quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Recordando Antonia Carlota Gomes - João dos Reis



"Brasil, um sonho intenso, um raío vívido /De amor e de esperança à terra desce (...) Mas se ergues da justiça a clava forte, / Verás que um filho teu não foge à luta, / Nem teme, quem te adora, a própria morte".
Outubro de 2014, 6 horas da manhã. A Rádio FM Cultura/SP inicia a programação com o Hino Nacional Brasileiro. 1973: começa o dia de trabalho na Escola Estadual “Thomaz Ribeiro de Lima” em Caraguatatuba. Os estudantes se reúnem no pátio e cantam o hino antes do inicio das aulas. Sou Orientador de Educação Moral e Cívica, um cargo criado pelo ditadura militar para despertar o patriotismo nos estudantes. Nas datas cívicas faço um pequeno discurso para o público de alunos e professores.
Recordo dos amigos-companheiros quando as crianças e jovens cantam a música que nos identifica como uma nação, um povo. Camaradas presos, mortos ou desaparecidos. A campanha do “Ame-o ou deixe-o” dos militares golpistas me deixa indignado. Difícil pensar que esse é o país que amamos– e que não queremos abandonar. Durante muitos anos, desde 1973, é a cerimônia inaugural do trabalho escolar. Somente no final dos anos 70 quando assume a direção o professor Euclydes Ferreira, essa rotina é suprimida.
ANTONIA CARLOTA GOMES foi namorada de Antonio Benetazzo, morto sob tortura em 1972, “desaparecido”, depois identificado na Vala de Perus do Cemitério Dom Bosco em Perus. Diretora da escola em que fui professor de Filosofia de 1973 a 1980. Escolhi as aulas em Santos, cheguei na cidade do Litoral Norte, deixei a mala no guarda-volumes da Rodoviária e fui para o colégio. Foi ela que me recebeu, que me indicou um lugar para morar, que me apoiou em todos os momentos nos primeiros anos do magistério. Estava com poucas aulas e ela me nomeou para o cargo de Orientador de EMC. Para ser “aprovado” pela Secretaria de Educação, tinha que obter um atestado de antecedentes políticos dos órgãos de repressão e vigilância da ditadura.
40 anos depois, cada vez que a rádio anuncia o hino brasileiro, essas imagens estão presentes. E a lembrança de Antonia Carlota torna a manhã mais dolorida. Soube que estava doente, conversamos várias vezes por telefone. Fui visitá-la no hospital em S.Paulo, mas estava sedada depois da sessão de quimioterapia. Enviei uma carta dizendo como ela foi importante para mim – usei a palavra escrita para a despedida. A amiga solidária e muito querida nos anos que vivi no litoral caiçara morreu em 1987.
Viajo às vezes para Pindamonhangaba, cidade onde ela nasceu e está sepultada. Sei que ela não lerá esses meus escritos, mas é de quem sempre lembro - com muitas saudades - quando escrevo.

sábado, 11 de outubro de 2014

RECORDANDO Jorge Baptista Filho e o Jornal “Batente”- João dos Reis


RECORDANDO Jorge Baptista Filho e o Jornal “Batente”

Refletindo com o filósofo que conquistou nossos corações e mentes em 1968:

" Essa capacidade para esquecer (...) é um requisito indispensável da higiene mental e física, sem o que a vida civilizada seria insuportável ... (...) Esquecer é também perdoar o que não seria perdoado se a justiça e a liberdade prevalecerem. Esse perdão reproduz as condições que reproduzem injustiça e escravidão: esquecer o sofrimento passado é perdoar as forças que o causaram _ sem derrotar essas forças. As feridas que saram com o tempo são também as feridas que contêm o veneno. Contra essa rendição do tempo, o reinvestimento da recordação em seus direitos, como um veiculo de libertação, é uma das mais nobres tarefas do pensamento. (...) Tal como a faculdade de esquecer, aparece-nos a capacidade para relembrar é um produto da civilização _ talvez a sua mais vetusta e fundamental realização psicológica". (Herbert MARCUSE, “Eros e civilização", Zahar Edit., R.Janeiro, 1981, p.200)

No final dos anos 70, os ventos da anistia e a volta dos exilados trouxeram esperança de retorno à democracia. Antonio Roberto Espinosa e Jorge Baptista Filho, ex-presos políticos, e um grupo de militantes sindicais da oposição (bancários, metalúrgicos, professores) e dos movimentos populares, decidiram criar o “Batente” em Osasco. O jornal teve 13 edições e circulou entre 1979 e 1981 com financiamento da Novib da Holanda. Foram participantes dedicados: meu querido amigo Jesse Navarro, Luis Egipto, João Joaquim da Silva, Marcos L. Martins.

Na experiência inovadora de um jornalismo popular e democrático, convivi com pessoas especiais: José Ramos Neto, Horácio Coutinho, Sérgio Avancine. Acredito que nossa crença é de que era possível desafiar o poder da grande imprensa burguesa. Com noticias produzidas pelos moradores dos bairros e dos lideres do sindicalismo de oposição, investimos nossos sonhos nesse projeto. Lembro de uma conversa com um jovem colaborador: os jornais de bairro nos países europeus também eram a grande novidade em comunicação de massa.

JORGE BAPTISTA FILHO nasceu em 1942 em Cássia (MG). Em 1966, estudante de Jornalismo, foi presidente do DCE da UFMG. Participou do 28º Congresso da UNE em 1968 em Ibiúna. Foi militante do COLINA em Belo Horizonte, e depois da VAR-Palmares. Todos os que o conheceram admiravam a serenidade, a amabilidade, o compromisso com os trabalhadores. Jorge era um dos palestrantes da Frente Nacional do Trabalho: participei do grupo de estudo “Imprensa Popular: um novo jornalismo”, e aprendi a escrever um texto para jornal. Foi um dos fundadores do PT em Osasco; contribuiu para a formação da jovem democracia - e construiu nesse processo a sua cidadania osasquense.

Jorge é um dos personagens da história de Osasco que hoje não está presente: morreu com a mulher e um filho em um acidente de carro em 1986 ; não viveu para participar dos desafios de um novo tempo. Seu filho Manoel sobreviveu ao acidente e foi criado pelos avós em Natal (RN).
(Sou grato ao Espinosa pela revisão e sugestões a esse meu texto).

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Recordando Padre Agostinho- João dos Reis


RECORDANDO
PADRE AGOSTINHO (Marcelo Duarte de Oliveira), monge beneditino
e a pátria latino-americana

No final dos anos 70, surgiu o movimento pela anistia e a provável volta dos exilados. Padre Domingos Barbé, Padre Agostinho, Albertino Souza Oliva, José Groff, participantes da Frente Nacional do Trabalho, da JOC (Juventude Operária Católica),das Pastorais (Operária, Carcerária, de Direitos Humanos, da Juventude), da ACO (Ação Católica Operária) , das comunidades eclesiais de base, discutiram e fundaram em Osasco o Centro de Direitos Humanos. Foi um baluarte durante aqueles anos frente à rede de espionagem e prisões que ainda aconteciam em S.Paulo. Cida Lopes, João Joaquim da Silva, Marinete foram militantes nesse trabalho corajoso.

PADRE AGOSTINHO é o nome que Marcelo Duarte de Oliveira escolheu como monge beneditino. Cursou Direito na USP e fez a opção religiosa já adulto, sendo ordenado em 1967. No trabalho da Pastoral Carcerária no Presidio Tiradentes descobriu em 1969 as torturas e desaparecimentos de presos. Denunciou, junto com Hélio Bicudo, a ação do Esquadrão da Morte do delegado Sérgio Fleury. Em 1980 foi ele que me apresentou ao grupo do psicólogo Jorge Broide da PUC-SP, que discutia as ideias do psicanalista Wilhelm Reich e que trabalhava com crianças de rua em Osasco. Com Cibele Giaconni, durante 5 anos, fiz uma "análise terapêutica”: ela foi a minha amiga querida – tive o privilégio da sua presença na minha vida no inicio dos anos 80.

Viajei em julho de 1978 para a Argentina. Encontrei com Adolfo Perez Esquivel, que ganharia o Prêmio Nobel da Paz em 1980; ele havia sido preso por um decreto do ditador de plantão e solto dias antes da minha chegada. Esquivel me contou que estava muito grato a Dom Paulo Evaristo Arns e à CNBB pela campanha por sua liberdade. Trouxe uma carta pessoal de agradecimento dele ao cardeal brasileiro e à CNBB. Eduardo, que trabalhava no Serpaj-Servicio Paz y Justicia, me recebeu em sua casa, e foi um amigo presente e solicito na minha estadia em Buenos Aires. Visitei junto com ele a associação das mães e parentes de presos políticos, e me mostraram o fichário com as informações dos presos e desaparecidos – foi o momento mais comovente dessa viagem.

Fui para o Chile no final de julho desse ano, 1978; pelos militantes do Serpaj fui informado das prisões, das torturas e desaparecimentos de militantes de esquerda. Na casa onde fiquei alojado, me contaram da morte do músico Vitor Jara -“le cortaran las manos” – depois do golpe militar de 1973: uma imagem que me acompanha até hoje. Estive com meu acompanhante chileno, José Maurício, em um ato pela liberdade dos presos políticos no auditório da PUC de Santiago – um momento histórico nessa viagem. No ano seguinte, Viviane e Sérgio (filho de militante do PC chileno) estiveram refugiados em Osasco. Cida Lopes, Fred e o grupo de jovens da pastoral de direitos humanos da Igreja Imaculada Conceição/km 18 em Osasco, de que eu também participava, lhes deram casa, trabalho, apoio, antes deles partirem para o exílio na Suécia.

Em janeiro de 1979, estive em Assunção no Paraguai. Antes da minha chegada, muitos presos políticos tinham sido soltos e expulsos do país e vindo para o Brasil. Na sede do Comitê de Igrejas, recebi um documento com denúncias de prisões arbitrárias (Eulogio C.C.Zorrila), de atentados (Doroteo Grandel) de prisões por mais de 20 anos (Virgilio Barcero Riveros e Elvero Acostra Aranda). Recebi cartas dos familiares, que não tinham noticias dos que foram banidos, e um dossiê para Dom Paulo Evaristo Arns e para a CNBB. De volta ao Brasil, numa coletiva de imprensa convocada pela Cúria metropolitana, em que estive presente, tornei público o documento e entreguei as cartas - os expatriados viviam em S.Paulo, e lendo o jornal “Folha de S.Paulo” (01/02/1979) procuraram a arquidiocese. Vieram depois para Osasco - Albertino S.Oliva e Marcos L.Martins foram solidários, oferecendo casa, trabalho, apoio.

Padre Agostinho, companheiro e hermano, será sempre lembrado - vive há muitos anos no Mosteiro beneditino de Ribeirão Preto, no interior de S.Paulo.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

RECORDANDO Alberto Abib Andery - João dos Reis



Caros amigos/as

Tenho escrito sobre personagens da História de Osasco que hoje não estão mais presentes.
ALBERTO ABIB ANDERY, psicólogo, padre secular, está vivo, e não foi esquecido por nós.

Ele era padre em uma paróquia do Jardim S.Vitor em Osasco .Lembro que ele foi junto com um grupo de estudantes-trabalhadores panfletar pelo voto nulo, porque não acreditávamos na farsa eleitoral da ditadura militar. Foi ele, se não me engano, que trouxe um artigo da revista francesa “L’Express”, que denunciava a tortura de presos políticos no Brasil. Como professor da PUC-SP, criou uma extensão universitária de Saúde Mental no Jardim Santo Antonio/Osasco – atendia aos jovens trabalhadores do bairro. Itália Benetazzo, estudante de Psicologia nessa universidade, irmã de Antonio Benetazzo, foi uma das estagiárias nesse trabalho pioneiro de anti-psiquiatria na periferia.

Foi o assessor do projeto de educação popular da FNT-Frente Nacional do Trabalho/Osasco, que criou um ciclo de debates e grupos de estudo na periferia da Região Metropolitana Oeste (Osasco e cidades vizinhas). Fui o “intelectual” contratado nos anos 1980/1984 para colocar em prática o projeto de Albertino Souza Oliva, Antonio Vieira Barros e José Groff. Trouxemos para os bairros da cidade e região intelectuais que estavam marginalizados pela repressão da ditadura militar – Plínio de Arruda Sampaio, Paulo Freire, Antonio Roberto Espinosa, Reginaldo C.de Moraes, entre tantos outros.

Hoje, meu querido amigo vive em um asilo na Zona Sul de S.Paulo. Há dias que se lembra de todos, em outros dias a recordação dos amigos do passado desapareceu da sua memória.