quinta-feira, 27 de novembro de 2014

RECORDANDO a professora LAURA AMÉLIA ALVES VIVONA - João dos Reis


RECORDANDO a professora LAURA AMÉLIA ALVES VIVONA

“Érase de un marinero
que hizo un jardín al mar,
y se metió a jardinero.
Estaba el jardín en flor,
y el jardinero se fue
por esos mares de Dios".

(Antonio Machado, poeta espanhol)


Tinha 16 anos, tinha vivido uma fase de dúvidas, de incertezas, de desemprego. Foi nas aulas de LAURA AMÉLIA ALVES VIVONA que descobri o mesmo interesse pelos livros, pelas idéias. Foi minha professora de Francês e Espanhol nos dois anos do colegial no Ceneart e no cursinho para o vestibular.

Era bonita, culta, elegante – e estava encantado por sua personalidade apaixonada. Não me esqueci: em um aula me perguntou de chofre: “o que te lembra a cidade de Salamanca?” E eu disse: (Miguel de ) “Unamuno”. E a resposta dela: “você me emociona!” Ninguém até então me havia dito que eu poderia comover com minhas leituras.

As aulas de literatura eram verdadeiros espetáculos de declamação de poemas e dramatização de textos. As palavras apareciam carregadas de cores, de sentimentos. A tradução e a reflexão sobre o texto “A intencionalidade”, de Jean-Paul Sartre foi magistral. Descobri a fenomenologia, a presença das coisas, o significado que damos a elas. Somos nós que construímos nossas memórias, que atribuímos sentido a elas . Li “O estrangeiro” de Albert Camus, indicado por ela – e fui também um jovem existencialista.

Em um dos seus aniversários, ganhou de presente o livro “A velhice” de Simone de Beauvoir. Comentou as agruras que o destino lhe reservava. Eu tinha 18 anos – e foi a primeira vez que pensei sobre a idade em que estamos próximos de nos despedirmos da vida.

Terminei o curso de Filosofia, e depois de 8 anos lecionando no Litoral Norte, procurei-a no Ceneart em 1980. Dessa vez, foi ela que me emocionou, quando disse que “eu a marcara muito (como aluno)”. Disse que a ditadura militar retirara a disciplina do currículo escolar, mas que já estava trabalhando (na FNT) – e ela quis saber se o que eu ganhava era suficiente. Eventualmente, escrevia uma cartinha e conversávamos por telefone; já não era mais o adolescente fascinado pela professora, mas um adulto que prestava homenagem à figura feminina mais marcante da minha juventude.

No final dos anos 90, fui viver no Sul, no Paraná. Quando voltei em 2005, procurei a sua casa na rua Moacir Piza em São Paulo – mas não a localizei; o porteiro de um prédio vizinho a conhecia, me falou dela. Soube depois que ela havia falecido – e nesse dia, busquei o silêncio para dar meu adeus à professora que mais amei.

sábado, 22 de novembro de 2014

Recordando ESTANISLAU DOBBECK e ginasial em Osasco no inicio dos anos 60 - João dos Reis



Antes que desça a noite / imprimir na retina / os rostos amados, / o sol / as cores / o céu de outono / e os jardins da primavera. / Inundar de sons / de vozes / e de música eterna / os ouvidos / antes que os atinja / a maré do silêncio. (...) ("Antes". - Helena Kolody)


Vim para S.Paulo no inicio de 1961. Em Gália (SP), estudava no 1º ano diurno do ginasial. Em Osasco, havia apenas no periodo noturno no Ginásio Estadual de Presidente Altino, que tinha sido aberto recentemente. Os alunos eram em geral adolescentes, adultos - e eu tinha 12 anos. Lembro do tratamento atencioso e paternal de Josué Augusto da Silva Leite, professor de História, e de Fernando Buonaduce, professor de Latim e Português. E da liderança no movimento estudantil de Gabriel Roberto Figueiredo.

Eu morava no Bela Vista, muitos quilômetros distante da escola. A queda de energia elétrica era comum, as aulas eram interrompidas. Tinha medo de ir embora sozinho. A presença amiga foi do estudante, colega de classe, Estanislau Dobbeck. Ele era um adolescente, e algumas vezes me deu carona na sua bicicleta - foi o acompanhante solidário até à minha casa. Nunca tive a oportunidade de agradecer a ele esse cuidado de irmão para com uma criança.

Estanislau mudou para a capital, mas como votava na cidade, nos encontramos às vezes durante as eleições. Quando a oposição conseguiu ganhar o sindicato dos professores, a Apeoesp, reencontrei-o – ele era da assessoria de economia. Muito mais tarde, antes de me mudar para Curitiba, encontrei-o em uma festa do PT. Tinha noticias dele: assumiu vários cargos: na Câmara Municipal e na Prefeitura de Osasco, colaborou com a campanha e com o programa de governo do Partido dos Trabalhadores na cidade.

Ele é um dos personagens que sempre recordo. Nunca pensei em desistir de frequentar a escola. Com o incentivo da família e dos professores, valorizava o acesso à cultura e ao saber. Sabia pelas aulas de História que não era um privilégio de uma classe social, que eu tinha direito à educação. Era um piá, ainda tinha o medo infantil do escuro no bairro paulistano, abandonado pelo poder público. A emancipação só aconteceria no ano seguinte, em fevereiro de 1962.

Na Paulicéia Desvairada do poeta Mario de Andrade, perdemos os contatos, os amigos de infância, de adolescência. Muitos deles nunca mais tive noticias nem os vi nas ruas, nos shoppings, nos cinemas. Estão anônimos na grande metrópole, e não sabem muitas vezes do nosso carinho, da nossa gratidão do passado.

Estanislau Dobbeck não foi esquecido nos arquivos da memória. Teve um gesto de gentileza, de solidariedade fraterna - uma pequena contribuição, porém valiosa, para que eu continuasse o caminho até o colegial e a universidade.

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Informe sobre as ossadas de Perus- João dos Reis


Caros/as: a noticia não é nova; mas achei que vale a pena reler - retirei do Jornal da Unifesp, "Entrementes", nº 6, maio/2014. Falta saber como andam as investigações hoje.
Por Erica Sena.

A Unifesp e a CV Marcos Lindenberg assumiram a responsabilidade, desde março deste ano, de acompanhar as análises para identificação das cerca de mil ossadas encontradas em valas clandestinas, no Cemitério Dom Bosco, em 1990, no distrito de Perus (...). Os trabalhos serão conduzidos pelo Grupo de Arqueologia e Antropologia Forense (Gaaf), ligado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR). Cabe à Unifesp abrigar as ossadas, que até o inicio de março estavam depositadas no Cemitério do Araçá, em São Paulo.

Acredita-se que os restos mortais de pelo menos 20 desaparecidos, vitimas da ditadura, estejam junto às ossadas. Após 24 anos de sua descoberta, elas ainda não foram devidamente identificadas, não obstante já terem passado pela Universidade de Campinas (Unicamp), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), além de perícias da polícia científica do Instituto Médico Legal (IML).

A nova iniciativa da Unifesp foi oficializada por um protocolo de intenções, assinado no dia 26 de março (de 2014) entre a instituição, a SDH/PR, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de S.Paulo e a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, que estabelece os objetivos e funções do envolvidos para análise e identificação dessas ossadas.

Caberá à Unifesp disponibilizar local adequado para a realização dos trabalhos, além dos insumos necessários à condução das atividades mediante repasse de recursos por parte da SDH/PR, destacar representantes de seu corpo técnico/docente para acompanhar o trabalho científico a ser desenvolvido pelo Gaaf e realizar, sob orientação da SDH/PR, a contratação de técnicos, especialistas e demais profissionais, além de disponibilização de laboratórios, que atuarão para a implementação destas ações.

O grupo da Unifesp que acompanhará as investigações do Gaaf contará com profissionais docentes de diversas áreas como Arqueologia, Antropologia, História e Medicina.

sábado, 15 de novembro de 2014

RECORDANDO Paulo Proscurshim, Olga Ribas de Andrade Gil e os queridos alunos-companheiros- João dos Reis


RECORDANDO Paulo Proscurshim, Olga Ribas de Andrade Gil e os queridos alunos-companheiros

PAULO PROSCURSHIM, meu dileto amigo: trabalhamos juntos na Biblioteca pública de Osasco nos final dos anos 60 e inicio dos 70. Ele foi presidente do Grêmio estudantil da Escola Estadual “Mal Bittencourt” em 1968, e irmão de Pedro, um dos vereadores presos, cassados, depois do golpe militar de 1964. Filho de imigrantes russos-ucranianos, foi o hermano solidário nos anos de resistência. Cursou Medicina na Faculdade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Há muitos anos foi para o Canadá e hoje vive nos EUA.

Camaradas presos, torturados, mortos e desaparecidos; a rede de espionagem nas fábricas, nas escolas. Éramos constantemente vigiados por um policial civil da Delegacia Seccional de Osasco: durante semanas o agente do Estado comparecia na biblioteca, pedia um livro e permanecia horas com o livro aberto na mesma página na sala de leitura. Sentiamos a cada dia nossa impotência diante da repressão política.

Eu e Paulo conversamos sobre as “suspeitas” dos órgãos da ditadura, mas nada podiamos fazer. Algumas vezes disse em voz alta: “como pode alguém ler a mesma página durante tanto tempo?” – mas o espião permanecia calado. Avisamos amigos para evitarem vir ao nosso trabalho. Dois dos meus contatos da VAR-Palmares compareciam eventualmente à biblioteca - mas estávamos condenados ao silêncio.

Em 1972 terminei a licenciatura em Filosofia na USP. Decidi no ano seguinte trabalhar em colégios das cidades do Litoral Norte paulista. Foram oito anos de isolamento, mas de convívio fraterno com meus jovens discipulos. Dizia a eles que era preciso resistir à censura e à vigilância policial.

Alguns deles em Caraguatatuba: Julio César Avelar, Ney Olivieri, Isabel Cristina de Oliveira; outros, a memória guardou apenas o nome: Pedro, Derci, Lenin, Walmir, Eduardo (Duda). Nunca esquecerei: no meu primeiro aniversário longe da família, a campainha tocou no apartamento onde morava: eram Ester e Rita com um bolo de presente. E o convite de Lucio Mascarenhas para um almoço em que sua mãe preparou o prato típico caiçara, o azul-marinho.

ESTEVÃO MIKLOS ARATO, filho de imigrantes iuguslavos, estudou Jornalismo, vive há anos nos EUA; GILMAR ROCHA é arquiteto; ANGELA e OLGA DE ANDRADE GIL cursaram Letras – foram os alunos que mais me apoiaram nesses anos de solidão.

A professora OLGA RIBAS DE ANDRADE GIL, mãe das gêmeas (Ângela e Olga) é uma das lembranças mais doloridas: a sua casa em Ubatuba foi o meu novo lar. Estava internada em fase terminal em um hospital em S.Paulo; passei um dia ao seu lado - despedi-me dela silenciosamente; faleceu em 1984, e está sepultada em Taubaté.

Depois de décadas, imagens e recordações estão presentes. Apesar do tempo e da distância, os estudantes-companheiros permanecem vivos no meu coração, como no passado. A eles sou muito grato pelo carinho e solidariedade – que somente os verdadeiros amigos são capazes de revelar.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

CARTA AOS AMIGOS- João dos Reis


Caros amigos/as

A Comissão da Verdade/Osasco finaliza seu trabalho. Nesse período encaminhei a vocês meus textos com os personagens da história da cidade. Nunca havia escrito sobre esse passado de lutas. Foi uma catarse, como disse a Gabriel Roberto Figueiredo, o primeiro exemplo de um revolucionário na minha infância e adolescência .

Foram três meses de retomada das lembranças, muitas delas dolorosas. Porque a ausência dos companheiros trouxe uma avalanche de emoções. Saudades dos que partiram e não estão presentes para viver esse momento. Mas esperança de que esses dias sombrios não voltem nunca mais. Para que as novas gerações tenham um documento – e vejam a dor, o sofrimento que a ditadura militar provocou em mais de duas décadas nas vidas dos companheiros e seus familiares.

Não estaremos mais silenciosos: diante das novas ameaças fascistas, estaremos vigilantes. É um novo tempo: de redescoberta, de desafios para o futuro. Os estudantes-operários da “Cidade-trabalho” (como Osasco era chamada) - que sacrificaram suas vidas por um mundo com justiça e liberdade - fazem parte da História.

Recordando mais uma vez alguns deles: Sérgio Zanardi, militante do PCB, que se suicidou no inicio dos anos 60; José Campos Barreto, da VPR e VAR-Palmares; José Groff, da Pastoral Operária e da Frente Nacional do Trabalho; Maria de Lourdes Brengel, da Juventude Operária Católica e da FNT. E também Alberto Abib Andery, que vive na Casa São Paulo. Eles estarão sempre presentes em nossos corações.

Os Negrini, meus bisavós, chegaram em Santos em 1888. Eram "braccianti" na Itália e vieram substituir a mão de obra escrava nas fazendas de café. As familias Ferro e Reis partiram de Portugal e chegaram ao Brasil no inicio do século XX. Eram jovens, vieram em busca de trabalho - e acreditavam no "sonho americano". Eu vivi na minha juventude a descrença e o desencanto.

saudações socialistas
João dos Reis

RECORDANDO Prof. JOSUÉ AUGUSTO DA SILVA LEITE (Para Gabriel Roberto Figueiredo)- João dos Reis



“Toda consciência é, pois, memória _ a conservação e acumulação do passado no presente” (Bergson, “A energia espiritual”, cit. por André Lalande, p. 662 do Dic.Téc.Crit.de Filosofia”, Martins Fontes, S.Paulo, 1996)

Por que escrevo? Para quem escrevo? Devo o incentivo (de escrever) à amiga Risomar Fasanaro e à Comissão da Verdade de Osasco. Pensei na militância de Raul Ellwanger (RS) e de Francisco Calmon (ES); no relato autobiográfico de Carlos H. Vianna (Portugal), e de Pérsio Arida na Revista Piauí (nº 55).
No Encontro da VAR-Palmares em 2013 em Osasco não conhecíamos as histórias dos companheiros. Pensei também em Arthur, que conheci ainda piá em Curitiba – ele tem 16 anos, é um grande leitor e um filósofo-aprendiz . E em Bruno, de 10 anos, que conheci ainda bebê, e que foi meu vizinho em Cotia: ele é um colecionador de livros e é uma criança adorável. E nos filhos dos meus amigos Moacir (Santa Catarina), Felis (Paraná) e Celso (Bahia): João Victor, Juan Guilherme e Juan .Talvez um dia, quando os três joãozinhos chegarem à adolescência ou à maturidade, eles leiam esses meus textos.

Recordei a minha descoberta do universo dos livros. JOÃO FERREIRA, um fazendeiro em Gália, prefeito em 1960/1963, criou uma biblioteca no município. A paixão pela literatura – que começou na infância – me levou a um mundo mágico.

Livros e ideias incendiaram minha imaginação - três deles li quando tinha 16 anos: “Sobre os sindicatos” (Lênin), “Trabalho assalariado e capital” (Marx), “Manifesto comunista” (Marx e Engels). Jean Paul Sartre despertou a reflexão sobre os problemas contemporâneos. Tenho uma grande dívida com a Revista Civilização Brasileira – os seus artigos iluminaram a minha juventude com uma visão critica do Brasil.

Alguns personagens voltaram do passado. JOSUÉ AUGUSTO DA SILVA LEITE, professor de História do GEPA (Ginásio Estadual de Presidente Altino) em 1961/62: ele me incentivou - escreveu nas minhas provas elogios que jamais esqueci. E a ele meu agradecimento eterno: nos intervalos das aulas, atendia os alunos em uma minibiblioteca da escola. Foi ele que me apresentou Machado de Assis, Monteiro Lobato, José de Alencar, entre outros escritores. No final do ano, me deu de presente um dicionário de francês com uma dedicatória: “Ao Sr João dos Reis, pelas suas qualidades. Põe o teu ideal nas estrelas e luta! Josué, 15-novembro-1962”.

Vindo em 1961 de Gália e Duartina (SP), lembrei os primeiros anos no bairro (que ganhou autonomia em 1962) abandonado pelo poder público: água de poço, ruas de terra e sem iluminação, esgoto a céu aberto. Tinha 12 anos quando conheci GABRIEL , 17 anos, um dos lideres do movimento autonomista em Osasco. A polis, a política, nunca mais foi, para mim, um espaço, uma prática para privilegiados.

Um prefeito-fazendeiro, um professor, um jovem trabalhador-estudante me tornaram mais humano, mais sensível à humanidade. Há livros e personagens que sempre estarão presentes, apenas aparentemente abandonados no baú do esquecimento.

REFLEXÕES SOBRE FILME: “RETRATOS DE IDENTIFICAÇÃO” de Anita Leandro (*) - João dos Reis



O filme-documentário de Anita Leandro (2014, 71 min.) retoma a história de Maria Auxiliadora Lara Barcellos, Antonio Roberto Espinosa e Chael Charles Schreier. Militantes da VAR-Palmares que foram presos no Rio de Janeiro em novembro de 1969. Chael foi morto sob tortura 24 horas depois. Maria Auxiliadora, depois do sequestro do embaixador suíço, foi para o exílio; suicidou-se em Berlim em 1976. Roberto Espinosa era o único sobrevivente desse período que estava presente no sábado, 1º de novembro, no Espaço Itaú-Frei Caneca em São Paulo.

Conhecia algumas das fotos porque foram exibidas durante a audiência pública da Comissão Nacional de Verdade no Rio em 25 de janeiro. Fui convidado para a diligência na Policia do Exército da Vila Militar/Realengo no dia anterior. Na volta da viagem, estive uma semana sob o impacto das emoções, das lembranças. Ver as fotos dos camaradas antes das prisões, depois das sessões de torturas, foram imagens que ficaram gravadas para sempre na memória. Relembro os corpos ensanguentados, identificados por números como criminosos.

Assistir ao filme foi uma retomada dessas recordações. O documentário de Anita prova, por meio das fotos e documentos, que Chael não morreu em um tiroteio ao ser preso. Ao contrário do que afirmava um documento da repressão, revelado no filme – que é a prova definitiva que ele chegou à PE/V.Militar ainda vivo e sem ferimentos.

No filme, ouvimos os depoimentos de Reinaldo Guarany Simões, militante da ALN – que foi casado com Maria Auxiliadora na Alemanha - e Roberto Espinosa. A voz e a imagem de Maria Auxiliadora em dois depoimentos gravados no exílio no Chile Foi o contraponto às fotos e documentos. O que salvou a sua vida, disse Espinosa, foi a publicação da Revista "Veja" (nº 66, 10/12/1969), que denunciou a tortura e morte de Chael no quartel do Exército. Chael era filho único, e a mãe, Emilia Brickmann Schreier, morreu há três anos, quando completaria 90 anos. Ter conhecido e assistido ao filme ao lado da prima dele, Shirlei Scheier, foi outra emoção que não esquecerei.

Anita disse no debate que foram quatro anos trabalhando com as imagens, gravações de depoimentos, documentos descobertos nos arquivos da repressão da ditadura militar - até a finalização do documentário. Entre todas as intervenções dos participantes, foi a que mais me impressionou: a solidão da cineasta na sua casa, em frente ao computador, convivendo com aquelas imagens. Retratos vivos, corpos nus, a voz dos mortos e sobreviventes, o silêncio - a imaginação fica plena de registros trágicos.

Esse passado está esquecido pelos jovens do novo século. Um tempo de recordação, mas também de ascensão de movimentos fascistas na sociedade brasileira.

A reconstrução da memória na História não acontece sem as batalhas do presente. Rever os crimes cometidos durante os anos de tirania, identificar os assassinos, – eis a tarefa que nos espera. Aguardamos ainda hoje – e até quando? - a Verdade, a Justiça, a criminalização dos que violaram o direito sagrado à vida .

(*)“RETRATOS DE IDENTIFICAÇÃO” – Anita Leandro, 2014, 71 min.

Resenha/ livro "1789" - João dos Reis


“1789” , de Pedro Doria: (*)

“Condena o réu Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha Tiradentes, alferes (...) a que, com balaço e pregão, seja conduzido pelas ruas públicas ao lugar da forca, e nela morra morte natural para sempre. Que depois de morto lhe seja cortada a cabeça e levada para Vila Rica, onde no lugar mais público seja pregada e num poste alto, até que o tempo o consuma, e o seu corpo dividido em quatro partes e pregado em postes, pelo caminho de Minas...”

A sentença que condenou o inconfidente mineiro, que sonhou com a independência de Portugal, ficou desconhecida . Somente em 1860, o historiador Alexandre J.Melo Morais Filho descobriu um saco verde esquecido no Arquivo Nacional no Rio. Nele estavam as três mil páginas dos “Autos da Devassa”, com depoimentos realizados em juízo durante 3 anos de prisão e as sentenças dos protagonistas da maior rebelião do período colonial.

O jornalista Pedro Doria reconstitui a História a partir desse documento e e retoma as análises de alguns historiadores. É um livro fascinante porque ouvimos a voz dos inconfidentes. Para mim não foi uma surpresa que alguns deles eram cultos, que leram os livros que incendiaram a imaginação dos libertários. Mas o autor informa até a quantidade e os títulos que alguns deles tinham em suas bibliotecas. A revolta surgiu da possibilidade da Derrama (cobrança de impostos atrasados), mas também das idéias que agitaram a Europa e América revolucionárias.

Pedro Doria confirma que Tiradentes era um dos lideres do movimento. Mas também Tomás Antonio Gonzaga Cláudio Manuel da Costa, o padre Toledo e o comandante dos Dragões, Francisco de Paula Freire de Andrade. O fato de que alguns deles tenham estudado na Universidade de Coimbra, em Portugal, não foi novidade para mim. Mas sim, que alguns, como o engenheiro químico José Álvares Maciel, era um pesquisador dedicado. E que o número de conspiradores era mais de duas dezenas.

Os estudantes das escolas talvez desconheçam que a mudança da sentenças de morte à forca de 12 deles foi comunicada no último instante. As penas de morte foram perdoadas e comutadas para degredo eterno ou prisão perpétua. Do total de 34 presos, 3 morreram na prisão Os bens de todos foram confiscados. E o que os livros não contavam – e que sempre tive curiosidade em saber – é como foi o exilio dos degredados na colônias africanas (Angola , Moçambique, entre outras).

"Seja breve, pediu 3 vezes o alferes Joaquim José, o Tiradentes, á espera da morte no cadafalso. O padre franciscano que subiu ao local da forca, gritou para a multidão: "Não se deixem possuir só da curiosidade e do assombro".

*“1789” , de Pedro Doria, Edit. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2014, 270 pp

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

REFLEXÕES sobre livro: "A greve no masculino e feminino - Osasco, 1968" - Marta G.O.Rovai - Texto de João dos Reis


O livro da historiadora retoma a história de Osasco, a construção da cidadania osasquense, a greve de 1968, seus personagens.Os depoimentos estão presentes em todas as páginas. Falam sobre a experiência vivida, as emoções, as lembranças. Ao contrário das teses acadêmicas em que os entrevistados desaparecem no pé da página ou constam no apêndice final: surgem a todo o momento, contando o que foram esses agitados anos 60.

As figuras femininas narram a experiência do ponto de vista das mulheres. Maria Santina e Abigail Silva, casada com João Joaquim, se tornam protagonistas da História, ao lado de muitas outras.

É também uma reconstituição da efervescência politica no bairro paulistano que conseguiu emancipação depois de 3 tentativas – a última em 1962. Risomar Fasanaro, professora, escritora, poetisa, foi uma das agitadoras da cultura na cidade proletária.

Recordando: Helena Pignatari Werner, professora de História do Ceneart, foi presa depois do golpe de 1964. Acusação: subversão por ter um projeto de alfabetização de adultos segundo o Método Paulo Freire. José Ibrahim, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, preso depois da greve de 1968 – conseguiu a liberdade depois do sequestro do embaixador norte-americano. Antonio Roberto Espinosa, cursava Filosofia na USP, um dos operários-estudantes presentes na agitação revolucionária - esteve preso por mais de 4 anos. José Groff, metalúrgico, militante da Pastoral Operária e da FNT- Frente Nacional do Trabalho. Joaquim Miranda, metalúrgico, militante da Ação Católica Operária. Albertino Souza Oliva, participante da Comissão de Fábrica da Cobrasma, militante da FNT.

A escritora retoma a proposta do filósofo Walter Benjamim: a narrativa pode renascer as esperanças do passado. Por meio da memória, também o retorno do direito às lembranças e às palavras.

O último capítulo, “As feridas da memória: experiências de dor, coragem e afeto” trouxe novamente uma avalanche de recordações dos amigos. O desemprego, as perseguições dos patrões (entraram para a lista do Dops), as mudanças constantes de fábrica. Acompanhei a maratona deles em busca de trabalho no inicio dos fanos 70.

“Da condição de acusados, os narradores tomaram a palavra e passaram a acusar: o torturador passou a ser réu da História...” escreve Marta. Reapareceu a imagem de um encontro que tive com Joaquim Miranda e com Natael Custódio Barbosa, depois da prisão. Lembro que conversamos, mas não sabia o que dizer aos companheiros.

Senti a falta de alguns atores: Gabriel Roberto Figueiredo, estudante-operário, Josué Augusto da Silva Leite, professor de História no Ginásio de Presidente Altino - meus ídolos, meus heróis no final da infância e adolescência: contribuíram para a formação política da geração que desafiou o poder da ditadura militar.

A História nos devia esse registro da “Petrogrado brasileira”, nas palavras de Espinosa. Meu querido José Groff, irmão-camarada, não está presente para comemorar esse acontecimento – ele é um dos que se despediu de nós, deixando muitas saudades.

( “A greve no masculino e feminino – Osasco, 1968”, Marta Gouveia de Oliveira Rovai (Edit. Letra e Voz, S.Paulo, 2014, 362 pp)





domingo, 9 de novembro de 2014

GABRIEL FIGUEIREDO NA COMISSÃO DA VERDADE/OSASCO -20/10/2014 - Texto de João dos Reis


COMISSÃO DA VERDADE/OSASCO – AUDIÊNCIA PÚBLICA -20/10/2014
RECORDANDO Gabriel Roberto Figueiredo e a UEO (União dos Estudantes de Osasco

Depois de muitos anos reencontrei Gabriel – e lhe disse da lembrança mais antiga que tenho dele. Eu tinha vindo do interior em 1961, e com 12 anos, frequentava o curso ginasial noturno (não havia curso diurno) no GEPA (Ginásio Estadual de Presidente Altino). Lembro de uma das manifestações do movimento pela emancipação de Osasco. Ele era uma das lideranças, e perguntei porque a escola estava bloqueada pelos estudantes, porque não haveria aulas naquela noite.

Minha mãe e MEU irmão conheciam a família dele – e foram eles que me lembraram dos nomes: D. Dirce, o pai William, os irmãos Marina e Valter (o Tim). Quando ele foi preso em 1964 eu tinha 15 anos, não entendi o que estava acontecendo. Soube que mudaram para S.Paulo. Ele nos contou como a vigilância e a espionagem depois da prisão deixaram sua família abalada – sua mãe teve problemas emocionais e físicos (disritmia). Lidia Castellani, namorada de Gabriel, estudou no Ceneart – e lembro de uma conversa em que ela estava preocupada (talvez com a segunda prisão, em que também vários vereadores e sindicalistas foram presos).

A prisão: durante quarenta dias em uma solitária no 4º RI (Regimento de Infantaria), os interrogatórios de madrugada, a comida fria, ter de comer com as mãos. Quando saiu (da solitária), “sabia quem era, onde estava, mas não tinha noção de mais nada” - foi o momento mais pungente do depoimento.

A militância política começou no PCB aos 15 anos. E recordou as leituras que mudaram a sua visão do mundo: “Crítica do Programa de Gotha” (Marx), “Dialética da Natureza” (Engels), “Manifesto Comunista” (Marx e Engels). Contou como foi sua participação na UEO em 1963/1964. Citou nomes de estudantes: Antonio C. Mazotti, Sérgio Zanardi (que suicidou-se dois anos depois), Hélio Bahowski, entre outros. Na sede (da UEO) se discutia temas teóricos, o programa do governo Jango Goulart (as reformas de base, agrária) – foi um espaço de formação politica-ideológica dos estudantes-trabalhadores.

Gabriel estudou na Faculdade de Medicina da Santa Casa de S.Paulo. Em 1968, com um grupo de médicos, deu apoio e assistência aos uspianos durante a ocupação da Faculdade de Filosofia na rua Maria Antonia, e depois da batalha contra o CCC. É uma outra imagem que guardo dele naqueles dias de agitação e revolta.

Ele foi à Europa em 1978, esteve em contato com os exilados (José Ibrahim, Clayton Figueiredo), e com o movimento da anti-psiquiatria. Em junho e julho de 1979, organizou com um grupo de amigos as conferências de Franco Basaglia no Brasil. O livro foi publicado: “Franco Basaglia, a Psiquiatria alternativa, contra o pessimismo da razão, o otimismo da prática – Conferências no Brasil”, Edit. Brasil Debates, S.Paulo, 1979, 160 pp).

Em 1982 voltou a Osasco, quando foi candidato a prefeito pelo PMDB. Em 1983 foi Secretário de Saúde de Osasco do prefeito Humberto Parro e, retomando as ideias do psiquiatra italiano, criou os Caps (centro de assistência psico-social), um espaço terapêutico de recuperação e inserção social – uma política de saúde mental contrária às internações psiquiátricas por longos períodos.

Como Gabriel recordou: ninguém saiu ileso da repressão política na ditadura militar. Perdemos amigos e companheiros, muitos estão mortos e desaparecidos. Contra a prática do esquecimento, trazemos todos eles de volta, e estão hoje presentes na memória e no nosso coração.

domingo, 2 de novembro de 2014


GABRIEL ROBERTO FIGUEIREDO É CIDADÃO OSASQUENSE - João dos Reis

A Comissão Municipal da Verdade de Osasco tem revelado os nomes de vários osasquenses que lutaram contra a ditadura. Hoje trazemos o depoimento de Gabriel Figueiredo, médico psiquiatra, quando recebeu da Câmara Municipal o título de cidadão osasquense, em setembro de 2006.


Gabriel chegou ainda criança à Osasco, cidade que aprendeu a amar e a “quem” diz dever toda a sua formação política e social. O homenageado participou ativamente de movimentos estudantis, enfrentou os porões da ditadura, lutou pela emancipação da cidade, e ainda hoje faz questão de relatar sua vivência para que ela inspire outros jovens a dar um basta à corrupção, à discriminação das minorias e às diferenças sociais. (...)
O jornal “Diário da Região” publica abaixo parte do discurso do homenageado (...)
OSASCO, de GABRIEL ROBERTO FIGUEIREDO
Migrante, vindo de Ribeirão Preto, aqui cheguei há meio século, com 10 anos de idade. Osasco era um bairro, e o meu pai, o velho Figueiredo, trabalhava na capital. Prestava serviços de “continuo” no extinto banco de São Paulo, na rua São Bento. Com parcos recursos, profissionais e materiais, sustentou a família. Às vezes, tinha uns arroubos ideológicos. Fazia uma leitura sindical inocente, getulista, porém sincera e esperançosa.
Dona Dirce, minha mãe, costureira, fazia alguns serviços para fora, enquanto eu, o mais velho dos irmãos, cheguei a ser um dos mais concorridos engraxates do Largo de Osasco, até beirando os 14 anos.
Assim, Figueiredo, dona Dirce e eu ajudávamos a completar a limitadíssima renda familiar. Enfim, sobrevivemos. Walter e Marina, meus irmãos mais novos, vieram contribuir depois, o que garantiu um padrão pouco melhor na nossa qualidade de vida.
O subúrbio de Osasco era um bairro paulistano com pouco mais de 40 mil habitantes. As ruas Antonio Agu e Primitiva Vianco, com suas transversais, se constituíam no Centro, com vários trechos de terra batida e fossas a céu aberto. Havia muitos terrenos livres, alguns como saudosos campinhos de futebol. A Associação Atlética Floresta era ladeada por um grande matagal que se expandia até o pequeno viaduto da Sorocabana, o “pontilhão”; com seu acesso subterrâneo, dava acesso à Vargem, como era conhecido o singelo e simpático Presidente Altino.
A velha matriz de Santo Antonio era imponente, gótica, com sua torre apontando para o céu. Infelizmente hoje só podemos conhecê-la ou revê-la através de fotografias. Ela pontuava no final do aclive da Antonio Agu. Na outra ponta da rua, já bem depois do término do declive, já no plano, no Largo, uma pequena estação ferroviária era contemplada pela Matriz, lá de cima. Se não me falha a memória, Padre Camilo e Moura Leite se viam, mesmo com uma distância quilométrica, todos os dias.
A periferia despontava. Do Jardim Santo Antonio ao Rochdale, e de Quitaúna à Via Yara, emergiam núcleos populacionais decorrentes de uma intensa migração, sobretudo dos nossos irmãos do Norte e Nordeste, em busca de oportunidades num parque industrial que prometia ser a “Cidade Trabalho”. Na década de 50, a população de 41 mil subiu para 114 mil na década de 60. O censo de 2000 revela perto de 700 mil hoje, e provavelmente, já ultrapassamos os 800 mil.
No entanto, a iluminação pública era precária, as fossas a céu aberto, uma incipiente rede de água tratada e a falta de mínima estrutura para resolução de problemas de saúde, educação e segurança pública, já preparava para Osasco um placo de grandes problemas sociais. Problemas que todos nós sabemos não tardaram a chegar. Alguns até hoje nos atingem. Chegamos a ser considerados uma espécie de referência da violência urbana na região metropolitana.
Luta pela emancipação
Em 1958, já dispondo da Carteira de Trabalho do Menor, fui admitido no meu primeiro emprego na Cimaf. Ao me qproximar dos 18 anos fui demitido, para logo em seguida, dispensado do serviço militar, ser contratado pela Cobrasma. Paralelamente a este inicio de vida no mercado de trabalho, assisti e participei de diversos fenômenos sociais.
O plebiscito de 1958, e as lutas que se seguiram até a emancipação de Osasco da cidade de São Paulo, têm múltiplas versões políticas, acadêmicas, corporativas e pessoais.
Levando em conta todas, e por ter sido personagem vivo deste momento, o que nem sempre confere a necessária neutralidade da análise crítica, considero que a liderança do movimento emancipacionista foi, de fato, encabeçada por uma limitada e corajosa elite local, constituída de empresários, comerciantes e profissionais liberais. O que contesto, até por ter sido testemunha participativa, é de que se impôs, no êxito da emancipação, somente por esta corajosa elite.
Não é o que ocorreu.A ela agregou-se uum nascente movimento estudantil e sindical, onde Conrado Del Papa, Lino Ferreira dos Santos, Sérgio Zanardi, João Gilberto Port, Antonio Carlos Massoti, Reginaldo Valadão e inúmeras outras lideranças, tiveram papéis fundamentais.
Atribuir ao movimento burguês a emancipação de Osasco é um equívoco. Na realidade, a pequena elite osasquense da época liderou o novimento, mas ela não deve negar que outras forças sociais que emergiam e se organizavam exerceram papéis, em alguns momentos decisivos, principalmente quando o movimento alcançou o espaço das manifestações públicas, nas ruas e nas praças.
O povão, a massa, de fato teve participação menor do que os movimentos organizados pela burguesia, dos estudantes e dos trabalhadores orientados pelos seus sindicatos. Não foram muitos e até dá para entender as suas razões. A principal, talvez, seja a de que, eles, os migrantes, ainda não haviam tido tempo suficiente de se identificarem com a cidade. Suas identidades ainda estavam nas suas origens. Eles eram o Gabriel Figueiredo que aos 11 anos, devido a um transtorno de adaptação, queria, de forma insana, voltar para Ribeirão Preto. O sentimento de raiz não estava ainda amadurecido.
Movimento estudantil
O surgimento do movimento estudantil organizado, em Osasco, não foi um produto histórico e social de um determinado segmento. Vários estiveram envolvidos. Para usar expressões políticas, ideológicas, eu diria que, em síntese, estiveram envolvidos burgueses e proletários, numa espécie de acordo não explicitado.
Imaginem: o maior líder estudantil de Osasco não passava de um simples operário da Cobrasma, mas que tinha simpatia de alguns setores da burguesia. Nunca dispensei esta simpatia, mas sempre tive curiosidade de entendê-la.
Alguns dados interessantes das reivindicações e conquistas do movimento operário-estudantil de Osasco, no período entre 1962 e 1964, devem ser registrados para o futuro da História.
- Boa parte dos estudantes era também de trabalhadores, no sentido literal da palavra. Era natural, espontânea, a aproximação do trabalhador-estudante e do estudante-trabalhador.
- Melhoria das condições de ensino, construção da Casa do Estudante, incentivo às atividades recreativas e culturais, estratégias para obtenção de bolsas de estudo para estudantes com carências materiais, e participação ativa nos movimentos sociais - eram tópicos incansavelmente discutidos e permanentemente transformados em movimentos de ação prática.
- Presença ativa nos problemas nacionais, tendo o protesto contra o Acordo MEC-USAID - que subordinava a educação do povo brasileiro aos interesses norte-americanos – e o apoio às Reformas de Base propostas pelo Presidente João Goulart , eram as principais bandeiras de luta.
Nestas alturas, já com quase 20 anos de idade, me sentia beneficiado pela formação de uma consciência política. A vivência no interior das fábricas, o contato com colegas e professores nos espaços escolares de segundo grau - e a dificuldade de sobreviver material mente devido às minhas próprias origens - me conferiu uma visão de mundo que até hoje me acompanha.
Recentemente, num depoimento feito para a tese de doutorado de Sonia Regina Marin (...), disse que vejo crescer no país o número de jovens sem militância e consciência política. Jovens sem causa. Jovens que, perdidos, sem perspectiva de rumos para a construção de um mundo melhor, se entregam à alienação, às drogas, ao desespero, à violência e às Febens da vida. Devolver aos jovens a utopia é a primeira e a maior das nossas responsabilidades para alimentarmos esperanças de construir uma sociedade mais justa e solidária.
Comportamentos corruptos e antiéticos deixam proliferar a filosofia da esperteza e a lógica da discriminação das minorias, desmoralizando os princípios democráticos que estão na base da formação do cidadão.
Devo à Osasco, portanto, o meu maior patrimônio, que é esta visão de mundo, compartilhada por uns, não compartilhada por outros, mas é esta consciência o meu maior patrimônio. É uma dívida impagável, que este título hoje recebido, me concede a honra de diminui-la no meu débito.
Agradeço esta homenagem que recebo, com grande emoção, ao nobre e jovem vereador Antonio Claudio Piteri, que foi quem a propôs, e a todos os senhores vereadores desta Casa, que ao atenderem a propositura de Piteri, mais ainda me deixa honrado.
Aos meus filhos Luciano, Gabriela e Ligia, desejo manifestar publicamente o meu carinho, admiração e alegria por tê-los. Sobretudo porque me presentearam, ao longo da vida, com a convicção de que é possível formar cidadãos íntegros, competentes e com sensibilidade social. Acrescentaria a eles o meu neto Guilherme e a minha neta Lívia, ainda na barriguinha da Ingrid, mas que com certeza está atentamente ouvindo, visto que para ela tudo, até discurso, se constitui parte da grande curiosidade de entrada neste mundo.
Também à minha esposa Daisy, grande companheira, sem a qual talvez hoje eu não estaria aqui, pela força que me concedeu para continuar não apenas vivendo, mas existindo.
Devo umas palavras aos ex-prefeitos presentes: a Guaçu Piteri, nossa maior liderança ao longo da resistência democrática, as minhas saudações. Ao Francisco Rossi, que apesar das divergências políticas, devo declarar que, ao contrário do que se propaga a meu respeito no golpe de 1964, ele não me delatou. Rossi não é um delator, pelo contrário, um homem digno e honrado.
A Celso Giglio, meus parabéns pela coragem de desengavetar e dar prosseguimento a bons projetos, ainda que sejam de governos anteriores e politicamente adversários.
Ao Silas Bortolosso, minha admiração pela tranquilidade que sempre mostrou para administrar esta complexa cidade que é a nossa Osasco.
A este público que aqui comparece, constituído de irmãos, queridos parentes, amigos, companheiros e cidadãos, agradeço pela paciência de me ouvirem. E acredito que é um público que está formando uma geração que, de fato, está em busca da relação imanente que deve haver entre o Direito e a Justiça como garantia para a formação do cidadão.
Aqui está o título, outorgado por esta Casa legislativa a qual agradeço, e que com certeza vai me permitir, simbolicamente, dedicar a todos aqui presentes, e também aos saudosos ausentes e a todos que constroem não apenas o crescimento e o desenvolvimento, mas também o espírito desta cidade. O TITULO É DE TODOS NÓS.
Este texto foi publicado pelo jornal "Diário de Osasco" setembro de 2006

sábado, 1 de novembro de 2014

"Francisco Julião, uma biografia", de Claudio Aguiar- por João dos Reis



Claudio Aguiar escreveu um livro sobre o líder das Ligas Camponeses (“Francisco Julião, uma biografia”, Civilização Brasileira, R.Janeiro, 2014, 854 pp). Foi o revolucionário que incendiou o Nordeste nos anos 60 - organizou a maior greve de trabalhadores rurais no Brasil. O governo reconheceu o piso salarial dos camponeses da zona canavieira pernambucana e o direito à sindicalização.

FRANCISCO JULIÃO ARRUDA DE PAULA nasceu em 1915 na Fazenda Espera (antes Boa Esperança) em Bom Jardim, Agreste de Pernambuco. Era de família de pequenos e médios proprietários de terras e engenhos. Estudou Direito em Recife. Ainda muito jovem, advogado recém-formado, começa a defender os camponeses. Contra a prática medieval do “cambão”- alguns dias de trabalho gratuito por ano nas terras do senhor. E do “cabocó” - o trabalhador rebelde era colocado longas horas ou mesmo dias seguidos num tanque de água fria na altura da boca.

A primeira vitória foi a expropriação pelo poder público do Engenho Galiléia, em Vitória de Santo Antão: as terras e o engenho passam a ser administrados pelos “galileus” em gestão coletiva.

Escreve manifestos, panfletos e cartilhas sobre a questão da terra, organiza protestos e manifestações públicas. Deputado Estadual pelo PSB em 1954 e 1958 e Federal. Participa do debate sobre as reformas de base do governo de Jango Goulart . Com o golpe militar de 1964, vive na clandestinidade até junho; foi preso e esteve em diferentes cárceres - Brasilia, Rio de Janeiro e Recife -, sendo barbaramente torturado. Consegue a liberdade por um habeas corpus impetrado por Sobral Pinto em dezembro de 1965. Parte para o exílio na Iugoslávia, Chile e México. Voltou depois de 14 anos, mas em 1986 volta ao México; morre em 1999.

Um dos documentos escritos por ele, “Bença, mãe”, em 1963, aborda a história dos sindicatos rurais, que surgiram com a organização das Ligas Camponesas. Seu projeto de escrever um livro de memórias (“As utopias de um homem desarmado”) nunca foi concluído.

NOTAS
1) - O envio do convite, pelo Raul, do lançamento do livro em Porto Alegre foi o ponto de partida para escrever esse texto.
2) - Não tenho (ainda) o livro; retirei as informações sobre Francisco Julião do artigo de Carlos Augusto Addor, prof. de História da UFF, no site da "Revista de História".