma dignidade compartilhada numa terra livre deste horizonte diário de presas e de dólares”.

Ao escrever sobre Cortázar, ressurge minha admiração, que não diminuiu após essas décadas de ausência do escritor. Esse livro foi uma redescoberta do poder das palavras em um mundo que desaprendeu a usá-las com amor.