quarta-feira, 9 de março de 2022

Maria da Paixão

Impossível pra mim, pensar em Maria da Paixão morta, ela que era a própria encarnação da vida. Difícil escrever sobre ela depois dos vários e belos textos que postaram aqui, mas tenho doces lembranças dela e penso que os amigos e admiradores dela talvez gostem de saber. A primeira imagem dela me vem da aluna da primeira série ginasial (hoje quinta série do fundamental), no Colégio Estadual de Quitaúna. Era 1968 e em nenhum momento ela me pareceu constrangida por ser alguns anos mais velha e mais crescida que o restante dos alunos. Ela se destacou desde o primeiro momento que entrou na classe. Alegre, sorridente, falou da alegria de estar ali no colégio. Alta, bonita irrequieta, inteligente, participativa, logo se tornou líder no colégio. Com ela era possível contar para apresentações musicais, para peças teatrais, para formar um time de basquete ou um mutirão de limpeza. E sendo líder, arrastava outros alunos para participarem. Em 1970 a prefeitura organizou o segundo festival de música e a comissão organizadora selecionou “Asteroide X”, música de Homero Ricardo, com letra minha. As apresentações aconteciam no teatro do Colégio Misericórdia. Convidei os alunos para irem às apresentações e Paixão não se fez de rogada. Muitos jovens da escola foram com ela que organizou verdadeira torcida pela música. No final, a composição ficou em segundo lugar, e insatisfeitos com o resultado, os jovens fizeram a maior bagunça. Gritavam, pulavam e, por fim, viraram-se de costas para o palco ao mesmo tempo que faziam sinal de negativo e gritavam: “injustiça, injustiça, marmelada, marmelada...” Nem preciso dizer que aquela torcida era liderada por Maria, quem mais se destacava. Os anos passaram, mas ela não ficava muito tempo sem me procurar. Veio me contar quando a selecionaram para “Hair”, para “Gota d’agua”e todas as outras vezes que iria realizar um trabalho importante... Acompanhei grande parte de sua carreira, quando fazia parte das peças de teatro que o Núcleo Expressão apresentava. Aquela aluna rebelde se tornara uma grande cantora, uma grande atriz. Não sei se Mílton Nascimento a conheceu, se a ouviu, se não, é lamentável, porque nunca vi ninguém, nem mesmo o próprio Mílton, cantar Maria , Maria daquele jeito tão forte, tão cheio de vida. Mesmo sem saber, Milton compôs “Maria, Maria” pra Paixão de Jesus. Certa ocasião convidei Maria para almoçar em minha casa. Ela estava muito feliz por ter voltado para Osasco. Vinha pelas mãos de Ana de Hollanda. Queria me ver, dizer o quanto estava feliz. Durante o almoço me contou muitas coisas, de gente famosa que conhecera, de trabalhos de publicidade...e no meio da conversa começou a falar de sua vida sexual. Meu pai muito sem jeito, abaixou a cabeça. Minha mãe arregalou os olhos e ficou com o garfo parado no meio do caminho entre a comida e a boca. Tratei de mudar de assunto e tudo acabou bem. Quando o prefeito inaugurou a Vila dos Artistas ela foi morar lá durante algum tempo. Alma livre, irreverente e verdadeira, certa ocasião provocou a reclamação de uma moradora da comunidade: o Sr. precisa dar um jeito naquela moça grandalhona, que é cantora. Hoje de manhã ela estava nua, nuazinha lavando roupas no tanque. O Sr. sabe, eu tenho crianças pequenas... Essa era Maria da Paixão. Com certeza ela não tinha nenhuma intenção de escandalizar. Apenas via a nudez com naturalidade. Estou desolada, sempre que ouvir Maria Maria vou sentir aquela pontada no peito, a saudade de minha ex-aluna, tão inteligente, tão talentosa e tão amiga, tão querida. Risomar Fasanaro