domingo, 21 de dezembro de 2014

Canto de saudade a Curitiba - João dos Reis


“Há uma Curitiba cruel, outra fiel. Uma que aprisiona e maltrata, outra que cura tuas feridas com a salivinha dos rocios. (...) Há uma Curitiba dos afogados, degolados e suicidas – e sobre essa Curitiba nós clamamos tua indulgência, ó Senhor. (...) E há ainda a Curitiba dos puros, dos corações desarmados, daqueles que a cada manhã refazem de qualquer retalho a teia de suas vidas... – sobre esses a torrente de tua magnanimidade, porque eles que retecem a teia de Curitiba, amém”. - Jamil Snege, “Canto de amor e desamor a Curitiba".

Parti de Osasco e fui viver em Curitiba no final dos anos 90. Tive a companhia fraterna dos companheiros que eram, como eu, “estrangeiros” na capital das araucárias.

Márcio, de Santa Maria, RS, estava a trabalho na cidade. - instalou o sistema de ar condicionado no Museu Oscar Niemayer. Era bastante calado – em um dia em que nós dois sentíamos a solidão da cidade, me falou “se eu era assim sempre bom para os amigos". Não soube como responder a ele.

Moacir Moreira Carvalho pretendia seguir a carreira militar. O plano de engajamento no Exército não foi possível. Voltou para Santo Antonio de Caiuá. Conversamos por telefone às vezes. Quando nasceu o seu primeiro filho, batizou-o como João Victor. Hoje vive em Luis Alves (SC).

Patricia Xavier, de Campo Mourão; Cesar Augusto Carraro, de Cascavel; Maricélia - estagíários na Clinica de Fisioterapia da PUC. Eles, e outras estudantes, cuidaram não apenas do corpo, mas também da alma - minha gratidão eterna! Presenteei César com um vinho - ele me contou que abriu a garrafa no jantar das bodas de prata de seus pais.

Edgar é professor de dança gauchesca no Clube Albatroz. Com ele aprendi os segredos do vanerão, bugio, chamamé, rancheira .Foi o parceiro amigo, um perfeito cavalheiro, nas noites de baile e música.

Alessandro também pensou em seguir a carreira no Exército. Houve uma dispensa coletiva por corte de verbas – e me confessou que chorou na solenidade de despedida. Voltou para a sua cidade, Telêmaco Borba, sem ter o sonho realizado.

Mazé Mendes, de Laranjeiras do Sul, é minha amiga fraterna e solidária. Fui às exposições das suas belas pinturas - e estamos sempre em contato. Em um fim de tarde gelada, encontrei-a no Parque Barigui, abracei-a – e disse como me sentia honrado com a amizade dela.

Fiz o curso de contação de histórias com Martha Teixeira da Cunha e José Mauro dos Santos. Fomos voluntários - a querida Celina foi para o Instituto Paranaense de Cegos, eu para o Hospital do Trabalhador. Para as crianças, contava histórias infantis; para os adultos, lia noticias do jornal ou declamava poemas.

Ewerton Antunes, de Cascavel, e o pequeno Arthur foram meus companheiros queridos – hoje, é um adolescente-aprendiz de filósofo. Tive um acidente, fraturei o ombro. Fui visitá-lo na escolinha, ele me perguntou “se eu já estava bem”. Nunca me esqueci do carinho de um piá curititbano de 4 anos com o desamparo de um adulto.

O catarinense Luiz Fernando Niedzievski, do Mosteiro Monte Carmelo, adotou minha mãe - e nós o aceitamos como um filho e irmão querido. Somos gratos pelo convite para frequentar a sua mesa, dividir com ele o pão e o vinho. Foi uma viagem para fora do meu Estado, mas também para o interior de mim mesmo. Egnaldo, de Fazenda Rio Grande, na região metropolitana, foi também meu irmão-camarada nessa jornada.

Sandra Tortato: curitibana gentil, atenciosa - as centenas de quilômetros que nos separam não diminuiram o afeto e a amizade.

Felis Penkal, pequeno agricultor em Araucácia, cidade vizinha de Curitiba: é também muito calado. Quando ele vinha para a cidade, me telefonava – e nos encontrávamos na Lanchonete Badech. Veio ao meu encontro uma vez com um presente: feijão, que ele plantou e colheu. Na tarde de minha partida, trouxe um pacote de pinhão. Conversamos às vezes por telefone. Descobri que, entre amigos, nem sempre é preciso o uso das palavras. Já tinha voltado para S.Paulo, e ele me comunicou o nascimento do seu primeiro filho: Juan Guilherme.

Tenho na memória e no coração meus irmãos-companheiros de viagem – que, um dia, desejei sem volta.

"Curitiba sem pinheiro ou céu azul pelo que vosmecê é - provincia, cárcere, lar - esta Curitiba, e não a outra para inglês ver, com amor eu viajo..." - Dalton Trevisan, "Em busca de Curitiba perdida".

RECORDANDO os anos jovens e os queridos alunos-companheiros - João dos Reis


RECORDANDO os anos jovens e os queridos alunos-companheiros

“Comunicar aos jovens desconhecidos nossa sabedoria e os belos frutos de nossa experiência? De renúncia em renúncia aprendemos uma coisa: nossa radical impotência. (...) Mas temos ossos velhos e, na idade em que as pessoas cogitam escrever o testamento, descobrimos que nada fizemos (...) Nizan pode lhes dizer tudo porque é um jovem belo monstro como eles, partilha com eles o terror de morrer e o ódio de viver no mundo que lhes preparamos.(...) ... tornou-se revolucionário por revolta e quando a revolução teve de ceder à guerra, reencontrou sua violenta juventude e acabou como revoltado”. (Jean-Paul Sartre, prefácio a “Aden, Arábia”, Paul Nizan, Edit.Marco Zero, S.Paulo, 1987,pág 14 e 16).

Fui professor de Filosofia por mais de duas décadas.. Vários dos meus discípulos das cidades do Litoral Norte paulista foram minhas companhias. Depois de 3 anos, a Filosofia foi proibida no currículo escolar – ainda permaneci mais cinco anos lecionando outras disciplinas - até 1980. A casa em Ubatuba de Olga Ribas de Andrade Gil, mãe das gêmeas Olga e Angela, foi meu porto seguro nessa jornada no litoral caiçara.

Lembro de um acampamento na Praia Dura com o grupo do terceiro ano do Colégio "Cap. Deolindo de Oliveira Santos". Recordo também que, depois de um acidente de carro, acordei no hospital – ao meu lado estava Dona Olga, que substituiu minha família ausente. Em muitas noites de sábado, com Angela de Andrade Gil e amigos, conversamos sobre a esperança da volta à democracia.

Quando houve a primeira greve dos professores em 1978, foi com orgulho que tive o apoio e liderança da ex-aluna Angela, recém-formada em Letras. Depois da minha volta a São Paulo, reencontrei-as em 1984 no hospital. D. Olga estava em fase terminal - e foi minha vez de velar o seu sono. Foi a última vez que as encontrei.

Julio Cesar Avelar, do grêmio estudantil da Colégio “Thomaz Ribeiro de Lima", cursou Oceanografia. Revi-o em 1986 – me convidou para passar as férias em sua casa em Olivença, BA, onde trabalhava.

Italia Benetazzo, do Cene de São Sebastião, aguardava o final das aulas para conversar. Reencontrei-a em outubro de 2012 em uma homenagem ao irmão, Antonio Benetazzo, no Memorial da Resistência.

De volta à capital proletária, tive a camaradagem dos professores Airton Cerqueira Leite, Jaime Pontin, Sandra Ceschini Sussmann – trabalhei 14 anos no Colégio “Vicente Peixoto”. E dos jovens do grêmio estudantil – Sidney e Silda, Celso Soares Moitinho, Luiz Fernando Pastorelli. João Antonio nunca se esqueceu dos seus mestres – sempre vinha nos visitar na escola, anos depois de terminar o colegial. No final das aulas do noturno, eles aguardavam a minha carona – e prolongávamos o diálogo da sala de aula.

Eder tinha 16 anos, estava no 1º ano - e me confessou que vivia angustiado. Eu disse que a angústia nos acompanha durante toda a vida. Reencontrei-o em 1991 em Campos do Jordão: ele me viu no ônibus, acenou para que o veiculo parasse, me convidou para me hospedar em sua casa. Na última vez em que estive na cidade da Serra da Mantiqueira, procurei saber noticias dele, em vão.

Silda foi para São José dos Campos – cursou Psicologia; veio me ver algumas vezes na escola. Quando Celso vem da Bahia, almoçamos juntos e conversamos sobre o pequeno Juan, seu filho.

Recordo sempre do convivio com meus companheiros queridos – eles estão na minha memória para sempre.

sábado, 13 de dezembro de 2014

CMVO- Comissão Municipal da Verdade divulga relatório do trabalho do grupo - João dos Reis


Mariana Sales
Fotos: Ismael Francisco
Agência de Notícias SECOM/PMO - 09/12/2014



A Prefeitura de Osasco promoveu, na segunda-feira (8), audiência da Comissão Municipal da Verdade (CMVO) para a apresentação do relatório de trabalho do grupo. O documento contém apuração de crimes e violações de direitos humanos acontecidos na cidade, ou com moradores de Osasco, durante o período da ditadura militar. O relatório já foi entregue à Comissão Nacional da Verdade (CNV), representada na audiência, que aconteceu na Câmara Municipal, por Rosa Cardoso.

O documento produzido pela CMVO constará anexo ao Relatório da Comissão Nacional, que será entregue à presidente Dilma Rousseff na quarta-feira (10), Dia Mundial dos Direitos Humanos.



“Este relatório é parcial e foi realizado a fim de colocar à disposição da Comissão Nacional os dados de investigações realizadas por nós”, declarou o coordenador geral da CMVO, Albertino de Souza Oliva. “Esta comissão continuará seus trabalhos por mais três meses, com o objetivo de poder mostrar aos jovens que não viveram este período o que aconteceu de fato, para que isso não torne a se repetir”, completou.

O relatório foi elaborado por meio da compilação de dados produzidos por 5 subcomissões desde 22 de agosto, data da primeira reunião da comissão, e contou com quase 30 depoimentos.

À disposição para consulta no site da Prefeitura de Osasco, o documento trata do que foi apurado a respeito de como os militares interviram na legislação, nos quadros de funcionários e no funcionamento na Prefeitura de Osasco e na Câmara Municipal.

“Houve um recuo das atividades a partir da presença constante de militares na Câmara. Percebemos que os vereadores da primeira legislatura tinham trabalhos intensos. No entanto, quando se dá o golpe, há recuo das atividades”, declara Mazé Favarão, vereadora e coordenadora da subcomissão. “A presença militar constante na Câmara, cassações e detenções foram constatadas. Essa pressão impediu o crescimento dos agentes políticos da cidade”, completou.

Além disso, o documento contém depoimentos de vítimas da ditadura que revelam uma história de terror, crime e assassinatos. Os depoimentos podem ser vistos no canal do Youtube do Sindmetal Osasco.

A CMVO apurou, também, que houve perseguição sistemática a trabalhadores da cidade, bem como criminalização de movimentos sindicais e trabalhistas. Há relatos que empresas da cidade forneciam ao governo militar nomes de funcionários que posteriormente foram detidos pelo regime militar.

“Essa é uma oportunidade de resgatar a história”, disse Jorge Nazareno, coordenador da subcomissão de Entidades da Sociedade Civil. “E a Prefeitura de Osasco e o prefeito Jorge Lapas têm contribuído muito para a realização deste projeto”, completou.

“Ainda estamos aprendendo a reconstruir a democracia após o Golpe Militar, e essa comissão é um grande passo nesse sentido. Por este motivo, a Prefeitura de Osasco colaborou e colabora para sua execução”, disse o vice-prefeito, Valmir Prascidelli.



Representando o prefeito de Osasco, Jorge Lapas, Valmir Prascidelli anunciou que foi protocolado um projeto de denominação da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) em homenagem a José Campos Barreto, o “Zequinha Barreto”, liderança operária de Osasco, morto durante a ditadura militar.

Agentes da ditadura militar, que aconteceu entre 1964 e 1985, bem como os lugares em que aconteciam torturas, também foram apurados e os dados, agora, enviados à CNV. A dificuldade em ter acesso a dados militares, imprecisões de cargos e nomes de pessoas que realizaram torturas e violências contra a sociedade civil foi relatada no documento. Apesar disso, a subcomissão de Agentes conseguiu ter acesso a 5 nomes considerados responsáveis por tais crimes.

No relatório parcial desenvolvido pela CMVO, há também informações sobre a “Casa de Itapevi”, um centro de tortura ligado ao Centro de Informações do Exército (CEI) ao qual foram levados moradores de Osasco. No local, 8 pessoas foram torturadas, somente uma delas sobreviveu.

O relatório produzido pela CMVO contém ainda recomendações à Comissão Nacional produzidas de acordo com o que foi apurado na cidade que contemplam, entre outros itens, a investigação e punição dos responsáveis por crimes cometidos no período.

“Esta Comissão apurou o que aconteceu em Osasco, mas se repetia em âmbito nacional, e não é apenas um esclarecimento, mas que alerta a todos para que tal situação não torne a acontecer”, disse o jornalista osasquense Antonio Roberto Espinosa, que representou as vítimas do regime militar.

RECORDANDO o professor LUIZ ROBERTO SALINAS FORTES- João dos Reis



“Lá fora, o melhor dos mundos, como se nada tivesse acontecido. Os generais prosseguiam, meticulosos, na patriótica azáfama: o povo brasileiro deixava-se salvar ao som estridente do ‘eu te amo meu Brasil’ e se preparava para o grande espetáculo, sob o comando de Pelé e Tostão (...) que as TVs transmitiriam do México” (p. 45) – escreve LUIZ ROBERTO SALINAS FORTES (1937-1987) em “Retrato calado” (Cosac Naify, S.Paulo, 2012, 2ª ed., 136 págs.).

Fui seu aluno em 1968-1969 de Teoria do Conhecimento e Ética e Filosofia Politica no curso de Filosofia na USP, e reencontrei-o por esse depoimento.Retomei as lembranças de quem me ensinou a ler Jean-Jacques Rousseau (“Discurso sobre a origem da desigualdade”) e Louis Althusser (“Para ler O Capital”).

Depois do AI-5 tivemos anos tumultuados – para a vida acadêmica e para a história do Brasil. Lembro dele angustiado na sala de aula depois de uma das prisões – e como me sentia impotente para prestar solidariedade.

Os anos em que fui universitário foram marcados pela desesperança. No engajamento na resistência havia o medo da prisão e da tortura, de ser preso e trair os amigos e a família. Professores da universidade cassados, exilados; estudantes presos, clandestinos, desaparecidos.

A prisão, a tortura deixaram marcas: “a dor que vai me matar continua doendo, bem presente no meu corpo, ferida aberta latejando na memória. Daí a necessidade do registro rigoroso da experiência, da sua descrição, da sua transcrição literária” (p.42), escreve o professor-filósofo em suas confissões.

Esteve nos presídios da ditadura militar, em São Paulo - na OBAN, no DEIC e no Dops. Foram várias acusações, muitas delas baseadas em suspeitas. Ele mesmo questiona: “Deveria ter saído do pais? Não sei. Partido para a clandestinidade e me comprometido com a luta armada, desta vez para valer? Talvez. Mas, que perspectiva nos oferecia, que não a suicida, a ação violenta contra o regime?”(p. 45)

Marilena Chauí registra na introdução da edição de 1988: “Estamos diante de alguém que se viu a perguntar: o que é a razão? o que é a História? o que é a bondade? Estamos diante de alguém que atravessou trôpego e cego, o labirinto do terror para descobrir-lhe, em estado de choque, o fio condutor dessa prodigiosa máquina de produção de culpa e de destruição humana do humano pela desintegração da fala e pelo sequestro do pensamento”.

Eu fui reencontrá-lo em 1984, em um curso para professores. Disse que eu também tinha vivido os dilemas da minha geração – e lembrei que quase fui reprovado em 1969 – e, no ano seguinte, tranquei a matricula no curso de Filosofia.

“Na cordilheira dos edifícios da minha cidade, onde agora busco reintegrar-me, da Sierra Maestra de concreto armado, armados quem sabe um dia lá de cima descerão os guerrilheiros do novo tempo e virão, barbudos, implacáveis como Bruce Lee, redimir-nos a todos? No anos 2000, quem sabe?” (p.117) – diz o mestre que não chegou a viver o novo século.

Estas foram as últimas palavras do filósofo-professor: “”eles quase tinham me conseguido quebrar, restando-me agora como único recurso, como único antídoto e contraveneno, a metralhadora de escrever, o alinhamento das palavras, o arado sobre a folha branca, a inscrição como resposta. É aqui, nesse exato momento, que se trava a luta. Cada traço escrito é um tiro, é um golpe”(p.115).

A minha juventude foi marcada pela repressão, pelo terror do Estado policial. Citando Paul Nizan, em "Aden, Arábia": “Eu tinha vinte anos, não me venham dizer que é a mais bela idade da vida”.

RECORDANDO Elisa de Jesus Ferro e os mortos e desaparecidos políticos- João dos Reis


RECORDANDO Elisa de Jesus Ferro e os mortos e desaparecidos políticos

“Quem se lembrará de ti depois da morte? E quem rogará por ti? Faze já, caríssimo irmão, quanto puderes, pois não sabes quando morrerá nem o que te sucederá depois da morte. Enquanto tem tempo, ajunta riquezas imortais” (Imitação de Cristo, cap. 23-8)

Muitos dos que tenho lembrado – ou quase todos – estão mortos Pensei no luto – e na superação dele - que devemos dedicar aos habitaram nosso território sagrado. Acredito que eles permanecerão entre nós enquanto formos capazes de recordá-los.

ELISA DE JESUS FERRO, minha querida avó, está sempre presente no meu coração. Nasceu em Penhas Juntas, Trás-os-Montes, em Portugal. Emigrou para o Brasil em 1926. Ela e meu avô, Marcelino Matheus, eram jovens, e foram lavradores, trabalharam a terra americana . Sempre me lembro quando sento à mesa para as refeições: agradecer, como eles sempre faziam, e lembrar de onde vem os alimentos que saciam a nossa fome e o desejo de viver.

Lembro da felicidade dela quando foi alfabetizada já adulta. Católica fervorosa, presenteei-a com o livro “Imitação de Cristo”, de Tomás de Kempis, que ela lia diariamente. Me impressionou a prática do jejum – era uma “intenção”, que devemos lembrar da morte do corpo e da salvação da alma.. As novenas ao cemitério de Duartina (SP), minha cidade natal, eram constantes. Rezava pelos que estavam repousando no túmulo da família – mas também pelos vivos que enfrentavam esse “vale de lágrimas”.

Não havia funerárias no interior paulista - eram as mulheres que preparavam os defuntos para a despedida final. A lavagem e preparação dos corpos eram interditas aos homens e às crianças. Guardei essa imagem, esse cuidado feminino. Ela também era chamada para as preces finais, antes do fechamento do caixão e o cortejo fúnebre.

Passei todas as férias escolares e de trabalho sempre com ela. Ela me esperava e cozinhava os seus (e os meus) pratos preferidos: bacalhau à moda trasmontana, lombo assado e manjar de côco. Era a maneira que ela tinha para dizer como eu era bem vindo a sua casa e a minha companhia. Já octagenária, me pediu “para que escrevesse de vez em quando, porque gente velha gosta de receber cartinhas” – o que eu fiz regularmente.

No inicio dos anos 70 sabiamos das mortes e desaparecimentos de presos políticos Foi um período de tensão, de angústia. Não tínhamos informações dos companheiros; muitos viviam na clandestinidade ou estavam na prisão. A imprensa estava sob censura – e esperávamos noticias vindas de fora do país. E o que me marcou profundamente naqueles anos – e ainda hoje – é que as famílias dos militantes não conseguiram se despedir de seus parentes queridos.

Pude acompanhar o funeral dos mortos da minha infância - as orações, o velório e o sepultamento. Por isso tenha lembrado de alguns dos mortos sem sepultura – Fernando Santa Cruz de Oliveira, Aylton Adalberto Mortati.,Antonio Benetazzo, Carlos Alberto Soares de Freitas, entre muitos outros. A história de Ruy Carlos Vieira Berbert é a mais dramática: a família realizou um enterro simbólico anos depois do seu desaparecimento. No caixão, não havia corpo nem restos mortais, apenas os sapatos e o terno de Ruy.

Minha avó Elisa acreditava que a cerimônia de adeus era um passaporte para a vida eterna aos que partem do nosso planeta. E o momento de revelar nosso desejo de que permaneçam na nossa memória para sempre.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

RECORDANDO o professor FERNANDO BUONADUCE - João dos Reis



“Noli foras ire, in te ipsum redi: in interiore hominis habitat veritas” (Não saias, volta para dentro de ti: a verdade mora no interior do homem) – Santo Agostinho, “De Vera Religione, 1.38


FERNANDO BUONADUCE foi meu professor de Latim e Português nos dois primeiros anos do ginasial no Gepa- Ginásio Estadual de Presidente Altino- e nos três anos no curso Clássico no Ceneart- Colégio e Escola Normal Estadual Antônio Raposo Tavares.

Tinha 12, 13 anos. Depois de uma aula sobre versificação, construi um soneto a partir de um texto. Foram os primeiros elogios que recebi por escrever: ele leu meus versos para várias outras classes, me apresentou a todos com orgulho. Descobri que não era poeta, mas que poderia ser um artesão das palavras.

A leitura e o comentário do conto de Antonio de Alcântara Machado, “Gaetaninho”, foram comoventes. Conheci a linguagem do modernismo - e, para mim, um menino caipira - o cotidiano da metrópole ítalo-brasileira.

Ao contrário da minha cidade, Gália, não havia biblioteca pública em Osasco - ele me permitiu frequentar a da sua casa. Fiquei encantado: nunca havia conhecido uma coleção particular de livros. Tinha 14, 15 anos, e li toda a coleção de literatura da Editora Saraiva quando estive desempregado. Na cidade do interior, só me permitiam acesso ao setor infantil. Ele era pastor da Igreja Presbiteriana, e como bom discípulo da Reforma, não me proibiu nenhuma leitura. Nunca tive oportunidade de agradecer a ele esse convite à aventura pelo universo literário.

Estava angustiado, não arrumava emprego. Para colaborar comigo, me “contratou” para auxiliar o seu filho nas tarefas escolares. Eu havia acabado de sair da infância – e foi meu primeiro convívio com uma criança. E, mais tarde, quando escolhi o magistério como profissão, não esqueci essa experiência pedagógica.

Foi um incentivador da educação em Osasco. Lembro de que, durante a demolição do prédio da fábrica da rua Antonio Agu (onde hoje há um shopping), ele esteve presente para guardar alguns tijolos. Era a homenagem do agitador cultural para a preservação da memória. Não lembro das palavras quando ele me contou, mas a ideia era de que "a terra que ergueu o edifício - cenário da vida operária da cidade - era também parte da História".

Tive uma relação filial com o professor - ele acompanhou a minha vida escolar desde o ginásio até o colegial. Na adolescência, outros personagens ocuparam meu coração - tive idolos, heróis. Mas na recordação dos primeiros anos a sua imagem permanece - ao lado do professor Josué Augusto da Silva Leite e do estudante Gabriel Roberto Figueiredo.

Em 1986 soube do seu falecimento – telefonei para o filho, Claudio, e lhe disse como era grato ao mestre. Com os ventos da redemocratização, a Filosofia voltou ao curriculo escolar. Estávamos desafiando a violência, o Estado repressor: voltei a lecionar na escola pública - trabalhei 14 anos no "Vicente Peixoto", ao lado do Cemitério Bela Vista. Muitas vezes permaneci ao lado da sua sepultura - e nesses momentos, não precisei das palavras para manifestar minha gratidão, mas de um silêncio reverente.

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

RECORDANDO a professora LAURA AMÉLIA ALVES VIVONA - João dos Reis


RECORDANDO a professora LAURA AMÉLIA ALVES VIVONA

“Érase de un marinero
que hizo un jardín al mar,
y se metió a jardinero.
Estaba el jardín en flor,
y el jardinero se fue
por esos mares de Dios".

(Antonio Machado, poeta espanhol)


Tinha 16 anos, tinha vivido uma fase de dúvidas, de incertezas, de desemprego. Foi nas aulas de LAURA AMÉLIA ALVES VIVONA que descobri o mesmo interesse pelos livros, pelas idéias. Foi minha professora de Francês e Espanhol nos dois anos do colegial no Ceneart e no cursinho para o vestibular.

Era bonita, culta, elegante – e estava encantado por sua personalidade apaixonada. Não me esqueci: em um aula me perguntou de chofre: “o que te lembra a cidade de Salamanca?” E eu disse: (Miguel de ) “Unamuno”. E a resposta dela: “você me emociona!” Ninguém até então me havia dito que eu poderia comover com minhas leituras.

As aulas de literatura eram verdadeiros espetáculos de declamação de poemas e dramatização de textos. As palavras apareciam carregadas de cores, de sentimentos. A tradução e a reflexão sobre o texto “A intencionalidade”, de Jean-Paul Sartre foi magistral. Descobri a fenomenologia, a presença das coisas, o significado que damos a elas. Somos nós que construímos nossas memórias, que atribuímos sentido a elas . Li “O estrangeiro” de Albert Camus, indicado por ela – e fui também um jovem existencialista.

Em um dos seus aniversários, ganhou de presente o livro “A velhice” de Simone de Beauvoir. Comentou as agruras que o destino lhe reservava. Eu tinha 18 anos – e foi a primeira vez que pensei sobre a idade em que estamos próximos de nos despedirmos da vida.

Terminei o curso de Filosofia, e depois de 8 anos lecionando no Litoral Norte, procurei-a no Ceneart em 1980. Dessa vez, foi ela que me emocionou, quando disse que “eu a marcara muito (como aluno)”. Disse que a ditadura militar retirara a disciplina do currículo escolar, mas que já estava trabalhando (na FNT) – e ela quis saber se o que eu ganhava era suficiente. Eventualmente, escrevia uma cartinha e conversávamos por telefone; já não era mais o adolescente fascinado pela professora, mas um adulto que prestava homenagem à figura feminina mais marcante da minha juventude.

No final dos anos 90, fui viver no Sul, no Paraná. Quando voltei em 2005, procurei a sua casa na rua Moacir Piza em São Paulo – mas não a localizei; o porteiro de um prédio vizinho a conhecia, me falou dela. Soube depois que ela havia falecido – e nesse dia, busquei o silêncio para dar meu adeus à professora que mais amei.

sábado, 22 de novembro de 2014

Recordando ESTANISLAU DOBBECK e ginasial em Osasco no inicio dos anos 60 - João dos Reis



Antes que desça a noite / imprimir na retina / os rostos amados, / o sol / as cores / o céu de outono / e os jardins da primavera. / Inundar de sons / de vozes / e de música eterna / os ouvidos / antes que os atinja / a maré do silêncio. (...) ("Antes". - Helena Kolody)


Vim para S.Paulo no inicio de 1961. Em Gália (SP), estudava no 1º ano diurno do ginasial. Em Osasco, havia apenas no periodo noturno no Ginásio Estadual de Presidente Altino, que tinha sido aberto recentemente. Os alunos eram em geral adolescentes, adultos - e eu tinha 12 anos. Lembro do tratamento atencioso e paternal de Josué Augusto da Silva Leite, professor de História, e de Fernando Buonaduce, professor de Latim e Português. E da liderança no movimento estudantil de Gabriel Roberto Figueiredo.

Eu morava no Bela Vista, muitos quilômetros distante da escola. A queda de energia elétrica era comum, as aulas eram interrompidas. Tinha medo de ir embora sozinho. A presença amiga foi do estudante, colega de classe, Estanislau Dobbeck. Ele era um adolescente, e algumas vezes me deu carona na sua bicicleta - foi o acompanhante solidário até à minha casa. Nunca tive a oportunidade de agradecer a ele esse cuidado de irmão para com uma criança.

Estanislau mudou para a capital, mas como votava na cidade, nos encontramos às vezes durante as eleições. Quando a oposição conseguiu ganhar o sindicato dos professores, a Apeoesp, reencontrei-o – ele era da assessoria de economia. Muito mais tarde, antes de me mudar para Curitiba, encontrei-o em uma festa do PT. Tinha noticias dele: assumiu vários cargos: na Câmara Municipal e na Prefeitura de Osasco, colaborou com a campanha e com o programa de governo do Partido dos Trabalhadores na cidade.

Ele é um dos personagens que sempre recordo. Nunca pensei em desistir de frequentar a escola. Com o incentivo da família e dos professores, valorizava o acesso à cultura e ao saber. Sabia pelas aulas de História que não era um privilégio de uma classe social, que eu tinha direito à educação. Era um piá, ainda tinha o medo infantil do escuro no bairro paulistano, abandonado pelo poder público. A emancipação só aconteceria no ano seguinte, em fevereiro de 1962.

Na Paulicéia Desvairada do poeta Mario de Andrade, perdemos os contatos, os amigos de infância, de adolescência. Muitos deles nunca mais tive noticias nem os vi nas ruas, nos shoppings, nos cinemas. Estão anônimos na grande metrópole, e não sabem muitas vezes do nosso carinho, da nossa gratidão do passado.

Estanislau Dobbeck não foi esquecido nos arquivos da memória. Teve um gesto de gentileza, de solidariedade fraterna - uma pequena contribuição, porém valiosa, para que eu continuasse o caminho até o colegial e a universidade.

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Informe sobre as ossadas de Perus- João dos Reis


Caros/as: a noticia não é nova; mas achei que vale a pena reler - retirei do Jornal da Unifesp, "Entrementes", nº 6, maio/2014. Falta saber como andam as investigações hoje.
Por Erica Sena.

A Unifesp e a CV Marcos Lindenberg assumiram a responsabilidade, desde março deste ano, de acompanhar as análises para identificação das cerca de mil ossadas encontradas em valas clandestinas, no Cemitério Dom Bosco, em 1990, no distrito de Perus (...). Os trabalhos serão conduzidos pelo Grupo de Arqueologia e Antropologia Forense (Gaaf), ligado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR). Cabe à Unifesp abrigar as ossadas, que até o inicio de março estavam depositadas no Cemitério do Araçá, em São Paulo.

Acredita-se que os restos mortais de pelo menos 20 desaparecidos, vitimas da ditadura, estejam junto às ossadas. Após 24 anos de sua descoberta, elas ainda não foram devidamente identificadas, não obstante já terem passado pela Universidade de Campinas (Unicamp), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), além de perícias da polícia científica do Instituto Médico Legal (IML).

A nova iniciativa da Unifesp foi oficializada por um protocolo de intenções, assinado no dia 26 de março (de 2014) entre a instituição, a SDH/PR, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de S.Paulo e a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, que estabelece os objetivos e funções do envolvidos para análise e identificação dessas ossadas.

Caberá à Unifesp disponibilizar local adequado para a realização dos trabalhos, além dos insumos necessários à condução das atividades mediante repasse de recursos por parte da SDH/PR, destacar representantes de seu corpo técnico/docente para acompanhar o trabalho científico a ser desenvolvido pelo Gaaf e realizar, sob orientação da SDH/PR, a contratação de técnicos, especialistas e demais profissionais, além de disponibilização de laboratórios, que atuarão para a implementação destas ações.

O grupo da Unifesp que acompanhará as investigações do Gaaf contará com profissionais docentes de diversas áreas como Arqueologia, Antropologia, História e Medicina.

sábado, 15 de novembro de 2014

RECORDANDO Paulo Proscurshim, Olga Ribas de Andrade Gil e os queridos alunos-companheiros- João dos Reis


RECORDANDO Paulo Proscurshim, Olga Ribas de Andrade Gil e os queridos alunos-companheiros

PAULO PROSCURSHIM, meu dileto amigo: trabalhamos juntos na Biblioteca pública de Osasco nos final dos anos 60 e inicio dos 70. Ele foi presidente do Grêmio estudantil da Escola Estadual “Mal Bittencourt” em 1968, e irmão de Pedro, um dos vereadores presos, cassados, depois do golpe militar de 1964. Filho de imigrantes russos-ucranianos, foi o hermano solidário nos anos de resistência. Cursou Medicina na Faculdade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Há muitos anos foi para o Canadá e hoje vive nos EUA.

Camaradas presos, torturados, mortos e desaparecidos; a rede de espionagem nas fábricas, nas escolas. Éramos constantemente vigiados por um policial civil da Delegacia Seccional de Osasco: durante semanas o agente do Estado comparecia na biblioteca, pedia um livro e permanecia horas com o livro aberto na mesma página na sala de leitura. Sentiamos a cada dia nossa impotência diante da repressão política.

Eu e Paulo conversamos sobre as “suspeitas” dos órgãos da ditadura, mas nada podiamos fazer. Algumas vezes disse em voz alta: “como pode alguém ler a mesma página durante tanto tempo?” – mas o espião permanecia calado. Avisamos amigos para evitarem vir ao nosso trabalho. Dois dos meus contatos da VAR-Palmares compareciam eventualmente à biblioteca - mas estávamos condenados ao silêncio.

Em 1972 terminei a licenciatura em Filosofia na USP. Decidi no ano seguinte trabalhar em colégios das cidades do Litoral Norte paulista. Foram oito anos de isolamento, mas de convívio fraterno com meus jovens discipulos. Dizia a eles que era preciso resistir à censura e à vigilância policial.

Alguns deles em Caraguatatuba: Julio César Avelar, Ney Olivieri, Isabel Cristina de Oliveira; outros, a memória guardou apenas o nome: Pedro, Derci, Lenin, Walmir, Eduardo (Duda). Nunca esquecerei: no meu primeiro aniversário longe da família, a campainha tocou no apartamento onde morava: eram Ester e Rita com um bolo de presente. E o convite de Lucio Mascarenhas para um almoço em que sua mãe preparou o prato típico caiçara, o azul-marinho.

ESTEVÃO MIKLOS ARATO, filho de imigrantes iuguslavos, estudou Jornalismo, vive há anos nos EUA; GILMAR ROCHA é arquiteto; ANGELA e OLGA DE ANDRADE GIL cursaram Letras – foram os alunos que mais me apoiaram nesses anos de solidão.

A professora OLGA RIBAS DE ANDRADE GIL, mãe das gêmeas (Ângela e Olga) é uma das lembranças mais doloridas: a sua casa em Ubatuba foi o meu novo lar. Estava internada em fase terminal em um hospital em S.Paulo; passei um dia ao seu lado - despedi-me dela silenciosamente; faleceu em 1984, e está sepultada em Taubaté.

Depois de décadas, imagens e recordações estão presentes. Apesar do tempo e da distância, os estudantes-companheiros permanecem vivos no meu coração, como no passado. A eles sou muito grato pelo carinho e solidariedade – que somente os verdadeiros amigos são capazes de revelar.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

CARTA AOS AMIGOS- João dos Reis


Caros amigos/as

A Comissão da Verdade/Osasco finaliza seu trabalho. Nesse período encaminhei a vocês meus textos com os personagens da história da cidade. Nunca havia escrito sobre esse passado de lutas. Foi uma catarse, como disse a Gabriel Roberto Figueiredo, o primeiro exemplo de um revolucionário na minha infância e adolescência .

Foram três meses de retomada das lembranças, muitas delas dolorosas. Porque a ausência dos companheiros trouxe uma avalanche de emoções. Saudades dos que partiram e não estão presentes para viver esse momento. Mas esperança de que esses dias sombrios não voltem nunca mais. Para que as novas gerações tenham um documento – e vejam a dor, o sofrimento que a ditadura militar provocou em mais de duas décadas nas vidas dos companheiros e seus familiares.

Não estaremos mais silenciosos: diante das novas ameaças fascistas, estaremos vigilantes. É um novo tempo: de redescoberta, de desafios para o futuro. Os estudantes-operários da “Cidade-trabalho” (como Osasco era chamada) - que sacrificaram suas vidas por um mundo com justiça e liberdade - fazem parte da História.

Recordando mais uma vez alguns deles: Sérgio Zanardi, militante do PCB, que se suicidou no inicio dos anos 60; José Campos Barreto, da VPR e VAR-Palmares; José Groff, da Pastoral Operária e da Frente Nacional do Trabalho; Maria de Lourdes Brengel, da Juventude Operária Católica e da FNT. E também Alberto Abib Andery, que vive na Casa São Paulo. Eles estarão sempre presentes em nossos corações.

Os Negrini, meus bisavós, chegaram em Santos em 1888. Eram "braccianti" na Itália e vieram substituir a mão de obra escrava nas fazendas de café. As familias Ferro e Reis partiram de Portugal e chegaram ao Brasil no inicio do século XX. Eram jovens, vieram em busca de trabalho - e acreditavam no "sonho americano". Eu vivi na minha juventude a descrença e o desencanto.

saudações socialistas
João dos Reis

RECORDANDO Prof. JOSUÉ AUGUSTO DA SILVA LEITE (Para Gabriel Roberto Figueiredo)- João dos Reis



“Toda consciência é, pois, memória _ a conservação e acumulação do passado no presente” (Bergson, “A energia espiritual”, cit. por André Lalande, p. 662 do Dic.Téc.Crit.de Filosofia”, Martins Fontes, S.Paulo, 1996)

Por que escrevo? Para quem escrevo? Devo o incentivo (de escrever) à amiga Risomar Fasanaro e à Comissão da Verdade de Osasco. Pensei na militância de Raul Ellwanger (RS) e de Francisco Calmon (ES); no relato autobiográfico de Carlos H. Vianna (Portugal), e de Pérsio Arida na Revista Piauí (nº 55).
No Encontro da VAR-Palmares em 2013 em Osasco não conhecíamos as histórias dos companheiros. Pensei também em Arthur, que conheci ainda piá em Curitiba – ele tem 16 anos, é um grande leitor e um filósofo-aprendiz . E em Bruno, de 10 anos, que conheci ainda bebê, e que foi meu vizinho em Cotia: ele é um colecionador de livros e é uma criança adorável. E nos filhos dos meus amigos Moacir (Santa Catarina), Felis (Paraná) e Celso (Bahia): João Victor, Juan Guilherme e Juan .Talvez um dia, quando os três joãozinhos chegarem à adolescência ou à maturidade, eles leiam esses meus textos.

Recordei a minha descoberta do universo dos livros. JOÃO FERREIRA, um fazendeiro em Gália, prefeito em 1960/1963, criou uma biblioteca no município. A paixão pela literatura – que começou na infância – me levou a um mundo mágico.

Livros e ideias incendiaram minha imaginação - três deles li quando tinha 16 anos: “Sobre os sindicatos” (Lênin), “Trabalho assalariado e capital” (Marx), “Manifesto comunista” (Marx e Engels). Jean Paul Sartre despertou a reflexão sobre os problemas contemporâneos. Tenho uma grande dívida com a Revista Civilização Brasileira – os seus artigos iluminaram a minha juventude com uma visão critica do Brasil.

Alguns personagens voltaram do passado. JOSUÉ AUGUSTO DA SILVA LEITE, professor de História do GEPA (Ginásio Estadual de Presidente Altino) em 1961/62: ele me incentivou - escreveu nas minhas provas elogios que jamais esqueci. E a ele meu agradecimento eterno: nos intervalos das aulas, atendia os alunos em uma minibiblioteca da escola. Foi ele que me apresentou Machado de Assis, Monteiro Lobato, José de Alencar, entre outros escritores. No final do ano, me deu de presente um dicionário de francês com uma dedicatória: “Ao Sr João dos Reis, pelas suas qualidades. Põe o teu ideal nas estrelas e luta! Josué, 15-novembro-1962”.

Vindo em 1961 de Gália e Duartina (SP), lembrei os primeiros anos no bairro (que ganhou autonomia em 1962) abandonado pelo poder público: água de poço, ruas de terra e sem iluminação, esgoto a céu aberto. Tinha 12 anos quando conheci GABRIEL , 17 anos, um dos lideres do movimento autonomista em Osasco. A polis, a política, nunca mais foi, para mim, um espaço, uma prática para privilegiados.

Um prefeito-fazendeiro, um professor, um jovem trabalhador-estudante me tornaram mais humano, mais sensível à humanidade. Há livros e personagens que sempre estarão presentes, apenas aparentemente abandonados no baú do esquecimento.

REFLEXÕES SOBRE FILME: “RETRATOS DE IDENTIFICAÇÃO” de Anita Leandro (*) - João dos Reis



O filme-documentário de Anita Leandro (2014, 71 min.) retoma a história de Maria Auxiliadora Lara Barcellos, Antonio Roberto Espinosa e Chael Charles Schreier. Militantes da VAR-Palmares que foram presos no Rio de Janeiro em novembro de 1969. Chael foi morto sob tortura 24 horas depois. Maria Auxiliadora, depois do sequestro do embaixador suíço, foi para o exílio; suicidou-se em Berlim em 1976. Roberto Espinosa era o único sobrevivente desse período que estava presente no sábado, 1º de novembro, no Espaço Itaú-Frei Caneca em São Paulo.

Conhecia algumas das fotos porque foram exibidas durante a audiência pública da Comissão Nacional de Verdade no Rio em 25 de janeiro. Fui convidado para a diligência na Policia do Exército da Vila Militar/Realengo no dia anterior. Na volta da viagem, estive uma semana sob o impacto das emoções, das lembranças. Ver as fotos dos camaradas antes das prisões, depois das sessões de torturas, foram imagens que ficaram gravadas para sempre na memória. Relembro os corpos ensanguentados, identificados por números como criminosos.

Assistir ao filme foi uma retomada dessas recordações. O documentário de Anita prova, por meio das fotos e documentos, que Chael não morreu em um tiroteio ao ser preso. Ao contrário do que afirmava um documento da repressão, revelado no filme – que é a prova definitiva que ele chegou à PE/V.Militar ainda vivo e sem ferimentos.

No filme, ouvimos os depoimentos de Reinaldo Guarany Simões, militante da ALN – que foi casado com Maria Auxiliadora na Alemanha - e Roberto Espinosa. A voz e a imagem de Maria Auxiliadora em dois depoimentos gravados no exílio no Chile Foi o contraponto às fotos e documentos. O que salvou a sua vida, disse Espinosa, foi a publicação da Revista "Veja" (nº 66, 10/12/1969), que denunciou a tortura e morte de Chael no quartel do Exército. Chael era filho único, e a mãe, Emilia Brickmann Schreier, morreu há três anos, quando completaria 90 anos. Ter conhecido e assistido ao filme ao lado da prima dele, Shirlei Scheier, foi outra emoção que não esquecerei.

Anita disse no debate que foram quatro anos trabalhando com as imagens, gravações de depoimentos, documentos descobertos nos arquivos da repressão da ditadura militar - até a finalização do documentário. Entre todas as intervenções dos participantes, foi a que mais me impressionou: a solidão da cineasta na sua casa, em frente ao computador, convivendo com aquelas imagens. Retratos vivos, corpos nus, a voz dos mortos e sobreviventes, o silêncio - a imaginação fica plena de registros trágicos.

Esse passado está esquecido pelos jovens do novo século. Um tempo de recordação, mas também de ascensão de movimentos fascistas na sociedade brasileira.

A reconstrução da memória na História não acontece sem as batalhas do presente. Rever os crimes cometidos durante os anos de tirania, identificar os assassinos, – eis a tarefa que nos espera. Aguardamos ainda hoje – e até quando? - a Verdade, a Justiça, a criminalização dos que violaram o direito sagrado à vida .

(*)“RETRATOS DE IDENTIFICAÇÃO” – Anita Leandro, 2014, 71 min.

Resenha/ livro "1789" - João dos Reis


“1789” , de Pedro Doria: (*)

“Condena o réu Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha Tiradentes, alferes (...) a que, com balaço e pregão, seja conduzido pelas ruas públicas ao lugar da forca, e nela morra morte natural para sempre. Que depois de morto lhe seja cortada a cabeça e levada para Vila Rica, onde no lugar mais público seja pregada e num poste alto, até que o tempo o consuma, e o seu corpo dividido em quatro partes e pregado em postes, pelo caminho de Minas...”

A sentença que condenou o inconfidente mineiro, que sonhou com a independência de Portugal, ficou desconhecida . Somente em 1860, o historiador Alexandre J.Melo Morais Filho descobriu um saco verde esquecido no Arquivo Nacional no Rio. Nele estavam as três mil páginas dos “Autos da Devassa”, com depoimentos realizados em juízo durante 3 anos de prisão e as sentenças dos protagonistas da maior rebelião do período colonial.

O jornalista Pedro Doria reconstitui a História a partir desse documento e e retoma as análises de alguns historiadores. É um livro fascinante porque ouvimos a voz dos inconfidentes. Para mim não foi uma surpresa que alguns deles eram cultos, que leram os livros que incendiaram a imaginação dos libertários. Mas o autor informa até a quantidade e os títulos que alguns deles tinham em suas bibliotecas. A revolta surgiu da possibilidade da Derrama (cobrança de impostos atrasados), mas também das idéias que agitaram a Europa e América revolucionárias.

Pedro Doria confirma que Tiradentes era um dos lideres do movimento. Mas também Tomás Antonio Gonzaga Cláudio Manuel da Costa, o padre Toledo e o comandante dos Dragões, Francisco de Paula Freire de Andrade. O fato de que alguns deles tenham estudado na Universidade de Coimbra, em Portugal, não foi novidade para mim. Mas sim, que alguns, como o engenheiro químico José Álvares Maciel, era um pesquisador dedicado. E que o número de conspiradores era mais de duas dezenas.

Os estudantes das escolas talvez desconheçam que a mudança da sentenças de morte à forca de 12 deles foi comunicada no último instante. As penas de morte foram perdoadas e comutadas para degredo eterno ou prisão perpétua. Do total de 34 presos, 3 morreram na prisão Os bens de todos foram confiscados. E o que os livros não contavam – e que sempre tive curiosidade em saber – é como foi o exilio dos degredados na colônias africanas (Angola , Moçambique, entre outras).

"Seja breve, pediu 3 vezes o alferes Joaquim José, o Tiradentes, á espera da morte no cadafalso. O padre franciscano que subiu ao local da forca, gritou para a multidão: "Não se deixem possuir só da curiosidade e do assombro".

*“1789” , de Pedro Doria, Edit. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2014, 270 pp

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

REFLEXÕES sobre livro: "A greve no masculino e feminino - Osasco, 1968" - Marta G.O.Rovai - Texto de João dos Reis


O livro da historiadora retoma a história de Osasco, a construção da cidadania osasquense, a greve de 1968, seus personagens.Os depoimentos estão presentes em todas as páginas. Falam sobre a experiência vivida, as emoções, as lembranças. Ao contrário das teses acadêmicas em que os entrevistados desaparecem no pé da página ou constam no apêndice final: surgem a todo o momento, contando o que foram esses agitados anos 60.

As figuras femininas narram a experiência do ponto de vista das mulheres. Maria Santina e Abigail Silva, casada com João Joaquim, se tornam protagonistas da História, ao lado de muitas outras.

É também uma reconstituição da efervescência politica no bairro paulistano que conseguiu emancipação depois de 3 tentativas – a última em 1962. Risomar Fasanaro, professora, escritora, poetisa, foi uma das agitadoras da cultura na cidade proletária.

Recordando: Helena Pignatari Werner, professora de História do Ceneart, foi presa depois do golpe de 1964. Acusação: subversão por ter um projeto de alfabetização de adultos segundo o Método Paulo Freire. José Ibrahim, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, preso depois da greve de 1968 – conseguiu a liberdade depois do sequestro do embaixador norte-americano. Antonio Roberto Espinosa, cursava Filosofia na USP, um dos operários-estudantes presentes na agitação revolucionária - esteve preso por mais de 4 anos. José Groff, metalúrgico, militante da Pastoral Operária e da FNT- Frente Nacional do Trabalho. Joaquim Miranda, metalúrgico, militante da Ação Católica Operária. Albertino Souza Oliva, participante da Comissão de Fábrica da Cobrasma, militante da FNT.

A escritora retoma a proposta do filósofo Walter Benjamim: a narrativa pode renascer as esperanças do passado. Por meio da memória, também o retorno do direito às lembranças e às palavras.

O último capítulo, “As feridas da memória: experiências de dor, coragem e afeto” trouxe novamente uma avalanche de recordações dos amigos. O desemprego, as perseguições dos patrões (entraram para a lista do Dops), as mudanças constantes de fábrica. Acompanhei a maratona deles em busca de trabalho no inicio dos fanos 70.

“Da condição de acusados, os narradores tomaram a palavra e passaram a acusar: o torturador passou a ser réu da História...” escreve Marta. Reapareceu a imagem de um encontro que tive com Joaquim Miranda e com Natael Custódio Barbosa, depois da prisão. Lembro que conversamos, mas não sabia o que dizer aos companheiros.

Senti a falta de alguns atores: Gabriel Roberto Figueiredo, estudante-operário, Josué Augusto da Silva Leite, professor de História no Ginásio de Presidente Altino - meus ídolos, meus heróis no final da infância e adolescência: contribuíram para a formação política da geração que desafiou o poder da ditadura militar.

A História nos devia esse registro da “Petrogrado brasileira”, nas palavras de Espinosa. Meu querido José Groff, irmão-camarada, não está presente para comemorar esse acontecimento – ele é um dos que se despediu de nós, deixando muitas saudades.

( “A greve no masculino e feminino – Osasco, 1968”, Marta Gouveia de Oliveira Rovai (Edit. Letra e Voz, S.Paulo, 2014, 362 pp)





domingo, 9 de novembro de 2014

GABRIEL FIGUEIREDO NA COMISSÃO DA VERDADE/OSASCO -20/10/2014 - Texto de João dos Reis


COMISSÃO DA VERDADE/OSASCO – AUDIÊNCIA PÚBLICA -20/10/2014
RECORDANDO Gabriel Roberto Figueiredo e a UEO (União dos Estudantes de Osasco

Depois de muitos anos reencontrei Gabriel – e lhe disse da lembrança mais antiga que tenho dele. Eu tinha vindo do interior em 1961, e com 12 anos, frequentava o curso ginasial noturno (não havia curso diurno) no GEPA (Ginásio Estadual de Presidente Altino). Lembro de uma das manifestações do movimento pela emancipação de Osasco. Ele era uma das lideranças, e perguntei porque a escola estava bloqueada pelos estudantes, porque não haveria aulas naquela noite.

Minha mãe e MEU irmão conheciam a família dele – e foram eles que me lembraram dos nomes: D. Dirce, o pai William, os irmãos Marina e Valter (o Tim). Quando ele foi preso em 1964 eu tinha 15 anos, não entendi o que estava acontecendo. Soube que mudaram para S.Paulo. Ele nos contou como a vigilância e a espionagem depois da prisão deixaram sua família abalada – sua mãe teve problemas emocionais e físicos (disritmia). Lidia Castellani, namorada de Gabriel, estudou no Ceneart – e lembro de uma conversa em que ela estava preocupada (talvez com a segunda prisão, em que também vários vereadores e sindicalistas foram presos).

A prisão: durante quarenta dias em uma solitária no 4º RI (Regimento de Infantaria), os interrogatórios de madrugada, a comida fria, ter de comer com as mãos. Quando saiu (da solitária), “sabia quem era, onde estava, mas não tinha noção de mais nada” - foi o momento mais pungente do depoimento.

A militância política começou no PCB aos 15 anos. E recordou as leituras que mudaram a sua visão do mundo: “Crítica do Programa de Gotha” (Marx), “Dialética da Natureza” (Engels), “Manifesto Comunista” (Marx e Engels). Contou como foi sua participação na UEO em 1963/1964. Citou nomes de estudantes: Antonio C. Mazotti, Sérgio Zanardi (que suicidou-se dois anos depois), Hélio Bahowski, entre outros. Na sede (da UEO) se discutia temas teóricos, o programa do governo Jango Goulart (as reformas de base, agrária) – foi um espaço de formação politica-ideológica dos estudantes-trabalhadores.

Gabriel estudou na Faculdade de Medicina da Santa Casa de S.Paulo. Em 1968, com um grupo de médicos, deu apoio e assistência aos uspianos durante a ocupação da Faculdade de Filosofia na rua Maria Antonia, e depois da batalha contra o CCC. É uma outra imagem que guardo dele naqueles dias de agitação e revolta.

Ele foi à Europa em 1978, esteve em contato com os exilados (José Ibrahim, Clayton Figueiredo), e com o movimento da anti-psiquiatria. Em junho e julho de 1979, organizou com um grupo de amigos as conferências de Franco Basaglia no Brasil. O livro foi publicado: “Franco Basaglia, a Psiquiatria alternativa, contra o pessimismo da razão, o otimismo da prática – Conferências no Brasil”, Edit. Brasil Debates, S.Paulo, 1979, 160 pp).

Em 1982 voltou a Osasco, quando foi candidato a prefeito pelo PMDB. Em 1983 foi Secretário de Saúde de Osasco do prefeito Humberto Parro e, retomando as ideias do psiquiatra italiano, criou os Caps (centro de assistência psico-social), um espaço terapêutico de recuperação e inserção social – uma política de saúde mental contrária às internações psiquiátricas por longos períodos.

Como Gabriel recordou: ninguém saiu ileso da repressão política na ditadura militar. Perdemos amigos e companheiros, muitos estão mortos e desaparecidos. Contra a prática do esquecimento, trazemos todos eles de volta, e estão hoje presentes na memória e no nosso coração.

domingo, 2 de novembro de 2014


GABRIEL ROBERTO FIGUEIREDO É CIDADÃO OSASQUENSE - João dos Reis

A Comissão Municipal da Verdade de Osasco tem revelado os nomes de vários osasquenses que lutaram contra a ditadura. Hoje trazemos o depoimento de Gabriel Figueiredo, médico psiquiatra, quando recebeu da Câmara Municipal o título de cidadão osasquense, em setembro de 2006.


Gabriel chegou ainda criança à Osasco, cidade que aprendeu a amar e a “quem” diz dever toda a sua formação política e social. O homenageado participou ativamente de movimentos estudantis, enfrentou os porões da ditadura, lutou pela emancipação da cidade, e ainda hoje faz questão de relatar sua vivência para que ela inspire outros jovens a dar um basta à corrupção, à discriminação das minorias e às diferenças sociais. (...)
O jornal “Diário da Região” publica abaixo parte do discurso do homenageado (...)
OSASCO, de GABRIEL ROBERTO FIGUEIREDO
Migrante, vindo de Ribeirão Preto, aqui cheguei há meio século, com 10 anos de idade. Osasco era um bairro, e o meu pai, o velho Figueiredo, trabalhava na capital. Prestava serviços de “continuo” no extinto banco de São Paulo, na rua São Bento. Com parcos recursos, profissionais e materiais, sustentou a família. Às vezes, tinha uns arroubos ideológicos. Fazia uma leitura sindical inocente, getulista, porém sincera e esperançosa.
Dona Dirce, minha mãe, costureira, fazia alguns serviços para fora, enquanto eu, o mais velho dos irmãos, cheguei a ser um dos mais concorridos engraxates do Largo de Osasco, até beirando os 14 anos.
Assim, Figueiredo, dona Dirce e eu ajudávamos a completar a limitadíssima renda familiar. Enfim, sobrevivemos. Walter e Marina, meus irmãos mais novos, vieram contribuir depois, o que garantiu um padrão pouco melhor na nossa qualidade de vida.
O subúrbio de Osasco era um bairro paulistano com pouco mais de 40 mil habitantes. As ruas Antonio Agu e Primitiva Vianco, com suas transversais, se constituíam no Centro, com vários trechos de terra batida e fossas a céu aberto. Havia muitos terrenos livres, alguns como saudosos campinhos de futebol. A Associação Atlética Floresta era ladeada por um grande matagal que se expandia até o pequeno viaduto da Sorocabana, o “pontilhão”; com seu acesso subterrâneo, dava acesso à Vargem, como era conhecido o singelo e simpático Presidente Altino.
A velha matriz de Santo Antonio era imponente, gótica, com sua torre apontando para o céu. Infelizmente hoje só podemos conhecê-la ou revê-la através de fotografias. Ela pontuava no final do aclive da Antonio Agu. Na outra ponta da rua, já bem depois do término do declive, já no plano, no Largo, uma pequena estação ferroviária era contemplada pela Matriz, lá de cima. Se não me falha a memória, Padre Camilo e Moura Leite se viam, mesmo com uma distância quilométrica, todos os dias.
A periferia despontava. Do Jardim Santo Antonio ao Rochdale, e de Quitaúna à Via Yara, emergiam núcleos populacionais decorrentes de uma intensa migração, sobretudo dos nossos irmãos do Norte e Nordeste, em busca de oportunidades num parque industrial que prometia ser a “Cidade Trabalho”. Na década de 50, a população de 41 mil subiu para 114 mil na década de 60. O censo de 2000 revela perto de 700 mil hoje, e provavelmente, já ultrapassamos os 800 mil.
No entanto, a iluminação pública era precária, as fossas a céu aberto, uma incipiente rede de água tratada e a falta de mínima estrutura para resolução de problemas de saúde, educação e segurança pública, já preparava para Osasco um placo de grandes problemas sociais. Problemas que todos nós sabemos não tardaram a chegar. Alguns até hoje nos atingem. Chegamos a ser considerados uma espécie de referência da violência urbana na região metropolitana.
Luta pela emancipação
Em 1958, já dispondo da Carteira de Trabalho do Menor, fui admitido no meu primeiro emprego na Cimaf. Ao me qproximar dos 18 anos fui demitido, para logo em seguida, dispensado do serviço militar, ser contratado pela Cobrasma. Paralelamente a este inicio de vida no mercado de trabalho, assisti e participei de diversos fenômenos sociais.
O plebiscito de 1958, e as lutas que se seguiram até a emancipação de Osasco da cidade de São Paulo, têm múltiplas versões políticas, acadêmicas, corporativas e pessoais.
Levando em conta todas, e por ter sido personagem vivo deste momento, o que nem sempre confere a necessária neutralidade da análise crítica, considero que a liderança do movimento emancipacionista foi, de fato, encabeçada por uma limitada e corajosa elite local, constituída de empresários, comerciantes e profissionais liberais. O que contesto, até por ter sido testemunha participativa, é de que se impôs, no êxito da emancipação, somente por esta corajosa elite.
Não é o que ocorreu.A ela agregou-se uum nascente movimento estudantil e sindical, onde Conrado Del Papa, Lino Ferreira dos Santos, Sérgio Zanardi, João Gilberto Port, Antonio Carlos Massoti, Reginaldo Valadão e inúmeras outras lideranças, tiveram papéis fundamentais.
Atribuir ao movimento burguês a emancipação de Osasco é um equívoco. Na realidade, a pequena elite osasquense da época liderou o novimento, mas ela não deve negar que outras forças sociais que emergiam e se organizavam exerceram papéis, em alguns momentos decisivos, principalmente quando o movimento alcançou o espaço das manifestações públicas, nas ruas e nas praças.
O povão, a massa, de fato teve participação menor do que os movimentos organizados pela burguesia, dos estudantes e dos trabalhadores orientados pelos seus sindicatos. Não foram muitos e até dá para entender as suas razões. A principal, talvez, seja a de que, eles, os migrantes, ainda não haviam tido tempo suficiente de se identificarem com a cidade. Suas identidades ainda estavam nas suas origens. Eles eram o Gabriel Figueiredo que aos 11 anos, devido a um transtorno de adaptação, queria, de forma insana, voltar para Ribeirão Preto. O sentimento de raiz não estava ainda amadurecido.
Movimento estudantil
O surgimento do movimento estudantil organizado, em Osasco, não foi um produto histórico e social de um determinado segmento. Vários estiveram envolvidos. Para usar expressões políticas, ideológicas, eu diria que, em síntese, estiveram envolvidos burgueses e proletários, numa espécie de acordo não explicitado.
Imaginem: o maior líder estudantil de Osasco não passava de um simples operário da Cobrasma, mas que tinha simpatia de alguns setores da burguesia. Nunca dispensei esta simpatia, mas sempre tive curiosidade de entendê-la.
Alguns dados interessantes das reivindicações e conquistas do movimento operário-estudantil de Osasco, no período entre 1962 e 1964, devem ser registrados para o futuro da História.
- Boa parte dos estudantes era também de trabalhadores, no sentido literal da palavra. Era natural, espontânea, a aproximação do trabalhador-estudante e do estudante-trabalhador.
- Melhoria das condições de ensino, construção da Casa do Estudante, incentivo às atividades recreativas e culturais, estratégias para obtenção de bolsas de estudo para estudantes com carências materiais, e participação ativa nos movimentos sociais - eram tópicos incansavelmente discutidos e permanentemente transformados em movimentos de ação prática.
- Presença ativa nos problemas nacionais, tendo o protesto contra o Acordo MEC-USAID - que subordinava a educação do povo brasileiro aos interesses norte-americanos – e o apoio às Reformas de Base propostas pelo Presidente João Goulart , eram as principais bandeiras de luta.
Nestas alturas, já com quase 20 anos de idade, me sentia beneficiado pela formação de uma consciência política. A vivência no interior das fábricas, o contato com colegas e professores nos espaços escolares de segundo grau - e a dificuldade de sobreviver material mente devido às minhas próprias origens - me conferiu uma visão de mundo que até hoje me acompanha.
Recentemente, num depoimento feito para a tese de doutorado de Sonia Regina Marin (...), disse que vejo crescer no país o número de jovens sem militância e consciência política. Jovens sem causa. Jovens que, perdidos, sem perspectiva de rumos para a construção de um mundo melhor, se entregam à alienação, às drogas, ao desespero, à violência e às Febens da vida. Devolver aos jovens a utopia é a primeira e a maior das nossas responsabilidades para alimentarmos esperanças de construir uma sociedade mais justa e solidária.
Comportamentos corruptos e antiéticos deixam proliferar a filosofia da esperteza e a lógica da discriminação das minorias, desmoralizando os princípios democráticos que estão na base da formação do cidadão.
Devo à Osasco, portanto, o meu maior patrimônio, que é esta visão de mundo, compartilhada por uns, não compartilhada por outros, mas é esta consciência o meu maior patrimônio. É uma dívida impagável, que este título hoje recebido, me concede a honra de diminui-la no meu débito.
Agradeço esta homenagem que recebo, com grande emoção, ao nobre e jovem vereador Antonio Claudio Piteri, que foi quem a propôs, e a todos os senhores vereadores desta Casa, que ao atenderem a propositura de Piteri, mais ainda me deixa honrado.
Aos meus filhos Luciano, Gabriela e Ligia, desejo manifestar publicamente o meu carinho, admiração e alegria por tê-los. Sobretudo porque me presentearam, ao longo da vida, com a convicção de que é possível formar cidadãos íntegros, competentes e com sensibilidade social. Acrescentaria a eles o meu neto Guilherme e a minha neta Lívia, ainda na barriguinha da Ingrid, mas que com certeza está atentamente ouvindo, visto que para ela tudo, até discurso, se constitui parte da grande curiosidade de entrada neste mundo.
Também à minha esposa Daisy, grande companheira, sem a qual talvez hoje eu não estaria aqui, pela força que me concedeu para continuar não apenas vivendo, mas existindo.
Devo umas palavras aos ex-prefeitos presentes: a Guaçu Piteri, nossa maior liderança ao longo da resistência democrática, as minhas saudações. Ao Francisco Rossi, que apesar das divergências políticas, devo declarar que, ao contrário do que se propaga a meu respeito no golpe de 1964, ele não me delatou. Rossi não é um delator, pelo contrário, um homem digno e honrado.
A Celso Giglio, meus parabéns pela coragem de desengavetar e dar prosseguimento a bons projetos, ainda que sejam de governos anteriores e politicamente adversários.
Ao Silas Bortolosso, minha admiração pela tranquilidade que sempre mostrou para administrar esta complexa cidade que é a nossa Osasco.
A este público que aqui comparece, constituído de irmãos, queridos parentes, amigos, companheiros e cidadãos, agradeço pela paciência de me ouvirem. E acredito que é um público que está formando uma geração que, de fato, está em busca da relação imanente que deve haver entre o Direito e a Justiça como garantia para a formação do cidadão.
Aqui está o título, outorgado por esta Casa legislativa a qual agradeço, e que com certeza vai me permitir, simbolicamente, dedicar a todos aqui presentes, e também aos saudosos ausentes e a todos que constroem não apenas o crescimento e o desenvolvimento, mas também o espírito desta cidade. O TITULO É DE TODOS NÓS.
Este texto foi publicado pelo jornal "Diário de Osasco" setembro de 2006

sábado, 1 de novembro de 2014

"Francisco Julião, uma biografia", de Claudio Aguiar- por João dos Reis



Claudio Aguiar escreveu um livro sobre o líder das Ligas Camponeses (“Francisco Julião, uma biografia”, Civilização Brasileira, R.Janeiro, 2014, 854 pp). Foi o revolucionário que incendiou o Nordeste nos anos 60 - organizou a maior greve de trabalhadores rurais no Brasil. O governo reconheceu o piso salarial dos camponeses da zona canavieira pernambucana e o direito à sindicalização.

FRANCISCO JULIÃO ARRUDA DE PAULA nasceu em 1915 na Fazenda Espera (antes Boa Esperança) em Bom Jardim, Agreste de Pernambuco. Era de família de pequenos e médios proprietários de terras e engenhos. Estudou Direito em Recife. Ainda muito jovem, advogado recém-formado, começa a defender os camponeses. Contra a prática medieval do “cambão”- alguns dias de trabalho gratuito por ano nas terras do senhor. E do “cabocó” - o trabalhador rebelde era colocado longas horas ou mesmo dias seguidos num tanque de água fria na altura da boca.

A primeira vitória foi a expropriação pelo poder público do Engenho Galiléia, em Vitória de Santo Antão: as terras e o engenho passam a ser administrados pelos “galileus” em gestão coletiva.

Escreve manifestos, panfletos e cartilhas sobre a questão da terra, organiza protestos e manifestações públicas. Deputado Estadual pelo PSB em 1954 e 1958 e Federal. Participa do debate sobre as reformas de base do governo de Jango Goulart . Com o golpe militar de 1964, vive na clandestinidade até junho; foi preso e esteve em diferentes cárceres - Brasilia, Rio de Janeiro e Recife -, sendo barbaramente torturado. Consegue a liberdade por um habeas corpus impetrado por Sobral Pinto em dezembro de 1965. Parte para o exílio na Iugoslávia, Chile e México. Voltou depois de 14 anos, mas em 1986 volta ao México; morre em 1999.

Um dos documentos escritos por ele, “Bença, mãe”, em 1963, aborda a história dos sindicatos rurais, que surgiram com a organização das Ligas Camponesas. Seu projeto de escrever um livro de memórias (“As utopias de um homem desarmado”) nunca foi concluído.

NOTAS
1) - O envio do convite, pelo Raul, do lançamento do livro em Porto Alegre foi o ponto de partida para escrever esse texto.
2) - Não tenho (ainda) o livro; retirei as informações sobre Francisco Julião do artigo de Carlos Augusto Addor, prof. de História da UFF, no site da "Revista de História".

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Recordando Antonia Carlota Gomes - João dos Reis



"Brasil, um sonho intenso, um raío vívido /De amor e de esperança à terra desce (...) Mas se ergues da justiça a clava forte, / Verás que um filho teu não foge à luta, / Nem teme, quem te adora, a própria morte".
Outubro de 2014, 6 horas da manhã. A Rádio FM Cultura/SP inicia a programação com o Hino Nacional Brasileiro. 1973: começa o dia de trabalho na Escola Estadual “Thomaz Ribeiro de Lima” em Caraguatatuba. Os estudantes se reúnem no pátio e cantam o hino antes do inicio das aulas. Sou Orientador de Educação Moral e Cívica, um cargo criado pelo ditadura militar para despertar o patriotismo nos estudantes. Nas datas cívicas faço um pequeno discurso para o público de alunos e professores.
Recordo dos amigos-companheiros quando as crianças e jovens cantam a música que nos identifica como uma nação, um povo. Camaradas presos, mortos ou desaparecidos. A campanha do “Ame-o ou deixe-o” dos militares golpistas me deixa indignado. Difícil pensar que esse é o país que amamos– e que não queremos abandonar. Durante muitos anos, desde 1973, é a cerimônia inaugural do trabalho escolar. Somente no final dos anos 70 quando assume a direção o professor Euclydes Ferreira, essa rotina é suprimida.
ANTONIA CARLOTA GOMES foi namorada de Antonio Benetazzo, morto sob tortura em 1972, “desaparecido”, depois identificado na Vala de Perus do Cemitério Dom Bosco em Perus. Diretora da escola em que fui professor de Filosofia de 1973 a 1980. Escolhi as aulas em Santos, cheguei na cidade do Litoral Norte, deixei a mala no guarda-volumes da Rodoviária e fui para o colégio. Foi ela que me recebeu, que me indicou um lugar para morar, que me apoiou em todos os momentos nos primeiros anos do magistério. Estava com poucas aulas e ela me nomeou para o cargo de Orientador de EMC. Para ser “aprovado” pela Secretaria de Educação, tinha que obter um atestado de antecedentes políticos dos órgãos de repressão e vigilância da ditadura.
40 anos depois, cada vez que a rádio anuncia o hino brasileiro, essas imagens estão presentes. E a lembrança de Antonia Carlota torna a manhã mais dolorida. Soube que estava doente, conversamos várias vezes por telefone. Fui visitá-la no hospital em S.Paulo, mas estava sedada depois da sessão de quimioterapia. Enviei uma carta dizendo como ela foi importante para mim – usei a palavra escrita para a despedida. A amiga solidária e muito querida nos anos que vivi no litoral caiçara morreu em 1987.
Viajo às vezes para Pindamonhangaba, cidade onde ela nasceu e está sepultada. Sei que ela não lerá esses meus escritos, mas é de quem sempre lembro - com muitas saudades - quando escrevo.

sábado, 11 de outubro de 2014

RECORDANDO Jorge Baptista Filho e o Jornal “Batente”- João dos Reis


RECORDANDO Jorge Baptista Filho e o Jornal “Batente”

Refletindo com o filósofo que conquistou nossos corações e mentes em 1968:

" Essa capacidade para esquecer (...) é um requisito indispensável da higiene mental e física, sem o que a vida civilizada seria insuportável ... (...) Esquecer é também perdoar o que não seria perdoado se a justiça e a liberdade prevalecerem. Esse perdão reproduz as condições que reproduzem injustiça e escravidão: esquecer o sofrimento passado é perdoar as forças que o causaram _ sem derrotar essas forças. As feridas que saram com o tempo são também as feridas que contêm o veneno. Contra essa rendição do tempo, o reinvestimento da recordação em seus direitos, como um veiculo de libertação, é uma das mais nobres tarefas do pensamento. (...) Tal como a faculdade de esquecer, aparece-nos a capacidade para relembrar é um produto da civilização _ talvez a sua mais vetusta e fundamental realização psicológica". (Herbert MARCUSE, “Eros e civilização", Zahar Edit., R.Janeiro, 1981, p.200)

No final dos anos 70, os ventos da anistia e a volta dos exilados trouxeram esperança de retorno à democracia. Antonio Roberto Espinosa e Jorge Baptista Filho, ex-presos políticos, e um grupo de militantes sindicais da oposição (bancários, metalúrgicos, professores) e dos movimentos populares, decidiram criar o “Batente” em Osasco. O jornal teve 13 edições e circulou entre 1979 e 1981 com financiamento da Novib da Holanda. Foram participantes dedicados: meu querido amigo Jesse Navarro, Luis Egipto, João Joaquim da Silva, Marcos L. Martins.

Na experiência inovadora de um jornalismo popular e democrático, convivi com pessoas especiais: José Ramos Neto, Horácio Coutinho, Sérgio Avancine. Acredito que nossa crença é de que era possível desafiar o poder da grande imprensa burguesa. Com noticias produzidas pelos moradores dos bairros e dos lideres do sindicalismo de oposição, investimos nossos sonhos nesse projeto. Lembro de uma conversa com um jovem colaborador: os jornais de bairro nos países europeus também eram a grande novidade em comunicação de massa.

JORGE BAPTISTA FILHO nasceu em 1942 em Cássia (MG). Em 1966, estudante de Jornalismo, foi presidente do DCE da UFMG. Participou do 28º Congresso da UNE em 1968 em Ibiúna. Foi militante do COLINA em Belo Horizonte, e depois da VAR-Palmares. Todos os que o conheceram admiravam a serenidade, a amabilidade, o compromisso com os trabalhadores. Jorge era um dos palestrantes da Frente Nacional do Trabalho: participei do grupo de estudo “Imprensa Popular: um novo jornalismo”, e aprendi a escrever um texto para jornal. Foi um dos fundadores do PT em Osasco; contribuiu para a formação da jovem democracia - e construiu nesse processo a sua cidadania osasquense.

Jorge é um dos personagens da história de Osasco que hoje não está presente: morreu com a mulher e um filho em um acidente de carro em 1986 ; não viveu para participar dos desafios de um novo tempo. Seu filho Manoel sobreviveu ao acidente e foi criado pelos avós em Natal (RN).
(Sou grato ao Espinosa pela revisão e sugestões a esse meu texto).

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Recordando Padre Agostinho- João dos Reis


RECORDANDO
PADRE AGOSTINHO (Marcelo Duarte de Oliveira), monge beneditino
e a pátria latino-americana

No final dos anos 70, surgiu o movimento pela anistia e a provável volta dos exilados. Padre Domingos Barbé, Padre Agostinho, Albertino Souza Oliva, José Groff, participantes da Frente Nacional do Trabalho, da JOC (Juventude Operária Católica),das Pastorais (Operária, Carcerária, de Direitos Humanos, da Juventude), da ACO (Ação Católica Operária) , das comunidades eclesiais de base, discutiram e fundaram em Osasco o Centro de Direitos Humanos. Foi um baluarte durante aqueles anos frente à rede de espionagem e prisões que ainda aconteciam em S.Paulo. Cida Lopes, João Joaquim da Silva, Marinete foram militantes nesse trabalho corajoso.

PADRE AGOSTINHO é o nome que Marcelo Duarte de Oliveira escolheu como monge beneditino. Cursou Direito na USP e fez a opção religiosa já adulto, sendo ordenado em 1967. No trabalho da Pastoral Carcerária no Presidio Tiradentes descobriu em 1969 as torturas e desaparecimentos de presos. Denunciou, junto com Hélio Bicudo, a ação do Esquadrão da Morte do delegado Sérgio Fleury. Em 1980 foi ele que me apresentou ao grupo do psicólogo Jorge Broide da PUC-SP, que discutia as ideias do psicanalista Wilhelm Reich e que trabalhava com crianças de rua em Osasco. Com Cibele Giaconni, durante 5 anos, fiz uma "análise terapêutica”: ela foi a minha amiga querida – tive o privilégio da sua presença na minha vida no inicio dos anos 80.

Viajei em julho de 1978 para a Argentina. Encontrei com Adolfo Perez Esquivel, que ganharia o Prêmio Nobel da Paz em 1980; ele havia sido preso por um decreto do ditador de plantão e solto dias antes da minha chegada. Esquivel me contou que estava muito grato a Dom Paulo Evaristo Arns e à CNBB pela campanha por sua liberdade. Trouxe uma carta pessoal de agradecimento dele ao cardeal brasileiro e à CNBB. Eduardo, que trabalhava no Serpaj-Servicio Paz y Justicia, me recebeu em sua casa, e foi um amigo presente e solicito na minha estadia em Buenos Aires. Visitei junto com ele a associação das mães e parentes de presos políticos, e me mostraram o fichário com as informações dos presos e desaparecidos – foi o momento mais comovente dessa viagem.

Fui para o Chile no final de julho desse ano, 1978; pelos militantes do Serpaj fui informado das prisões, das torturas e desaparecimentos de militantes de esquerda. Na casa onde fiquei alojado, me contaram da morte do músico Vitor Jara -“le cortaran las manos” – depois do golpe militar de 1973: uma imagem que me acompanha até hoje. Estive com meu acompanhante chileno, José Maurício, em um ato pela liberdade dos presos políticos no auditório da PUC de Santiago – um momento histórico nessa viagem. No ano seguinte, Viviane e Sérgio (filho de militante do PC chileno) estiveram refugiados em Osasco. Cida Lopes, Fred e o grupo de jovens da pastoral de direitos humanos da Igreja Imaculada Conceição/km 18 em Osasco, de que eu também participava, lhes deram casa, trabalho, apoio, antes deles partirem para o exílio na Suécia.

Em janeiro de 1979, estive em Assunção no Paraguai. Antes da minha chegada, muitos presos políticos tinham sido soltos e expulsos do país e vindo para o Brasil. Na sede do Comitê de Igrejas, recebi um documento com denúncias de prisões arbitrárias (Eulogio C.C.Zorrila), de atentados (Doroteo Grandel) de prisões por mais de 20 anos (Virgilio Barcero Riveros e Elvero Acostra Aranda). Recebi cartas dos familiares, que não tinham noticias dos que foram banidos, e um dossiê para Dom Paulo Evaristo Arns e para a CNBB. De volta ao Brasil, numa coletiva de imprensa convocada pela Cúria metropolitana, em que estive presente, tornei público o documento e entreguei as cartas - os expatriados viviam em S.Paulo, e lendo o jornal “Folha de S.Paulo” (01/02/1979) procuraram a arquidiocese. Vieram depois para Osasco - Albertino S.Oliva e Marcos L.Martins foram solidários, oferecendo casa, trabalho, apoio.

Padre Agostinho, companheiro e hermano, será sempre lembrado - vive há muitos anos no Mosteiro beneditino de Ribeirão Preto, no interior de S.Paulo.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

RECORDANDO Alberto Abib Andery - João dos Reis



Caros amigos/as

Tenho escrito sobre personagens da História de Osasco que hoje não estão mais presentes.
ALBERTO ABIB ANDERY, psicólogo, padre secular, está vivo, e não foi esquecido por nós.

Ele era padre em uma paróquia do Jardim S.Vitor em Osasco .Lembro que ele foi junto com um grupo de estudantes-trabalhadores panfletar pelo voto nulo, porque não acreditávamos na farsa eleitoral da ditadura militar. Foi ele, se não me engano, que trouxe um artigo da revista francesa “L’Express”, que denunciava a tortura de presos políticos no Brasil. Como professor da PUC-SP, criou uma extensão universitária de Saúde Mental no Jardim Santo Antonio/Osasco – atendia aos jovens trabalhadores do bairro. Itália Benetazzo, estudante de Psicologia nessa universidade, irmã de Antonio Benetazzo, foi uma das estagiárias nesse trabalho pioneiro de anti-psiquiatria na periferia.

Foi o assessor do projeto de educação popular da FNT-Frente Nacional do Trabalho/Osasco, que criou um ciclo de debates e grupos de estudo na periferia da Região Metropolitana Oeste (Osasco e cidades vizinhas). Fui o “intelectual” contratado nos anos 1980/1984 para colocar em prática o projeto de Albertino Souza Oliva, Antonio Vieira Barros e José Groff. Trouxemos para os bairros da cidade e região intelectuais que estavam marginalizados pela repressão da ditadura militar – Plínio de Arruda Sampaio, Paulo Freire, Antonio Roberto Espinosa, Reginaldo C.de Moraes, entre tantos outros.

Hoje, meu querido amigo vive em um asilo na Zona Sul de S.Paulo. Há dias que se lembra de todos, em outros dias a recordação dos amigos do passado desapareceu da sua memória.

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

RECORDANDO uma história e 4 personagens - João dos Reis



V. (não sei se ele gostaria de ser identificado) foi do Grêmio Estudantil em 1968 do Colégio CENEART em Osasco. Eu tinha sido militante do PCB, mas depois do racha de 1967, não participei da ALN. Eu, V. e "Cido" tivemos os primeiros contatos no 2º semestre de 1969. Não estávamos discutindo mais o imobilismo e o conformismo do partido. O debate era sobre o trabalho politico com os operários e trabalhadores do campo, a guerrilha revolucionária.

Foi V. que me deu para ler o livro de Régis Debray, "Revolução na revolução" e outros documentos da VAR-Palmares. Tivemos vários encontros; para estar preparado para as ações armadas, ele me ensinou a dirigir no seu carro.

No inicio de 1970 houve mais prisões de companheiros; ele decidiu sair da organização.
Continuei o contato com o outro companheiro, "Cido", e em seguida com "Maria" (que descobri 3 anos depois chamar-se Jurema), que foi presa em setembro desse ano.

Jurema, de Salvador, reencontrei-a em 2009, e retomamos o diálogo interrompido há 40 anos.

Do "Cido" nunca mais tive noticia. Foi preso, está morto e desaparecido? são as perguntas que me faço com frequência.
E V., onde andará? Apenas uma vez, em 1980, tive noticias dele por uma amiga comum.
Os dois, que me conheciam pessoalmente, frequentaram minha casa e o local onde eu trabalhava, fazem parte da minha história, mas continuam existindo apenas nas minhas recordações.

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Um Viva aos Herois Israelenses - Carlos Eduardo Magalhães

Date: Sun, 27 Jul 2014 18:25:32 -0300
Subject: Um viva para os heróis israelenses; contra o massacre na Faixa de Gaza
From: Carlos Eduardo Magalhães
To:

Em Israel há gente que se coloca contra o terrível massacre que as tropas israelenses estão fazendo contra os palestinos em Gaza. A barbárie cometida contra a população palestina que não tem para onde fugir, igual a ratos numa gaiola, já é uma das mais dantescas páginas da história humana, um verdadeiro crime contra a humanidade, talvez tão grave quanto foi o holocausto judaico perpetrado pela Alemanha nazista... puro horror...

Um viva para os heróis israelenses; contra o massacre na Faixa de Gaza


Este texto é para homenagear os 56 heróis israelenses destes tempos de trevas: Yael Even Or, Efrat Even Tzur, Tal Aberman, Klil Agassi, Ofri Ilany, Eran Efrati, Dalit Baum, Roi Basha, Liat Bolzman, Lior Ben-Eliahu, Peleg Bar-Sapir, Moran Barir, Yotam Gidron, Maya Guttman, Gal Gvili, Namer Golan, Nirith Ben Horin, Uri Gordon, Yonatan N. Gez, Bosmat Gal, Or Glicklich, Erez Garnai, Diana Dolev, Sharon Dolev, Ariel Handel, Shira Hertzanu, Erez Wohl, Imri Havivi, Gal Chen, Shir Cohen, Gal Katz, Menachem Livne, Amir Livne Bar-on, Gilad Liberman, Dafna Lichtman, Yael Meiry, Amit Meyer, Maya Michaeli, Orian Michaeli, Shira Makin, Chen Misgav, Naama Nagar, Inbal Sinai, Kela Sappir, Shachaf Polakow, Avner Fitterman, Tom Pessah, Nadav Frankovitz, Tamar Kedem, Amnon Keren, Eyal Rozenberg, Guy Ron-Gilboa, Noa Shauer, Avi Shavit, Jen Shuka, Chen Tamir.
Eis o porquê:
Como se sabe, mais de 800 palestinos, a maioria civis, muitas mulheres e mais de uma centena de crianças morreram em 18 dias de ataques das Forças de Defesa de Israel contra a Faixa de Gaza. Do lado israelense, até esta sexta-feira (25/07), contavam-se 35 mortos, todos adultos, dos quais 32 soldados e três civis.
Trata-se de um placar sinistro, indicativo de um massacre em curso e nada indica que vá parar tão cedo.
Presídio de 365 quilômetros quadrados, fronteiras fechadas, sem saídas, em Gaza se espreme 1,8 milhão de pessoas. Um favelão e uma das maiores densidades demográficas do mundo, com 5.046 habitantes/km². Agora imagine bombardear uma área assim.
Seria como bombardear a favela de Paraisópolis (a maior de São Paulo) para combater os membros de uma facção que se tivessem escondido lá. Ninguém normal acharia certo, porque não tem como ser “cirúrgico”, sem “danos colaterais”, sem mortes de inocentes.
Na quinta-feira, a coisa ficou medonha quando uma escola da ONU foi atingida por pelo menos três bombas, deixando um rastro de corpos despedaçados, sangue, desespero, 15 mortos e 200 feridos.
Diante de fatos tão graves, o governo brasileiro manifestou-se, condenando o “uso desproporcional da força” por parte de Israel. E retirou seu representante da embaixada em Tel Aviv.
Em resposta à crítica brasileira, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores de Israel, Yigal Palmor, respondeu com ofensas e provocações: chamou o Brasil de “politicamente irrelevante” e de “anão diplomático”.
Quis ser engraçado e irônico e comparou o drama humano das famílias desfeitas, o luto e a tragédia que ocorre na Faixa de Gaza à desclassificação do Brasil na Copa do Mundo, frente à Alemanha: “Desproporcional é o 7 a 1”, disse ele.
Não foi engraçado, não foi irônico. Foi apenas desumano.
Também não foi engraçado, não foi irônico e foi apenas desumano o vídeo postado pela Federação Israelita de São Paulo no YouTube, com o título “Isso é exatamente o que acontece em Israel”. Veja:



Trata-se de peça de propaganda para lá de indigesta, uma tentativa desastrada de desidratar a barbárie na Faixa de Gaza, comparando-a a uma briguinha de escola. Em suma: é uma indignidade, um desrespeito aos mortos e uma ofensa à tradição humanista da cultura judaica.
Nem se fale sobre o mal disfarçado racismo estampado no vídeo, que apresenta o menino palestino na cor parda, enquanto o garoto judeu é branco (como se não existissem e não integrassem a comunidade e a riqueza da cultura israelita os judeus árabes e os judeus negros da Etiópia). Mas esse “embranquecimento” das elites --paralelamente ao “escurecimento do inimigo”-- já é bem conhecido.
Desolador.

É diante de uma tal desqualificação do debate (algo que só serve aos fanáticos e aos senhores da guerra) que avultam os nomes e sobrenomes dos 56 heróis citados no começo deste artigo. São os corajosos signatários de um manifesto contrário ao serviço militar obrigatório, visto naquele país como um dever quase sagrado, essencial para proteger um povo cercado de inimigos.

Pois os 56 ousaram romper com a lógica tribal e enfrentar a loucura belicista dos governantes de Israel. Leia o manifesto neste link.

São 56 mulheres e homens da reserva “que se sentem insultados pela operação militar em curso” na Faixa de Gaza. Que tem olhos para ver que “os moradores palestinos da Cisjordânia e da Faixa de Gaza são privados de direitos civis e de direitos humanos”. Citar-lhes os nomes é uma forma de também homenagear os mortos palestinos, cujos nomes e histórias acabam soterrados, na cobertura da imprensa ocidental, pelas bravatas de porta-vozes como Yigal Palmor.

Carl von Clausewitz (1780-1831), general prussiano e teórico da guerra dizia que “a guerra é a continuação da política por outros meios.” Segundo os 56, em Israel, “a guerra substituiu a política”. E explicam: “Israel já não é capaz de pensar em uma solução para um conflito político, exceto em termos de força física. Não admira que o país esteja sempre propenso a ciclos sem fim de violência mortal. E, quando os canhões disparam, nenhuma crítica pode ser ouvida”.


Fonte: https://br.noticias.yahoo.com/blogs/laura-capriglione/um-viva-para-os-her%C3%B3is-israelenses-contra-o-213602484.html

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Carlos Eduardo Pestana Magalhães - Gato
Membro da Comissão Justiça e Paz de São Paulo


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sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Chá das 5 - risomar fasanaro


Amigo

meu amigo chegou
me abraçou
e não disse nada

não precisou

senti sua tristeza

preparei chá
tomamos em silêncio
e ele se foi

para sempre