segunda-feira, 29 de abril de 2013


HILDA hILST - UM LUGAR AO SOL - Risomar Fasanaro
Nave/Moinho/E tudo mais serei/Para que seja leve/Meu passo/Em vosso caminho". Este é, dentre os poemas de Hilda Hilst o que mais gosto. Talvez porque houvesse o desejo de ser um dia nave ave ou moinho, para o homem de minha vida. Não fui, não sou. Quem sabe, para dar à minha presença a leveza que sempre desejei ter. Só consegui ser as hélices do moinho. Um turbilhão... quase o enlouqueci. Reconheço, e confesso esse pecado.
Li, em 1970, os poemas de Hilda Hilst, a poeta que se viva fosse teria completado 83 anos no dia 21 deste mês.
Em 1970 eu fazia um curso de Artes Industriais em Santo Amaro, e um dos meus colegas, Marcos, vivia me comparando a ela porque eu não permitia matar nenhum inseto. Ele me dizia: você parece a Hilda, a casa dela é cheia de teias de aranhas porque ela não permite que se mate nada. Que Hilda? quem era? eu não conhecia nenhuma Hilda. E ele me falou sobre ela, como vivia em uma casa em Campinas, e a cada palavra dele, mais eu me interessava. Ele me trouxe livros dela, me emprestou, leu alguns para eu ouvir, e prometeu me levar um dia, mas jamais cumpriu a promessa.
Depois, em 1973, eu fazia um curso de cinema na FGV, e lá havia outro rapaz também apaixonado pela obra dela, e, quem sabe, também por ela.
Alguns dias depois convidou toda a turma do curso, umas vinte pessoas, para ver a peça "O Verdugo", considerado seu melhor texto para teatro. Para sempre fui arrebatada pela força daquele texto, em plena ditadura, e pela beleza daqueles versos que apesar de delicados na aparência, eram tão viscerais.
Muitos anos se passaram, e no início de 2000 vi o anúncio de uma exposição no Sesc Pompeia: "Os 70 anos de Hilda Hilst".
Livros e objetos da artista estavam expostos, ali era possível percorrer o roteiro de uma vida, e naquela noite, ela estava lá, já bem doente, mal conseguia se manter de pé. Era ajudada por alguém que não vi, tão encantada estava por vê-la assim de perto.
Hilda Hilst foi uma das mulheres mais lindas de sua época, e mesmo doente, mesmo com 70 anos e todo o estrago que a bebida causara, ainda era uma bela mulher.
Minha admiração por ela era (e é) tão grande, que não tive coragem de lhe dirigir a palavra, e os livros que eu levara para pedir que autografasse, permaneceram em minha mãos.
Sempre achei que ela fora uma grande injustiçada da nossa literatura. E é difícil entender
isso, porque a juventude daquela época adorava seus poemas, suas peças de teatro, no entanto ela nunca chegou a ser muito conhecida...
Agora, meu amigo João do Reis, me mandou um artigo de Raquel Cozer, sobre a Poeta. Pois é... parece ser sina dos grandes poetas a de só ter sua obra reconhecida após a morte. Agora a editora Globo estará reeditando 21 títulos da autora, além de suas entrevistas organizadas por Cristiano Diniz "Fico Besta quando me entendem" .
Dois filmes também estão sendo produzidos: um documentário e uma ficção. Enfim, as novas gerações irão conhecer uma grande poeta da língua portuguesa, e que já tem sua obra publicada nos EUA e na França.
E para os que não conhecem seus poemas aí estão dois dos meus poemas preferidos. quem sabe as novas gerações se interessam e passem a conhecer esta grande poetam que além de ter uma obra importantíssima, teve uma vida não menos interessante.

Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
desejasse.

Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.

Te olhei. E há um tempo.
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta

Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.
**
Amavisse. Via espessa. Via vazia.
São Paulo: Massao Ohno Editor, 1989. s.p.
I
Carrega-me contigo. Pássaro-Poesia
Quando cruzares o Amanhã, a luz, o impossível
Porque de barro e palha tem sido esta viagem
Que faço a sós comigo. Isenta de traçado
Ou de complicada geografia, sem nenhuma bagagem
Hei de levar apenas a vertigem e a fé:
Para teu corpo de luz, dois fardos breves.
Deixarei palavras e cantigas. E movediças
Embaçadas vias de Ilusão.
Não cantei cotidianos. Só te cantei a ti
Pássaro-Poesia
E a paisagem-limite: o fosso, o extremo
A convulsão do Homem.

Carrega-me contigo.
No Amanhã
**
Quem desnudou a alma de forma tão verdadeira será sempre pouco ter sua obra reeditada. É preciso mais. Para resgatar a memória desta mulher que vivia com simplicidade, é preciso conhecer a Casa do Sol onde viveu, hoje chamada de residência artística. Uma casa planejada por ela em cada detalhe, para que servisse de inspiração para suas criações literárias. Um espaço sagrado como ela o considerava.
Fotos dos amigos ocupam uma das paredes, e os inúmeros objetos de arte que com certeza tinham para ela um significado afetivo.
Atualmente a casa recebe hóspedes, que lá se hospedam para pesquisar não apenas obras da escritora, mas sim de qualquer outro autor.
Muitas árvores e sessenta cães (hoje são aproximadamente dez) faziam parte da vida, do universo da poeta. São cães que ladram à entrada dos visitantes, e uivam à noite. Quem sabe tanto quanto seus leitores, também eles sintam saudade daquela que a eles dedicou tanto amor.



http://youtu.be/iI5djI5va7I

quarta-feira, 24 de abril de 2013

A boca da noite - Risomar Fasanaro


a boca da noite mordeu
mastigou
triturou minha alegria
sua língua sentiu
o travo da tristeza
lambeu-a
cercou-a de carinhos
e ela não mais saiu
está aqui
aninhada no meu peito

abril 2013