domingo, 31 de maio de 2015

Sampa - Joaquim Belo



No coração da avenida Paulista pulsa o PIB do país.
No ápice da pirâmide a elite branca está feliz,
A cotação do dólar subiu e o risco do país caiu.
As estatísticas indicam o que os gráficos confirmam
As aplicações financeiras cada vez valendo mais
Dorme nas redes bancárias dos paraísos fiscais.

Na outra ponta da cidade, por vias marginais,
Gente dormindo sentada, acordada ou de pé,
Espremidos nos vagões dos trilhos metroviários,
São despejados como gado na estação da central
É a grande força do trabalho, que faz o bolo crescer,
Amassa a massa, tempera e assa, mas sem direito a comer.

E nas cercanias dos proscritos ao lado da Júlio Prestes,
Entre muros invisíveis um novo inferno terrestre,
São as tribos dos miseráveis e excluídos da nação
Onde impera a lei e a ordem da desordem social.
E a rapinagem política disputa, numa luta fratricida,
Quem vai tocar a batuta na disputa eleitoral.

Indiferente aos conceitos e preceitos sociais
São os zumbis que viajam pelas vias ilusórias,
Veias de sangue entorpecidas pelas drogas ingeridas.
No olhar a mesma tristeza, no peito a mesma história
Nas frustrações da vivência e nas ilusões perdidas.
Uma borracha que borra, mas não apaga as feridas.

Enquanto a garoa filtra uma tênue e pálida luz,
Sobe em forma de espirais as fumaças expelidas
Projetando silhuetas de figuras estremecidas,
Como fantasmas que dançam e pela noite vagueiam
Mortos-vivos, que num lampejo o pensamento reluz,
Antigos, mortos e insepultos sentimentos.

25 de maio de 2015

terça-feira, 26 de maio de 2015

Osasco, uma história: Albertino Oliva - João dos Reis



Para os companheiros da Frente Nacional do Trabalho

Estávamos reunidos no inicio dos anos 70. O grupo da Frente Nacional do Trabalho de Osasco - José Groff, Valdomiro Martins da Silva (Dudu), Alberto Abib Andery, Maria Santina, Antonio Vieira de Barros, Luis Amaral, Odim Jiorjon, Maria de Lourdes Brengel, e outros militantes - foi informado: Albertino Souza Oliva foi preso – nós e a família dele não sabíamos o local onde ele estava e o motivo do desaparecimento. A angústia e a dor da noticia impedia que tomássemos uma decisão: o que fazer?

Depois, ficamos sabemos que ele ficou uma semana detido, incomunicável, no quartel da Policia Militar da Avenida Tiradentes. Nunca houve uma acusação formal a ele na Justiça.

Foram momentos como esse que os que engajaram no movimento operário viveram os anos de repressão durante a ditadura militar. Albertino trabalhou de 1945 a 1962 no Departamento Pessoal da Cobrasma em Osasco. Houve um “ressurgimento espiritual”, como ele o denomina, e passa a frequentar a Igreja Católica. Conhece o líder sindical João Batista Cândido e participa do movimento sindical na fábrica. Junto com outros trabalhadores, criam a Comissão de Fábrica – que foi um acontecimento histórico na luta por melhores salários e condições de trabalho.

Albertino recordou durante o seu depoimento em outubro de 2014 na Câmara Municipal: a direção da fábrica descobriu o engajamento dele, e foi transferido para a sede da empresa; depois ele decidiu pedir demissão. Foi um período de transição na vida do advogado que nasceu em Casa Branca, SP, e que cursou Direito na USP. Tinha a desconfiança dos trabalhadores: havia participado do quadro repressivo da empresa: a lista dos candidatos a emprego era enviada antes para o Dops. E tinha a recusa da direção patronal em ter um funcionário comprometido com a luta por uma nova sociedade. “Foi um momento difícil: traiu a confiança dos patrões e não tinha a confiança dos trabalhadores”.

A conversão às idéias do Padre Louis-Joseph Lebret ("Princípios para a ação"), o compromisso com a nova Igreja que surgia, o conduziram à Frente Nacional do Trabalho, uma organização não governamental fundada por Mario Carvalho de Jesus depois da greve dos trabalhadores de Perus em 1962. Foi essa militância que o levou outras vezes à ser detido pelos militares. Sua participação na criação da Cooperativa dos Trabalhadores da Cobrasma (depois Coopergran), na instalação dos cursos profissionalizantes no Senai em Osasco foi o inicio de uma longa trajetória junto com os trabalhadores.

Participei das reuniões e atividades na FNT de Osasco. Quando os trabalhadores abriam uma ação trabalhista, eram convidados a participar de uma palestra: eu fazia a abertura, falava da importância da participação sindical e politica; depois, Albertino explicava os meandros jurídicos de um processo. Foram anos em que tive contato frequente com a realidade da opressão patronal e do desrespeito aos direitos trabalhistas.

Com os ventos da democracia no inicio dos anos 80, participei de um projeto de educação popular da FNT, com ajuda financeira de uma organização não governamental da Bélgica. Fui contratado para colocar em prática o programa de debates, palestras e grupos de estudo em Osasco e na periferia da Região Metropolitana Oeste de São Paulo. E eu o acompanhei nos encontros com os trabalhadores dos bairros das cidades de Carapicuiba ( Comunidade Kolping da Vila Dirce e Cohab, e Igreja N.S.Aparecida) e Jandira (comunidade da Vila Analândia).

Nos anos 60, houve um acidente muito grande no forno da Cobrasma, e um operário acabou morrendo. Foi combinado que no enterro a fábrica tocaria o apito. Foi um dos primeiros protestos dos operários osasquenses por respeito, garantia à vida e à dignidade. Albertino recusou entregar os nomes dos que organizaram a manifestação. No final dos anos 70, a participação na criação do Centro de Defesa de Direitos Humanos de Osasco – foram dois momentos de uma longa história de compromisso com os trabalhadores da cidade proletária.

Albertino Souza Oliva foi o primeiro coordenador da Comissão da Verdade de Osasco até inicio de 2015. Com 88 anos, apresentou o seu testemunho: de que é preciso combater as injustiças ,”não ter complacência com o erro, nunca com a violência”.

sexta-feira, 22 de maio de 2015

O Eclipse - Jailson Vital



Nos dias de hoje a crendice em fantasma, alma penada, lobisomem, vampiro, etc., está desmoralizada. Os filmes de terror que antigamente nos assustavam tanto e nos deixavam sem dormir, hoje são comédias, e os personagens embora de aparência aterrorizadora e executando ações macabras, só provocam gargalhadas dos jovens espectadores. No entanto, uma parcela grande da população, principalmente aquela menos culta, ainda acredita que fenômenos naturais, como enchentes, secas prolongadas, grandes incêndios e eclipses, são castigos de Deus ou sinais do fim do mundo. Imaginem essa situação no início da década de 60. Ou melhor, imaginem o anúncio em Custódia, de um eclipse total, naquela época. Pois eu lhes conto.
O anúncio de que haveria um eclipse total da lua, trouxe inquietação a grande parte dos moradores e então, começaram a correr os boatos dos malefícios trazidos por esses acontecimentos, como doenças, pestes e mortes. Mas corria também, para alívio dos desesperados, a receita do antídoto para tudo isso. À semelhança dos castigos de Deus ao faraó e seu povo, no episódio bíblico das 7 pragas do Egito (Êxodo), onde a salvação para os israelitas seria pintar as ombreiras das suas portas com sangue de cordeiro (pois Deus veria esse sinal e seu castigo não entraria naquela casa), a salvação para os custodienses(*) naquela ocasião, seria colocar um ramo de pinhão bravo, planta endêmica da caatinga, ou um galho de arruda, em um vidro com água e colocá-lo pendurado na porta de entrada das suas casas.
Alguns estudantes, eu entre eles, achávamos aquilo tudo um absurdo e tentávamos explicar a algumas pessoas que, o eclipse se tratava de um fenômeno natural, causado pelo alinhamento do sol, da terra e da lua, mas éramos vozes vencidas. Éramos pouquíssimos em relação aos que criam que o ramo de pinhão era a barreira contra o mal iminente. Não nos conformávamos vendo que quase todas as casas tinham um vidrinho com um ramo de pinhão ou arruda pendurado na porta.
Então “bolamos” um modo de demonstrar esse absurdo. Naquela noite, quando aconteceria o eclipse, já altas horas, quando todos dormiam, saímos no jeep de propriedade de um de nós, e cuidadosamente, fomos recolhendo os vidrinhos e colocando-os no jeep. Ao final da coleta, fomos para a praça em frente à igreja, e lá, em uma construção circular de paralelepípedos, construída talvez com a intenção de futuramente ser colocada uma estátua ou um busto de algum político, fomos depositando os vidrinhos.
No dia seguinte ao acordarmos, fomos para a praça para vermos a reação dos que paravam para ver aquilo, sem entender o que significava, nem como todos aqueles vidros tinham ido parar ali. Os comentários e opiniões eram os mais diversos, inclusive os fantásticos. Havíamos finalmente demonstrado que, mesmo sem o pinhão e sem a arruda, estavam todos sãos e salvos.
Cerca de cinquenta anos depois, apesar de todo avanço que o mundo teve, tivemos que assistir, não em Custódia, mas no mundo inteiro, milhares de pessoas se refugiando em cidades pseudo imunes e refúgios construídos com milhares de dólares, para escapar do “fim do mundo” que aconteceria no dia 21 de dezembro de 2012, supostamente predito pelo calendário Maia.


(*) nascidos ou
moradores da cidade de Custódia- Pernambuco.

domingo, 17 de maio de 2015

O Último adeus:meu avô Marcelino Matheus Ferro - João dos Reis



Para os Razera: Gustavo, João Argemiro e Maria Aparecida

Meu avó Marcelino se despedia de mim na estação de trem de Duartina, no Estado de São Paulo. Estava de partida para Osasco, depois das férias de verão na minha cidade natal. De volta à metrópole, distante quase 400 quilômetros dos queridos avós, tios e primos, vinha com o coração carregado de saudades - e de um presente: a bíblia do século 19 que ele trouxera de Portugal quando chegou ao Brasil em 1926.

Durante muitos anos, eu, um jovem estudante-trabalhador, depois professor, revisitava a cidade do interior. E, quando ainda existia a linha férrea de transporte de passageiros, era meu avô que me acompanhava, quase sempre, até à estação. Ele era muito calado e, antes de me despedir, beijava a mão dele, como fazia desde criança, e lhe agradecia em silêncio pela garrafa de vinho que abrira no almoço para comemorar a minha visita.
Em uma das despedidas, meu tio Toninho (Antonio Herculiani), pediu licença na oficina de marcenaria em que trabalhava, e gentilmente foi minha companhia até à estação.

Nunca me esqueci do abraço quando se aproximava o trem, esse gesto de gentileza e carinho: o último adeus sempre foi acompanhado de tristeza. Parece que me despedia de todos para sempre, mesmo sabendo que voltaria no próximo ano para visitá-los.

Tia Isaura era a correspondente epistolar da família espalhada pelo nosso planeta. Ela me entregava para ler as cartas dos que viviam em Angola, França e EUA – a saga dos portugueses que partiram para um novo país, um novo continente. Em uma delas, e que comentei com meu avô, falava da forte nevasca nas aldeias de Penhas Juntas e Falgueiras na província de Trás-os-Montes, que impediu que os moradores saíssem de casa por vários dias.

Essa volta às origens esteve marcada pelas orações, realizadas pela minha avó Elisa de Jesus Ferro. Era uma reverência aos nossos mortos – e que mereciam as nossas preces. Acompanhei-a em muitas tardes ao cemitério da cidade, e diante do túmulo da familia, roguei por eles – pedindo a misericórdia divina, o descanso e a paz eterna.

No álbum de fotografias, revisitava os nossos familiares - era um retorno à história da imigração europeia para a América. Ouvia os relatos da longa travessia do Atlântico de navio, das dificuldades dos primeiros anos, do trabalho no campo. A ligação com a terra brasileira surgia logo que eu chegava de viagem: a avó Elisa me pedia que fosse ver a horta e o jardim – em que ela cultivava, com orgulho, roseiras, palmas-de-santa-rita, tomates, couve, almeirão, e onde havia limoeiros e figueiras.

Ainda hoje, quase um século depois, minha mãe lembra que ia, nas primeiras horas da manhã, para a lavoura de algodão nas fazendas da região de Bauru.

Não recordo dos meus bisavós italianos– eles partiram de Verona e chegaram ao Brasil em 1888, ano da libertação dos escravos. Trabalharam nas fazendas de café - viveram na região de Campinas, no distrito de Sousas. Minha avó Pasqualina Negrini dos Reis, provavelmente me contaria suas lembranças, mas faleceu em 1953, quando eu tinha 4 anos.

Nas manhãs em que minha avó Elisa preparava o forno a lenha para o pão e o almoço com os meus pratos preferidos – lombo assado ou bacalhau à moda transmontana – conversávamos sobre o passado. Foi nesses diálogos que fiquei sabendo da saga dos Negrini, contada por ela, que foi amiga da minha avó Pasqualina. Era um piá e, mais tarde, um jovem que gostava de ouvi-la. Todos vieram para o Brasil em busca do sonho americano, e eu procurava me reencontrar nessas esperanças de uma vida melhor. Foram anos em que refleti sobre o que o destino me reservava. Foi uma aventura às vezes inglória e desesperada, a de saber qual é o mundo que tanto sonhamos para viver e ser felizes.

Os documentos pessoais de tia Isaura e avó Elisa, as cartas que receberam ao longo dos anos dos parentes, se perderam. Guardei o registro de identidade do avô Marcelino – e os entreguei para meus primos Miro, Cidinha e Gustavo, que também ficaram com a bíblia e o álbum de fotografias. A estação da estrada de ferro da cidade foi demolida. Os limoeiros e as figueiras não existem mais. Não há mais documentos da história dos imigrantes - apenas as imagens e as recordações na minha memória.

terça-feira, 12 de maio de 2015

Comentário sobre a crônica de Jaílson Vital de Souza- Antonio Belo


Excelente crônica!
Não somente sou amigo pessoal do autor, Jaílson, como também vivi nesse ambiente e participei de alguns desses agradáveis momentos. Ainda poderia acrescentar alguns "heróis" não citados pelo meu amigo, como sejam: O Homem de Borracha, que esticava e encolhia de acordo com a necessidade; o mágico Mandrake, que fazia os bandidos confessarem seus crimes mediante o efeito provocado por ilusões de ótica e, quando o combate exigia o uso da força, sue fiel escudeiro, Lothar, um negro musculoso o tirava das enrascadas. O Mandrake ainda tinha um noiva muito bonita, que era a princesa Narda.
Mas, de todos aqueles heróis, o meu preferido era mesmo brasileiro. Sim, para mim, nenhum deles se comparava ao Jerônimo, o Herói do Sertão - com maiúsculas mesmo -. Todo mês eu esperava ansiosamente a chegada do gibi, que sempre era comprado pelo Armando, que era filho de um dono de oficina em Custódia e ele emprestava ou vendia.
Jerônimo encarnava o típico defensor dos pobres e oprimidos contra o poder dos coronéis nordestinos. sim, porque embora não fosse explicitamente definida, a temática e a indumentária dos envolvidos era típica dos cangaceiros nordestinos, como era o João Corisco, o pai do Moleque Sacy, este, fiel escudeiro do Jerônimo. Ainda havia a noiva do Jerônimo,a Aninha, que era sua prima. Existia uma trama shekespeareana, pois Jerônimo e Aninha, embora primos, eram descendentes de famílias rivais, pois o pai de Aninha era irmão de pai de Jerônimo, que namorava com Maria Homem - mãe do Jerônimo - que era filha de um coronel inimigo do coronel Saturnino Bragança, que era o avô de Jerônimo e de Aninha, por parte dos pais de ambos. Assim, Jerônimo era uma espécie de Dom Quixote sertanejo e em parte sua leitura influenciou um pouco do meu senso de justiça social. Detalhe: O nome da mãe de Jerônimo - Maria Homem - não tinha nada a ver com lesbianismo, era apenas devido à sua coragem, pois lutava bem e com qualquer homem em igualdade de condições. Segue então, uma música que retrata bem o espírito do herói:
"Quem passar pelo sertão
vai ouvir alguém falar
no herói dessa canção
que eu venho aqui cantar

Se é por bem vai encontrar
com Jerônimo protetor
se é por mal vai enfrentar
o Jerônimo lutador

Filho de Maria Homem nasceu
Serro Bravo foi seu berço natal
entre tiros e tocaias cresceu
e hoje luta pelo bem contra o mal

Galopando está em todo lugar
pelos pobres a lutar sem temer
com Moleque Sacy prá ajudar
ele faz qualquer valente tremer...
Antônio Belo da Silva

domingo, 10 de maio de 2015

minha mãe- risomar fasanaro


Escrevi este poema nos anos 70. Que todas as mães se sintam homenageadas. Embora as tarefas se diferenciem, de região para região, as mães são muito parecidas. Como dizem: "só mudam de endereço".


minha mãe

eu te via batendo bolo
costurando noite e dia
vestidos lindos de rendas
roupas que nunca vestias
enquanto isso eu pescava
no rio jaboatão
subia nas pitombeiras
procurava os araçás
enquanto bordavas vidrilhos
nos vestidos das grã-finas
meus olhos teciam sombras
e se fizeram tão tristes
foi esse teu jeito, mãe
manso, doce, cordato
que me tornou tão rebelde
foi de te ver, mãe,
lavando, passando, varrendo
de um lado a outro correndo
que me tornou desse jeito
enquanto eras dona de casa
eu enfrentava a vida
em protestos, passeatas,
“pão que o diabo amassou”
os sonhos transpunham rios
que nunca alcançaram mares
e tu navegavas ali
-comandante-
de um barco sempre à deriva
o cheiro de manjericão
em ti era tão natural
como Chanel nas grã-finas
e foi “tua filosofia”
“ruim com ele, pior sem ele”
que me tornou desgarrada
a querer apagar-te mansa
em toda minha lembrança
mas disso tudo ficou
um fiapo de memória
faísca de fogueira
das festas de São João
da canjica, da pamonha
da fogueira e dos balões
pois é, mãe,
de tudo isso ficou
um fiapo de lembrança
com gosto de caju verde
e esse cheiro de cajá...
**

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Um sonho de liberdade: Vila Analândia, Jandira, SP - João dos Reis



Para José Henrique do Carmo

Os trabalhadores saiam do turno da noite cansados, com sono, com corpos encharcados e roupas manchadas de sangue. Elza - eu e José Groff, da Frente Nacional do Trabalho, estávamos em 1981 reunidos com o grupo de jovens trabalhadores da comunidade católica da Vila Analândia em Jandira. Eles nos contaram da jornada de trabalho no frigorifico: queriam criar um sindicato para garantir direitos trabalhistas que estavam sendo desrespeitados. Quando a empresa descobriu o projeto deles, todos foram demitidos.

Em 1968 eu trabalhava no Banco Auxiliar em Osasco - e Marcos Lopes Martins me procurou para criar uma subsede dos bancários na região, o que só aconteceria anos depois. No final dos anos 70, os professores da rede pública, organizados em uma chapa de oposição, conquistaram o sindicato (Apeoesp). Foram tentativas de organizar os trabalhadores diante do arrocho salarial, das péssimas condições de trabalho, de jornadas exaustivas, da ausência de liberdade.

Vila Analândia, na periferia da cidade de Jandira, foi um exemplo nos anos 80 de que era possível acreditar em uma nova sociedade . Elza e os italianos do movimento católico da província de Reggio Emilia, na Itália, viviam no bairro. Com eles, a FNT programou várias “Semanas do Trabalhador” – em que discutimos temas como Partidos Politicos, Fé e Política, Direitos Trabalhistas, Sindicatos e participação política, entre outros. Nunca me esqueci: na palestra de Plinio de Arruda Sampaio, um casal percorreu a pé uma longa distância para ouvi-lo, com a mulher e os filhos pequenos carregados nos braços.

O surgimento de um novo partido, o PT, a conquista dos sindicatos, trouxe de volta a esperança de se criar uma nova sociedade onde conseguiríamos eliminar as injustiças e a desigualdade . Com o grupo do sindicato dos professores (Apeoesp) de Osasco, eu e Jeanete Beauchamp, indicamos os nomes de Rosa Lopes Martins e Leônidas Gonçalves da Silva (Léo) para candidatos às eleições de 1981 na cidade – e Léo declinou da candidatura e apoiou Rosa.

Ricardo Madacki, Célia, Cupertino de Arrochela L. dos Santos, Airton Cerqueira Leite - foram alguns dos que apoiaram a candidatura vitoriosa de Rosa. Foi um período de muitas reuniões e panfletagens. Elaboramos um projeto de visitas às casas dos trabalhadores a partir de uma lista da ACO (Ação Católica Operária), dos metalúgicos e do grupo de professores. Lembro de um domingo em que eu, a advogada e colaboradora do projeto de educação popular da FNT, Marcia Terezinha Rossato, e companheiros, fomos para uma das favelas da Zona Norte de Osasco conversar com os moradores sobre o novo partido, sobre as eleições, sobre a importância do engajamento na política.

Por que acreditei na força do poder da cidade no processo de mudança para uma nova sociedade? Penso que foi, em parte, ao seminário organizado pelo Jornal “Batente” em Osasco; e ao ciclo de debates por Sergio Luiz Avancine , na PUC-SP – os dois eventos no inicio dos anos 80 discutiram a experiência de “governo popular” entre 1977 e 1982 nas cidades de Americana (Waldemar Tebaldi) e Piracicaba (João Hermann Neto), no interior de São Paulo, e Lages, em Santa Catarina (Dirceu Carneiro), e a de Miguel Arraes em Pernambuco antes do golpe de 1964.

Depois da derrota da resistência à ditadura militar nos anos 70, retomamos as esperanças de um novo tempo. A escolha pela conquista do poder parlamentar nas cidades, dos sindicatos, apontavam que era possível acreditar na democracia. O PT surge no quadro da legalidade com a proposta revolucionária do socialismo – os outros partidos de esquerda continuavam na clandestinidade pela legislação eleitoral autoritária. Militantes das Pastorais e das CEBs (comunidades eclesiais de base) da Igreja Católica, das oposições sindicais, dos movimentos populares, dos sobreviventes das organizações da luta armada contra a ditadura, contribuíram para construir o novo partido e os novos sindicatos.

Décadas depois ainda me recordo da imagem dos operários que trabalham para que a carne chegue à nossa mesa. Nunca mais tive noticias dos jovens da Vila Analândia – me informaram depois que alguns deles, desempregados, voltaram para o interior. Levaram com eles a experiência da vida comunitária no bairro proletário – mas também da exploração do trabalho e da repressão aos trabalhadores.

segunda-feira, 4 de maio de 2015

MANZUALTO! CAMONEBÓI! Jailson Vital de Souza




Era mágico. Eu entrava na casa de Fernando de Laura (Florêncio) sem pedir licença, me dirigia para a pilha de revistas de histórias em quadrinhos (HQ) que chamávamos gibís e fascinado com tanta diversidade escolhia a que queria ler ou reler e ler mais quantas vezes a revista me convidasse. Era fascinante incorporar os personagens heróis defensores da lei e da ordem. As revistas ainda eram impressas em tinta preta, mas meus olhos de menino davam colorido, davam movimento e davam som a cada quadrinho. Eu realmente vivenciava cada história. Os heróis eram diversos. Haviam os cowboys, os meus preferidos, cujo cenário era o velho oeste americano e nomes como Billy The Kid, Cavaleiro Negro, Tom Mix, Zorro, Hopalong Cassidy, Roy Rogers, Rocky Lane, Flecha Ligeira e muitos outros. Na Selva estavam lá atentos, Tarzan, O Fantasma e Jim das Selvas. Na cidade os heróis voadores Super Homem, Capitão Márvel, Capitão América e Centelha Vermelha além da dupla Batman e Robin. Nos mares, o Homem Submarino, no espaço planetário, Flash Gordon e Buck Rogers. Enfim, o mundo naquela época estava protegido dos malfeitores em todos os seus ambientes por esses personagens maravilhosos. Hoje, lembro de uma característica interessante. Nunca um herói matou um bandido. No máximo, um tiro era disparado na mão do facínora para derrubar-lhe a arma, estes eram dominados, presos e entregues ao xerife ou outra autoridade policial. Os autores tinham o cuidado de não estimular a violência. Muitos anos depois, com o advento das HQ de lutas marciais é que a violência começou a ser mostrada em suas histórias.
Depois veio o cinema. Zé de Isaías montou uma sala de exibição num prédio que ficava de frente para a Praça Padre Leão, próximo onde hoje é a Câmara Municipal e era a primeira sede ou veio a ser depois, do CLRC (Clube Lítero Recreativo de Custódia). O projetor era de 16 mm e a sessão precisava ser interrompida para trocar os rolos de filme. Tinha sessão apenas nos fins de semana. Foi nesse cinema que assisti: O Homem da Máscara de Ferro, O Conde de Monte Cristo e Os Sinos de Santa Maria, todos em preto e branco, pois o filme colorido ainda era raro. Mas o que mais atraía a meninada e mesmo os adultos eram os seriados. Eram filmes curtos de mais ou menos meia hora, semelhantes à novela de hoje, com uma diferença; o “mocinho ou a mocinha” terminava cada capítulo em perigo de vida. Passava sempre depois da exibição do filme semanal. A meninada ficava imaginando e discutindo, o resto da semana, o modo como eles sairiam daquela enrascada. Assim, ninguém perdia o próximo capítulo. O seriado que ficou na minha lembrança foi “Os Perigos de Nyoka”. O casal Nyoka e seu companheiro Larry eram os artistas. Todo capítulo essa mocinha caía numa armadilha montada pelos bandidos, era ameaçada por um leão ou uma cobra, despencava de uma cachoeira, era ameaçada por índios e muitas outras situações. Nós, meninos ficávamos apreensivos, torcendo pela nossa heroína.
Algum tempo depois, esse cinema passou a ser propriedade de Inácio Germano, onde Osminda Carneiro era a bilheteira.
As nossas brincadeiras, na época, incluíam a reedição dos filmes de faroeste com uns sendo os “artistas” e outros os bandidos. Brincávamos principalmente na Praça Ernesto Queiroz e em volta da igreja. As armas eram feitas de madeira ou simplesmente imitadas com a mão estendendo dois dedos. Quando algum menino surpreendia outro, vinha a ordem de rendição: “manzualto”! Isto é, mãos ao alto. Dizendo assim ficava mais claro, pois a pronúncia MÃOS-AU-AU-TO ficava parecendo um latido. No final com todo mundo rendido fazia-se a conta de quem venceu. Geralmente todos. E para irmos embora vinha a ordem imitando os cowboys: “Camonebói”! (Come on boys) – Vamos rapazes.
Pois é. Vamos rapazes, vamos para Pasárgada, ainda dá tempo.

jalvital@gmail.com