minha mãe
eu te via batendo bolo
costurando noite e dia
vestidos lindos de rendas
roupas que nunca vestias
enquanto isso eu pescava
no rio jaboatão
subia nas pitombeiras
procurava os araçás
enquanto bordavas vidrilhos
nos vestidos das grã-finas
meus olhos teciam sombras
e se fizeram tão tristes
foi esse teu jeito, mãe
manso, doce, cordato
que me tornou tão rebelde
foi de te ver, mãe,
lavando, passando, varrendo
de um lado a outro correndo
que me tornou desse jeito
enquanto eras dona de casa
eu enfrentava a vida
em protestos, passeatas,
“pão que o diabo amassou”
os sonhos transpunham rios
que nunca alcançaram mares
e tu navegavas ali
-comandante-
de um barco sempre à deriva
o cheiro de manjericão
em ti era tão natural
como Chanel nas grã-finas
e foi “tua filosofia”
“ruim com ele, pior sem ele”
que me tornou desgarrada
a querer apagar-te mansa
em toda minha lembrança
mas disso tudo ficou
um fiapo de memória
faísca de fogueira
das festas de São João
da canjica, da pamonha
da fogueira e dos balões
pois é, mãe,
de tudo isso ficou
um fiapo de lembrança
com gosto de caju verde
e esse cheiro de cajá...
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