quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Arte e doença Mental




A primeira coisa que quero registrar é que pintura pra mim é puro diletantismo, jamais me considerei pintora. O que levo a serio é a escrita, a pintura é puro desejo de mexer com as cores, com as tintas.e quase sempre uma forma de me fazer feliz.
Agora, analisando à distância no tempo, percebo que minhaa escolha de temas para pintar recai quase sempre em modelos geralmente discriminados: índios, negros, ciganos.
Noto também que durante a doença dos meus pais, minha pintura era sempre em tonalidades de amarelo ocre.
Depois da morte deles minhas telas ficaram mais claras, mais coloridas. Não só isso, ficaram também mais soltas.
Vou colocar aqui fotos dessa telas em minha próxima postagem.Posso intuir o que isso significa, mas não é uma análise psicológica. Isso caberia a um psicólogo ou psiquiatra observar.
Tenho a impressão de que os profissionais de saúde mental obteriam mais sucesso se propiciassem o convívio dos seus pacientes com a arte.
Conheço um psiquiatra que faz isso. Trata-se do meu amigo Dr. Alcides Neves que leva seus pacientes a trabalharem com música. E sua dedicação a esse trabalho é tanta que ele grava o trabalho dos doentes.
Não sei se todos teriam condições de desenvolver um trabalho como esse. Alcides Neves além de ser uma pessoa extremamente sensivel é um grande músico, além de compositor talentoso.
Mas acredito que mesmo não sendo um artista, é possível propiciar aos doentes mentais um tratamento digno, humano, muito melhor que pancadarias e humilhações.
Com a palavra os que concordam ou não...

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

sem título- Risomar Fasanaro


duas xícaras de chá
sobre a mesa
uma está vazia:

-saudade

Pacientes do hospital de Franco da Rocha fogem - Daniel Favero*






Sete pacientes do Hospital de Custódia e Tratamento de Franco da Rocha 1, região metropolitana de São Paulo, fugiram na madrugada de deste sábado após cavarem um buraco. Segundo a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), cinco foram recapturados. Ex-funcionários e militantes de entidades de defesa aos diretos humanos denunciam torturas e abusos sexuais contra os pacientes, que deveriam receber tratamento psicológico no local que possui capacidade para 465 pacientes, mas abriga 526.

A SAP informou que a corregedoria administrativa do sistema prisional vai apurar as circunstâncias da fuga. Sobre as denúncias de maus-tratos, a secretaria só deve se pronunciar no decorrer da semana que vem.

Segundo uma ex-funcionária que não quis se identificar, a fuga é resultado de um regime de "terror" que começou a ser implantado com a chegada da nova diretoria comandada por Luiz Henrique Negrão.

Ao invés de aplicar o tratamento aos pacientes, em um local que abriga presos com problemas mentais, ele teria suprimido medidas recreativas aos detentos ou cuidados especiais que as suas doenças requerem, e promovido uma política de presídio com tortura e isolamento dos internos, que estariam prestes a se rebelar.

A funcionária, que trabalhou por mais de 20 anos no local, afirma que os funcionários que não compactuam com o regime de tortura estariam sendo transferidos para presídios comuns, muito mais violentos do que os hospitais de custódia psiquiátricos. Ela afirma que diversos funcionários, inclusive o diretor, já esperavam pela fuga, mas nada foi feito para impedir.

O psiquiatra Paulo Cesar Sampaio, ex-coordenador de Saúde do Sistema Penitenciário, disse que pediu exoneração do Manicômio Judiciário de Franco da Rocha porque a atual administração, apoiada pela Secretaria Administração Penitenciária de São Paulo (SAP), tem promovido torturas e repressão nessas unidades. Esse ambiente teria motivado a fuga, algo que, segundo ele, não acontecia havia mais de 20 anos.

"Pedi exoneração pela forma como estavam tratando os pacientes. Eu sou integrante do Movimento dos Direitos Humanos, e eles querem repressão, tortura espancamento, e não concordo com isso (...) O sistema prisional de São Paulo não está tratando eles como doentes, mas sim torturando, pressionando, querendo afastar da família e isso criou um clima de tensão". Segundo Sampaio, as mulheres estão sendo trancadas por 20 horas diariamente, além de denúncias de espancamentos e abusos sexuais. "As mulheres estão ameaçando de se rebelar porque estão sendo trancadas por 20 horas".

Ele diz que em Franco da Rocha está sendo aplicado o mesmo tratamento que era aplicado aos pacientes do Hospital de Custódia e Tratamento de Taubaté. "Alguns funcionários não aceitam o tratamento de tortura, então, além de punir os pacientes estão punindo os funcionários que não aceitam a tortura".

*Colaborou Maria Clara Dutra, Especial para o Terra.









sábado, 20 de agosto de 2011

Ah! Gilberto Gil perdoe-me! - Wilma Leal de Lyra









Quando Gilberto Gil aceitou o convite para ser Ministro da Cultura juntei-me ao coro dos descontentes sem procurar saber dos seus planos nem dos motivos para o sim, apenas rejeitei o fato.

Durante os anos em que ficou como titular do ministério os ataques vieram de todo lado e o mais emblemático foi o silêncio dos amigos: poucos lhe deram o abraço de que se precisa nas horas de dificuldade e de solidão.

Então, comecei a entender o nó da jogada: o ministério da Cultura é mero apêndice num corpo que não lhe pertence e tanto faz que exista ou não, portanto Gilberto Gil, essa fruta rara, não passou de laranjada em mesa de Whiskie e champanhe, sorvidos entre sorrisos, cochichos ao pé do ouvido e tapinhas nas costas.

Quando pediu pela primeira vez para sair do cargo recebeu a solidariedade política do Presidente, quem sabe tenha entendido como apoio e ficou. Mas a gritaria dos afoitos pelo cargo aumentou o que talvez o tenha feito sentir que estava na hora de limpar as gavetas, levando-o a fazer o segundo pedido para sair que foi ladinamente aceito...

Gil saiu do ministério da forma elegante como entrou, não disse nada e foi para junto da sua Flora buscar um lugar tranqüilo aonde pudesse cuidar da sua paz. Ficou como os pássaros na muda: não piou.

O documentário a que assisti meio por acaso, mesmo sabendo que não existem acasos, me fez parar em frente à TV bem no momento em que o via chegando em Ituaçu- BA , onde passou boa parte da sua infância e um pedaço da juventude. Era um cenário parecido ao do distante Guaporé onde nasci que ficaria conhecido nos versos do belo reagge Vamos Fugir, que compôs.

Meu coração chorou de saudade e de vergonha.

De saudade porque só num papo entre negros é possível entender certos sinais de uma linguagem cifrada, repleta de mungangos, pantins e patifumês

Possivelmente essa afirmação seja entendida pelos eternos contestadores do nada para coisa nenhuma, como um pensamento racista ao inverso: a de que seja preciso ter uma porcentagem de negritude, para entrar em roda de samba.

Não me importa, no momento o que conta é que Gilberto Gil com toda a sua majestade aceite o meu pedido de perdão e me ofereça um lugarzinho na roda de samba onde eu possa dançar toda a negritude escondida durante tantos anos dentro de mim acompanhada pelos irmãos planetários de todas as cores, sempre chamados por ele em suas músicas.

Quem sabe as lágrimas de vergonha por ter deixado tão longe o dendê, o samborocô, o batuque, o mingau de banana e tantas delícias afro-brasileiras se transformem em chuva que regará a sementeira do CONHECIMENTO tão necessário a um povo que só precisa de uma coisa: saber da sua história e do orgulho de ter orgulho dela.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

poema para Che Guevara Risomar Fasanaro


eu vi o rio que viu
o Che nascer
eu vi o rio que viu
o Che crescer
meus olhos mergulharam
nas águas daquele rio
desde então
sempre que penso em Che
elas teimam em desaguar

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

68: a Geração que queria mudar o mundo - Risomar Fasanaro

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Recebi e estou lendo “68: a Geração que queria mudar o mundo”, obra editada pela Comissão de Anistia e pelo Ministério da Justiça.
Esperei por esse livro tal qual a personagem de “Felicidade Clandestina”, conto de Clarice Lispector, em que a menina, personagem central, ao ter entre as mãos “Reinações de Narizinho” de Lobato, deixa de ser menina e, nas palavras da Autora, passa a se sentir mulher, uma mulher com seu amante.
Pois é, “uma mulher com seu amante”. É assim que me sinto, tal a excitação, que me toma da cabeça aos pés, ou “do cóccix até o pescoço”, como diria Elza Soares, tal o desejo de devorar aquela obra.
São 687 páginas, e embora já tenha lido metade do livro, a sede não passa. É sede de retirante quem sabe de lobo no deserto.
Edição muitíssimo bem cuidada, a obra é dividida em tópicos, o que possibilita uma leitura a partir do meio, do fim, ou quem sabe, aos mais organizados e menos ansiosos, do início ao final. É o que não faço. Começo pelos autores que conheço, pelos títulos que me atraem mais, embora todos me atraiam. Mas vamos lá. Mesmo este comentário deixando a desejar por ser incompleto, não resisto à tentação de passar minhas impressões sobre tantos textos reveladores e interessantes.
Nesta obra caleidoscópica, textos dramáticos convivem com outros em que a ternura, a solidariedade, e não poucas vezes o humor, nos levam a chorar e a rir, e quando isso acontece, amenizam as lembranças do que vivemos.
Acredito que nunca mais o mundo terá uma geração como a nossa. E com isso não quero desmerecer a juventude atual. Apenas constatar que a situação que vivemos exigiu aquele tipo de atuação. Não concordo com os que dizem que a juventude de hoje é alienada e nada faz. Apenas vejo que os interesses e os objetivos são outros.
Mas voltando ao livro: nele encontrei textos para ler e reler muitas vezes. Começaria pelo do poeta pernambucano Marcelo Mário que escreveu sobre o líder camponês Francisco Julião, e diz que ele era “o único a levar a multidão às ovações”. E mais adiante comenta que Julião era poeta, e pura poesia eram seus discursos. O líder utilizava em suas falas metáforas e comparações que tinham a ver com sua vivência de camponês, e assim se fazia compreender tanto pelo intelectual como pelo homem do povo. Belíssimo o texto de Marcelo Mário.
Logo adiante “Geração 68 e avalanche Cultural”, de Leôncio de Queiroz”. O autor relembra que a de 68 foi a geração que leu Monteiro Lobato, e completo: a figura de Emília se eternizou em cada um de nós, e é ela que até hoje nos cutuca quando nos vemos diante de alguma injustiça.
Leo faz justiça aos governos Juscelino e Jango, além do curtíssimo período do Jânio, quando diz que foram “os de mais fecunda criação artística e cultural no Brasil”. E relembra que foi durante aqueles anos que surgiu o cinema novo, os grandes compositores, escritores, os grandes nomes do teatro e da arquitetura, além do destaque que dá aos geógrafos e educadores. Nunca mais o país foi o mesmo. Sim, nossa geração não apenas quis, ela conseguiu mudar muita coisa no mundo.
Dos mais importantes esse registro do Léo, pois não se faz uma revolução só com armas, mas também, e principalmente, com Arte. E ele reconhece isso.
Mais adiante me deparo com o depoimento de Affonso Henriques G. Correa, em “Agitação no Salão de Tortura” que nos leva às lágrimas ao contar que na autópsia de Virgílio Gomes da Silva, preso assassinado pela repressão, consta que todos os ossos foram quebrados, e todos os órgãos danificados. Apenas um ficou intacto: o coração. Hoje quando emoção e sensibilidade parecem estar fora de moda, é bom parar a leitura, descansar o livro sobre a mesa, e refletir.
É de Ivan Cavalcanti Proença um dos mais belos textos da obra. “Aquele Primeiro de Abril”, saído das mãos de um mestre da escrita, a que se alia a emoção do que registrou. É preciso não perder uma palavra, uma vírgula desse texto, ler as entrelinhas, e saber a que leva a dignidade de um homem quando toma uma decisão que irá mudar para sempre sua vida.
Mas tem também os textos com um humor leve, deliciosos, que se mescla à tristeza, nas palavras de Inês Oludé da Silva ao relembrar, em um deles, o amigo que fingia estar sempre a morrer. Inês nos prende do início ao fim do seu relato.
E há o maravilhoso “Paissandu e Oklahama” de Eliete Ferrer, que coordenou a publicação do livro. Tenho a impressão de que poderia ser assinado por qualquer um de nós. Foi a sensação que tive, tão bem ela retrata o modo de viver da nossa geração. É só trocar os nomes dos bares, os endereços das repúblicas, os nomes dos amigos, e teremos o mesmo clima, as mesmas casas, os mesmos bares, as mesmas faculdades...Belíssimo texto.
Vou ao texto do Velso Ribas que escreveu sobre seu pai . Que saudade me deu das suas mensagens ao Grupo “osamigosde68”. Não cheguei a conhecê-lo pessoalmente, embora tenha ido ao hospital visitá-lo dois dias antes de seu falecimento, e o reencontro nesse texto que me levou às lágrimas, não sei se pelo pai, não sei se pelo filho.
Mas é impossível parar sem ler o que Urariano escreveu. Em todos se revela a sensibilidade do autor. A mão do mestre a relembrar os amigos e as situações vividas com eles.
Uma das coisas a me chamar mais a atenção é o sentimento de amizade que perpassa nas páginas do livro. Em quase todas nas lembranças que revivem existe a presença de algum amigo. Alguns não falam de suas dores, mas sim do que presenciaram de sofrimento em alguém.
Sinto uma ponta de tristeza ao constatar que Sílvio Tendler não conseguiu realizar seu primeiro filme aos 18 anos, por culpa da repressão. Que as filmagens de João Cândido que ele confiara a uma pessoa, foram queimadas por medo da repressão. Perdemos com isso as últimas palavras do almirante negro, que já bem doente deu sua última entrevista ao hoje nosso grande cineasta.
No depoimento de Roque Aparecido da Silva revivo a greve de Osasco de 68, que acompanhei de perto na época. Situações difíceis que o autor superou driblando a polícia. Ora trocando de nome, ora fingindo que sua mulher na época, Ana Maria Gomes, desconhecia sua participação.
E há o relato de Lao, que narra a sua cerimônia de casamento em 1970, escondendo dos familiares sua participação na luta contra a ditadura, e falando das marcas que a ditadura lhe deixou, a ponto de até hoje sentir dificuldade de visitar o Memorial da Resistência.
Há os belos textos de Pedro Viegas, herói do movimento dos Marinheiros. Em um deles, "Operação Salvamento" ,conta uma passagem em que ele era um dos que precisaram resgatar um companheiro de luta sob a suspeita do resgatado, que achava estar sendo levado por inimigos. Texto que mostra bem o clima de desconfiança existente nas relações, e como para salvar o amigo ele enfrentou aquelas suspeitas.
Há ainda o belo texto de Luzia Jakomeit e seu Natal solitário e triste que de repente se ilumina. Grande escritora, Memélia mais uma vez se revela nesse texto.
Mas o livro não traz apenas textos em prosa. De repente em meio às paginas nos deparamos com “Claros Sonâmbulos da noite”, a belíssima canção do Exílio de Guilem Rodrigues da Silva, em que vê na pátria distante a mulher amada que se é forçado a abandonar.
Continuo lendo a obra aleatoriamente. Em cada página encontro um motivo para recordar, me emocionar, me entristecer, me revoltar...e também para rir.
Vou ler todos os textos. Não perderei nenhuma vírgula, nenhum espaço. E cada vez mais me convenço: que linda é a história da nossa Geração!