sexta-feira, 8 de maio de 2015

Um sonho de liberdade: Vila Analândia, Jandira, SP - João dos Reis



Para José Henrique do Carmo

Os trabalhadores saiam do turno da noite cansados, com sono, com corpos encharcados e roupas manchadas de sangue. Elza - eu e José Groff, da Frente Nacional do Trabalho, estávamos em 1981 reunidos com o grupo de jovens trabalhadores da comunidade católica da Vila Analândia em Jandira. Eles nos contaram da jornada de trabalho no frigorifico: queriam criar um sindicato para garantir direitos trabalhistas que estavam sendo desrespeitados. Quando a empresa descobriu o projeto deles, todos foram demitidos.

Em 1968 eu trabalhava no Banco Auxiliar em Osasco - e Marcos Lopes Martins me procurou para criar uma subsede dos bancários na região, o que só aconteceria anos depois. No final dos anos 70, os professores da rede pública, organizados em uma chapa de oposição, conquistaram o sindicato (Apeoesp). Foram tentativas de organizar os trabalhadores diante do arrocho salarial, das péssimas condições de trabalho, de jornadas exaustivas, da ausência de liberdade.

Vila Analândia, na periferia da cidade de Jandira, foi um exemplo nos anos 80 de que era possível acreditar em uma nova sociedade . Elza e os italianos do movimento católico da província de Reggio Emilia, na Itália, viviam no bairro. Com eles, a FNT programou várias “Semanas do Trabalhador” – em que discutimos temas como Partidos Politicos, Fé e Política, Direitos Trabalhistas, Sindicatos e participação política, entre outros. Nunca me esqueci: na palestra de Plinio de Arruda Sampaio, um casal percorreu a pé uma longa distância para ouvi-lo, com a mulher e os filhos pequenos carregados nos braços.

O surgimento de um novo partido, o PT, a conquista dos sindicatos, trouxe de volta a esperança de se criar uma nova sociedade onde conseguiríamos eliminar as injustiças e a desigualdade . Com o grupo do sindicato dos professores (Apeoesp) de Osasco, eu e Jeanete Beauchamp, indicamos os nomes de Rosa Lopes Martins e Leônidas Gonçalves da Silva (Léo) para candidatos às eleições de 1981 na cidade – e Léo declinou da candidatura e apoiou Rosa.

Ricardo Madacki, Célia, Cupertino de Arrochela L. dos Santos, Airton Cerqueira Leite - foram alguns dos que apoiaram a candidatura vitoriosa de Rosa. Foi um período de muitas reuniões e panfletagens. Elaboramos um projeto de visitas às casas dos trabalhadores a partir de uma lista da ACO (Ação Católica Operária), dos metalúgicos e do grupo de professores. Lembro de um domingo em que eu, a advogada e colaboradora do projeto de educação popular da FNT, Marcia Terezinha Rossato, e companheiros, fomos para uma das favelas da Zona Norte de Osasco conversar com os moradores sobre o novo partido, sobre as eleições, sobre a importância do engajamento na política.

Por que acreditei na força do poder da cidade no processo de mudança para uma nova sociedade? Penso que foi, em parte, ao seminário organizado pelo Jornal “Batente” em Osasco; e ao ciclo de debates por Sergio Luiz Avancine , na PUC-SP – os dois eventos no inicio dos anos 80 discutiram a experiência de “governo popular” entre 1977 e 1982 nas cidades de Americana (Waldemar Tebaldi) e Piracicaba (João Hermann Neto), no interior de São Paulo, e Lages, em Santa Catarina (Dirceu Carneiro), e a de Miguel Arraes em Pernambuco antes do golpe de 1964.

Depois da derrota da resistência à ditadura militar nos anos 70, retomamos as esperanças de um novo tempo. A escolha pela conquista do poder parlamentar nas cidades, dos sindicatos, apontavam que era possível acreditar na democracia. O PT surge no quadro da legalidade com a proposta revolucionária do socialismo – os outros partidos de esquerda continuavam na clandestinidade pela legislação eleitoral autoritária. Militantes das Pastorais e das CEBs (comunidades eclesiais de base) da Igreja Católica, das oposições sindicais, dos movimentos populares, dos sobreviventes das organizações da luta armada contra a ditadura, contribuíram para construir o novo partido e os novos sindicatos.

Décadas depois ainda me recordo da imagem dos operários que trabalham para que a carne chegue à nossa mesa. Nunca mais tive noticias dos jovens da Vila Analândia – me informaram depois que alguns deles, desempregados, voltaram para o interior. Levaram com eles a experiência da vida comunitária no bairro proletário – mas também da exploração do trabalho e da repressão aos trabalhadores.

Nenhum comentário:

Postar um comentário