sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Crônica de um reencontro com Silda em Osasco - João dos Reis





Atendi o telefone na quarta feira – e Silda me convidou, e também Airton Cerqueira Leite, professor de Geografia, para uma feijoada na casa do Fernando no sábado, 24 de agosto. Foi um dia feliz depois de mais de duas décadas em que não nos encontramos ou conversamos.

Fernando Gimenes e Leticia, os filhos Gabriel, Felipe e Elza, e demais convidados, entre eles, Tom, Brando, Renata, Adilson, Sérgio, Rose, Marcia, Jair, Zé – ex-alunos da escola estadual “Vicente Peixoto” em Osasco - , estavam à nossa espera. Já havíamos participado de um almoço em julho de 2017 - e o cozinheiro foi Rogerio Gimenes. Foi uma alegria renovada reencontrar todos eles.

Silda Meire Dandalo Diniz terminou o segundo grau, mudou para São José dos Campos; estudou Psicologia, casou com Ricardo Valenza Diniz, e mudou para Brasília, onde mora há vinte e três anos. A distância no tempo e no espaço não apagaram as lembranças e a amizade entre o professor de Filosofia e a querida aluna.

Nos anos em que foram estudantes na escola, Sidnei e Silda me esperavam para a carona de volta para casa. Era um momento mais descontraído, depois das aulas do período noturno. Nas sextas feiras, nós e um grupo de alunos, frequentamos um bar na Avenida Dionysia Alves Barreto, e depois, a lanchonete Hortelã na Praça Duque de Caxias.

Sobre o que conversava com os jovens durante esses anos de convivência? Quais eram nossos sonhos? O que esperávamos para o futuro? E como foi o encontro nesse dia gelado do inverno de 2019 em Osasco?

Durante o almoço, eu e Airton ouvimos de vários dos presentes, palavras de reconhecimento e gratidão pelo nosso trabalho na escola. Não foi em vão a nossa crença de que é possível uma educação crítica, mas não distante do companheirismo entre educador e aprendiz.

Com Fernando e Letícia conversamos sobre o aprendizado constante de cozinhar, o cardápio do dia, o trabalho deles em instituições financeiras (ele, no Bradesco; ela, no Banco do Brasil), as novas regras da aposentadoria, a preocupação com alimentação e saúde, a reforma da casa dos fundos onde a mãe viveu. Lembrei várias vezes daqueles que estavam ausentes nesse almoço, mas permaneci em silêncio: Rogério – ele faleceu em novembro, a mãe em dezembro de 2018. Enfim, foi um diálogo com os anfitriões em que aprendi a ouvir.

Com as irmãs Meneghini, Marcia e Rose, conversamos sobre o trabalho delas em um banco e em uma empresa, minha experiência de contador de histórias para crianças em Curitiba, e sobre Osasco, que deixou de ser industrial – e a novidade para mim, que estive fora por vinte anos: a verticalização da cidade. Airton falou da participação dele em ONGs em São Paulo.

Com Ricardo, o marido de Silda, conversamos sobre a sua cidade natal, Brasília. Ele, que é engenheiro e trabalha nos Correios, analisou os riscos e acertos de uma provável privatização dessa instituição. Na tela do seu celular, nos mostrou o plano piloto e as trinta e sete cidades satélites. Foi uma visão nova para nós: conhecer a capital do Brasil por quem nasceu e vive nela.

Com Silda, conversamos sobre o trabalho dela como psicóloga e as novas teorias e práticas psicoterapêuticas, a temporada de dois anos no Rio de Janeiro. E recordei o passado que, refirmamos, não está perdido nos labirintos da memória e do esquecimento.

Disse a ela que reconheço hoje a confiança dos seus pais em permitir a sua ida nas noites de boemia das sextas feiras – e ela confirmou que eles autorizavam porque eu estava presente. Contei de um acampamento na Praia Dura no final de 1973 com os alunos do terceiro ano colegial da escola estadual “Capitão Deolindo de Oliveira Santos” em Ubatuba – e que os pais concordaram com a ida das meninas porque tinham a minha companhia.

Um tema que eu e Silda abordamos: somos nômades, eu e ela vivemos em várias cidades brasileiras. E não disse a ela: procurar um lugar para viver é onde não estaremos de passagem, e finalmente encontramos a beleza do mundo, o sentimento de viver juntos, compartilhar ideias e emoções – e de criar vínculos do coração.

Sei que a arte do encontro é muitas vezes a do desencontro - e que na vida nem sempre vamos ter a companhia daqueles a quem amamos. As novas tecnologias permitem aproximar os amigos, mas nunca substituem a presença deles em momentos de confraternização – eles, sim, estarão registrados na nossa história para sempre. E, sem eles, a vida perde seu significado maior: é quando sabemos com quem contar.

sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Jornal "Primeira Hora" - João dos Reis


Osasco: um novo jornal, o “Primeira Hora”
“Brasil: a policia que prende, tortura e mata” dizia a manchete do “Primeira Hora” do inicio dos anos 90. Na semana seguinte, estudantes protestavam em frente à Câmara Municipal – e Marcelino Jesus de Lima, jornalista do semanário, foi espancado com um cacetete por um policial quando fazia uma reportagem sobre a manifestação.
Essa é uma das lembranças da minha colaboração para o jornal, que foi fundado por Antonio Roberto Espinosa em 1985 e que circulou até 2000. Nos primeiros anos, escrevi resenhas de livros. Depois, retomei a militância pelo novo canal de comunicação: escrevi textos a partir dos relatórios da Anistia Internacional, como o da manchete acima, que foi elaborada pelo editor. Foi um desafio premeditado à truculência policial nesse inicio da redemocratização no país.
Osasco foi um bairro de São Paulo, e quando tornou-se independente em 1962, teve sempre a imagem marcada pela criminalidade. Foi uma propaganda deliberada de vincular a cidade à violência, uma represália à revolta de estudantes e trabalhadores em 1968. Finalmente, tínhamos um jornal que discutia política, economia, literatura, entre outros assuntos comuns à pauta jornalística.
A recordação ficou gravada na memória: a primeira redação na Avenida Carlos de Morais Barros, na Vila Campesina: Jesse Navarro e os jovens Fábio Sanches, Luis Brandino e Marcelino. Foi com eles que tive um convivio mais próximo. Colaboradores contribuíram com o seu trabalho voluntário para essa empreitada: as irmãs Mércia e Risomar Fasanaro, Horácio Coutinho, Geraldo Carlos Nascimento, Albertino Souza Oliva, e muitos outros.
Com a equipe de intelectuais da comunicação mantive laços de amizade – e ainda hoje tenho noticias deles, informações onde trabalham. Não sei se eles escreveram sobre essa experiência - a construção de uma nova visão da cidade da periferia da metrópole.
Minha visão e reconstrução das imagens é sempre marcada pela subjetividade. Muitos outros recortes da realidade da cidade poderiam surgir – e cabe aos personagens participantes dessa experiência contá-la para os osasquenses do novo século.
Tinha voltado ao magistério em 1984, e distribuía alguns exemplares do jornal para os representantes de classe das escolas “”Vicente Peixoto” e “José Maria Rodrigues Leite” em que lecionava Filosofia. Dizia aos alunos: “o jornal é o pão do filósofo”, o ponto de partida para a reflexão sobre o cotidiano, a realidade da cidade, do país.
A História tem um registro desses anos esquecida. Hoje, quem pretende conhecer o passado de Osasco desse período, não tem onde consultar; uma coleção com um exemplar de cada edição do jornal permanece à espera de um projeto de digitalização – e assim, torná-la acessível aos pesquisadores.
Depois de tantos anos, me pergunto: que lembranças permanecem nos meus alunos e nos leitores das inúmeras páginas que escrevemos? No arquivo pessoal da memória ficou uma entrevista realizada por Risomar com um luthier, construtor de violino. Um personagem até então anônimo, desconhecido – e que foi descoberto pela artista plástica Cristina Leite.
Fui professor por mais de duas décadas, e pensava que o discurso verbal se perdia na sala de aula. A marca desse tempo de colaboração com o jornal foi imprimir as ideias, as reflexões, as informações – uma responsabilidade de quem escreve. Porque me perguntava ao entregar os artigos para o editor: quem é o leitor? As palavras têm a força de mudar o mundo, as pessoas? Não tinha ilusão, mas sabia, com certeza, que não era um combate perdido, depois de anos de censura durante a ditadura militar.
Para os companheiros-camaradas de Osasco, a cidade proletária, dizia: o “Primeira Hora” é o instrumento que dispomos para confrontar a imprensa burguesa dominante. E, apesar do pessimismo de muitos, foi com a arma das palavras que nos preparamos para as novas batalhas do futuro.