segunda-feira, 5 de agosto de 2013

O Reencontro- Antonio Belo


Quando recebi o convite da Risomar para fazer um prefácio do seu livro de contos: “O Reencontro”, senti uma certa apreensão. Sabia que não seria um "pré" fácil. Não poderia agir com veleidades e era urgente! Por onde começar? Não havia necessidade de apresentar a autora. Bastante conhecida no meio literário e cultural de Osasco, onde participou da militância política desde os anos setenta no ambiente estudantil: seja em festivais de música, saraus literários, participação em jornais e revistas; sempre irrequieta e colocando o oração em cada atividade a que se dedicou.

Mas o livro... Ah! O livro. É uma coletânea de 22 contos onde a autora demonstra todo o seu potencial inventivo e vivencial, numa linguagem clara e preciosa com amplo domínio da técnica de escrever, mas, sobretudo, consegue criar um universo lúdico e mágico onde não se sabe onde termina a realidade e onde começa a fantasia; ou se ambas - realidade e fantasia - são as faces de um mesmo universo real-fantástico.

O livro começa com o extraordinário conto "Gravidez", que nos deixa em suspense até o inusitado final e já prenuncia o quanto a autora domina o uso da palavra; isto é, das palavras, milhões de palavras que brotaram do seu ventre. E como essas palavras - suas filhas - ganharam o mundo em forma de romance, contos, crônicas, poesias, ensaios e críticas, enfim...

Essas palavras têm o seu valor realçado no conto, “O peso da Palavra”: "A vida, pensou, é tão misteriosa quanto as palavras. Só que para elas ainda existe um dicionário, e a vida... A vida não tem bula, não tem roteiro, nem tradutor... "
Mas sabe-se que para as palavras ainda existe esperança; enquanto que, para a vida...

A condição da mulher está sempre presente nos seus contos - autobiográficos? – Em "Mulher", sente-se a desesperança da condição da mulher após uma vida inútil, dedicada ao nada; e quando se procura o sentido da vida já não se consegue perceber onde se errou, o que faltou. Em "A Apanhadora de Estrelas", é impressionante a descrição das rugas da velha índia. Quase se consegue ver a "topografia" daquele rosto cheio de sulcos por onde, em vez de água, escoam lágrimas. E em "Pecado Capital" e "Morrer duas vezes", o universo da mulher é dissecado com precisão cirúrgica. É um verdadeiro tratado da psicologia feminina. A descrição do envelhecimento de Clarice só é comparável, em beleza estética, à decadência de Veneza no filme de Visconti. Do conto, "O Reencontro", falarei depois.

De certa maneira, mesmo vivendo longe de suas raízes pernambucanas e nordestinas a autora não consegue fugir da saudade da sua infância e das suas origens. Nos contos: “O Culpado é João”, “A Menina e Deus” e “Construção” essa evocação está sempre presente, de maneira, às vezes, nem sempre direta: é a referência a uma comida típica, a solidariedade entre operários migrantes, é a lembrança de episódios da infância naquela longínqua vila militar de Socorro, e o condado imaginário cheio de estórias e lendas, nos contos: "Afogados da Ingazeira" e "Apocalipse do Sertão". Talvez aquela menininha estivesse certa nos seus questionamentos sobre a existência de Deus. Autobiográfico ou não, a autora também sonha em seus contos: sonha em voltar às suas origens, à sua terra, e corrigir parte de uma trajetória de vida, nem sempre possível. Isso está bem claro - de maneira, talvez, inconsciente - nos contos "O retorno" e "Riacho das Acácias" onde a fantasia consegue reinventar o mito de Dorian Gray ao contrário. Nenhuma literatura está isenta dos seus autores.

Qual o meu conto preferido? Todos. Mas o que mais me emocionou, pela densidade psicológica, foi "O Reencontro". Foi como uma paulada na testa. É como um filme de suspense, onde não se sabe qual o desfecho, mas sabe-se que não será agradável. Novamente volta à baila a condição da mulher: renúncias, amores desfeitos, prisão domiciliar, solidão. No caso presente, o alcoolismo que para a mulher é sempre ruim, sendo dela ou do companheiro. Nesse conto magistral, vemos como é leviano julgar alguém por algo que não fazemos. Não se vira uma página da vida como se troca uma fechadura.

Finalizando, gostaria de relembrar a doce Beatriz, de "A mulher que chorou por Proust": “- É que Proust escreve tão bem, Lúcia, tão bem, que é como se ele tivesse vivido mil vidas, conhecido profundamente mil pessoas. E saber que nunca mais vou ler nenhum autor como ele me dá uma dor tão grande, tão grande... “: Talvez ela nunca mais vá ler um autor como Proust; mas, para nosso deleite, esperamos continuar a ler, ainda por muito tempo, uma escritora como Risomar Fasanaro.