domingo, 27 de outubro de 2019

Encontros inesperados na grande metrópole - João dos Reis





Nos outros eu sei onde se abriga o coração.

É no peito _ todos sabem disso.

Comigo

a anatomia ficou louca.

Eu sou todo coração

_ ele bate em todo o corpo.

Vladimir Maiakóvski



Em 2005 parti de Curitiba para São Paulo, e encontrei a cordialidade em uma livraria e em uma sala de cinema na cidade. E discordei de que “não existe amor em São Paulo”.

Encomendei um livro com o jovem atendente da Livraria Saraiva do Shopping Eldorado; no dia em que fui buscá-lo, esqueci o contracheque para confirmar o desconto para professores. E, para minha surpresa, ele me abraçou, e disse: que era para o chefe pensar que eu era seu tio - e então não teria problema para dar o desconto.

Estava sozinho na sala do cine Belas Artes na rua da Consolação em São Paulo em uma tarde de sexta feira. E, antes da sessão começar, o lanterninha se aproximou e perguntou se o ar condicionado estava bom, se não estava com temperatura baixa – uma amabilidade para não esquecer .

Mudamos de casa duas vezes em dez meses – em agosto de 2018 de Vargem Grande Paulista para Osasco, e em junho de 2019, para um apartamento em um outro bairro da cidade. Foi um período atribulado; relembramos, eu e minha mãe, os momentos em que encontramos amigos próximos ou anônimos que deixaram marcas na memória.

Reinaldo, Antonio, Lucas, Zaqueu, Joaquim e Fernando foram os trabalhadores-amigos que nos socorreram nas casas das ruas Campinas e Milão na região de Cotia. Eles sempre foram solícitos e prestativos para solucionar os inúmeros problemas de reformas e consertos em eletricidade, encanamento, telhado - e os ouvintes pacientes das nossas desventuras. Despedi-me de Joaquim e Fernando, agradecendo a colaboração inestimável; não consegui me despedir dos outros – Antonio e Reinaldo faleceram há alguns anos.

Na oficina mecânica, pedi a Anderson, no bairro Tijuco Preto, onde morava, para fazer uma revisão geral no carro antes da mudança para Osasco. E, quando fui buscá-lo, ele me disse que estava em bom estado, sem necessidade de nenhum conserto. Fui me despedir dele - e, no dia seguinte, também de Mario da oficina do Jardim dos Ipês - e levei uma garrafa de vinho. E falei do cartaz-propaganda dos anos 80 - duas mãos estendidas, uma delas suja de graxa: “(o mecânico) é o melhor amigo do seu carro – e não pode cumprimentá-lo”. Disse que o mecânico não é apenas o melhor amigo do meu carro, mas é também o meu melhor amigo - e que não esquecerei deles.

Ângela, a vizinha da casa que alugamos na rua Itápolis, Vila Osasco, deu a minha mãe um buquê de rosa. Foi um presente inesquecível de boas vindas para nós, que estávamos cansados com tantos transtornos nas casas anteriores na região de Cotia. E preocupados com o futuro.

No domingo seguinte da última mudança, para o Jardim Santo Antonio, ao entrar na Avenida Nova Granada, houve uma pequena colisão lateral com outro veículo. Desci do carro, cumprimentei o motorista, pedi desculpas a ele e à moça que o acompanhava, dei meu telefone para entrar em contato. Uma hora depois, Alexandre, o motorista do carro, me ligou e disse que não tinha sido nada, para não me preocupar. Quando enviei depois uma mensagem pelo celular, agradecendo mais uma vez a gentileza dele, ele me respondeu “que podia contar com um amigo”.

Comuniquei Simone, do bairro Jardim dos Ipês em Cotia, onde moramos sete anos, o nosso novo endereço. Nos finais de anos, sempre dou um presentinho para ela – uma rosa, um pano de prato -, uma pequena retribuição aos quase dez anos em que ela cortou o cabelo da minha mãe e irmão, e nunca quis receber pelo seu trabalho

Perguntei ao jovem vendedor da Kar Latas na rua Primitiva Vianco, 922: um para-sol para cobrir o para-brisa de carro - e não havia na loja. Vi em uma mesinha um moedor manual de grão de café que usávamos em casa na minha infância. Perguntei se era para fazer café, e ele me disse se eu queria – e moeu os grãos, preparou o café e me serviu em uma xícara de porcelana..

Fernando, Letícia e os filhos Felipe, Gabriel e Elza ofereceram na casa deles uma feijoada em agosto para comemorar a visita de Ricardo e Silda, ex-aluna de Filosofia na escola estadual Vicente Peixoto em Osasco – eles vivem em Brasília há 23 anos. Ela me telefonou, me convidou para a confraternização – um dia carregado de afeto e saudades.

Pedi um strudel no Restaurante Juca Alemão no Shopping Continental em Osasco; e na hora de pagar, o garçon me disse que era uma cortesia do proprietário. Dois anos antes, conversei com ele, que é de Blumenau, em Santa Catarina, mas foi uma conversa rápida: é a cidade que mais gostei na minha temporada no Sul do Brasil.

Caio e Olga, ex-aluna em 1973 de Cultura Contemporânea na escola estadual Capitão Delolindo de Oliveira Santos, em Ubatuba, me convidaram em outubro para almoçar na casa deles em São Paulo: com a colaboração de Raquel, prepararam uma moqueca de peixe. Foi um reencontro depois de décadas em que estivemos incomunicáveis na grande metrópole. E trouxe um presente para minha mãe: uma porção do prato do dia.

Fui ao Tocco, depósito de material de construção, na Avenida Antonio C.Costa, 1240, e na saída, havia pipoca e café de cortesia. Conversei com o jovem vendedor, disse que há muitos anos não a preparávamos em minha casa, e ele me disse que poderia levar uma porção para minha mãe – e foi um presente surpreendente para ela.

Meu irmão estava com problema de mobilidade, e o fisioterapeuta Ari, ex-aluno nos anos 80 na escola estadual “Vicente Peixoto”, esteve em casa, trouxe um andador, convenceu-o a usá-lo – e não quis cobrar pela visita e pelo empréstimo do aparelho. Depois, por telefone, me disse que ele é que está grato pelas minhas aulas de Filosofia no curso colegial.

Na solidão da grande metrópole, foram encontros em que descobrimos nos pequenos gestos de gentileza momentos felizes. Os personagens, muitas vezes desconhecidos e inesperados da aventura cotidiana, reforçaram a crença de que a construção de uma amizade, a descoberta de um sentimento pode tornar o mundo mais solidário.



NOTA

O poema de Vladimir Maiakóvski, está na página 169 de “Maiakóvski, vida e obra”, Fernando Peixoto, José Alvaro Editor, Rio de Janeiro, publicado nos anos 70 (provavelmente 1974), 316 pp


sábado, 12 de outubro de 2019

Crônicas de Segunda - livro de Cacá Mendes- Risomar Fasanaro




Cacá Mendes , poeta responsável pelo Sarau dos Conversadores que alguns anos acontece em SP, nos pega pela mão, ou pelos olhos? E nos leva a verdadeira peregrinação pelos becos e ruas de SP e outros lugares aos distraídos, que andam pela vida sem ver, sem sentir o mundo, toda a poesia que ele descobre e, generosamente, divide conosco.
E nessa viagem cada pessoa, cada lugar lhe traz à lembrança outros lugares, outras pessoas.É o circo que traz de volta a infância, no interior mineiro, quando viu/ouviu pela vez primeira vez, a dupla Tonico e Tinoco ; ora é o artista de rua que o faz comparar aquele sujeito simples com o grande Hermeto Paschoal. Ou seria Sivuca?
Cacá tem um jeito muito peculiar de escrever que o distingue de todos os outras cronistas que conheço. Talvez seja preciso ler e reler seus textos para apreender toda beleza que neles existe.
Destacaria A cidade das torres, Berê e Benê, Um anjo no hotel, A última parada, e paro por aqui porque senão destaco todas as crônicas. Verdadeiros poemas tirados da poeira das ruas, do cheiro de álcool dos bares da vida, da aridez do cotidiano.
Enfim, Crônicas de segunda poderia bem se chamar Poemas de primeira.

Risomar Fasanaro


Pedidos pelo site WWW.desconcertoseditora.com.br

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

O último adeus: meu avô Marcelino Matheus Ferro



Há palavras lança-chamas / Conheço algumas que nos fazem viver,/ por não serem simples som / mas estradas incendiadas por dentro, / duplos corações batendo com o calor / da certeza do dia que se segue. /(...) Quebrando o meu silêncio, / povoo alguns espaços de alegria. / (...) Nas palavras me encontro. / Cansado, quase morto ,à espera, / sempre à espera. Nas palavras vivo, / denuncio ou ataco. Há um grande sol / à nossa espera. Quantos somos?”
Trecho do poema “Algumas palavras”, de Eduardo Guerra Carneiro

Estou sozinho na estação de Duartina à espera do trem para São Paulo. Meu avô Marcelino Matheus Ferro não me acompanha: teve um acidente vascular cerebral e está acamado. Despedi-me dele em silêncio – e foi a última vez que o vi. Foi a imagem mais triste que ficou das minhas férias na minha cidade natal do interior paulista.
Todos os anos ia visitá-lo – era um período de descanso da rotina de trabalho e estudo - e uma volta ao passado familiar. Minha avó Elisa de Jesus Ferro sempre me esperava com meus pratos preferidos: bacalhau à moda de Trás-os-Montes ou lombo assado – e a sobremesa de manjar de côco com ameixas.
Como eram as nossas conversas? Antes de vir para o Brasil, eram agricultores – plantação de vinha, oliveira, figueira -, e do pastoreio de carneiros. Meu avô era de um mutismo absoluto; com ele, nascido nas montanhas do Norte de Portugal, aprendi o segredo das palavras: elas têm uma magia que cabe a nós descobrir a cada vez que precisamos usá-las.
Procurava saber como foi a travessia do Atlântico em 1926 na viagem de aventura para a América. Que sonhos eles carregavam, deixando os pais e familiares? Era um piá – e mesmo quando adolescente e na juventude, perguntava a eles: o que esperavam do Novo Mundo? Tia Isaura era a correspondente epistolar da família espalhada pelo nosso planeta. Ela me entregava para ler as cartas dos que viviam em Angola, França e EUA – a saga dos portugueses que partiram para um novo país, um novo continente. Em uma delas, e que comentei com meu avô, falava da forte nevasca nas aldeias de Penhas Juntas e Falgueiras na província de Trás-os-Montes, que impediu que os moradores saíssem de casa por vários dias.
Como era o nosso diálogo? Lia para eles as cartas que vinham de Portugal – e que falavam do trabalho com a terra, a neve de dezembro, o cotidiano na aldeia. Na foto, a tia-avó Piedade, octagenária, de cabelos brancos, olhando-nos - e eu me perguntava: ela estava feliz, solitária, sob os cuidados de dois sobrinhos solteiros que permaneceram em Trás-os-Montes? Nas imagens, eles apareciam em frente a uma casa construída com pedras: como eles enfrentavam o frio e o vento do inverno? Essa volta às origens esteve marcada pelas orações, realizadas pela minha avó Elisa de Jesus Ferro. Era uma reverência aos nossos mortos – e que mereciam as nossas preces. Acompanhei-a em muitas tardes ao cemitério da cidade, e diante do túmulo da familia, roguei por eles – pedindo a misericórdia divina, o descanso e a paz eterna.
No álbum de fotografias, revisitava os nossos familiares - era um retorno à história da imigração europeia para a América. Ouvia os relatos da longa travessia do Atlântico de navio, das dificuldades dos primeiros anos, do trabalho no campo. A ligação com a terra brasileira surgia logo que eu chegava de viagem: a avó Elisa me pedia que fosse ver a horta e o jardim - em que ela cultivava, com orgulho, roseiras, lírios (copos-de-leite), palmas-de-santa-rita, tomates, couve, almeirão, e onde havia uma parreira, limoeiros e figueiras
Nas manhãs em que minha avó Elisa preparava o forno a lenha para o pão e o almoço com os meus pratos preferidos – lombo assado ou bacalhau à moda transmontana – conversávamos sobre o passado – e conheci a saga dos Negrini, contada por ela, que foi amiga da minha avó Pasqualina. Todos vieram para o Brasil em busca do sonho americano, e eu procurava me reencontrar nessas esperanças de uma vida melhor. Foram anos em que refleti sobre o que o destino me reservava. Foi uma aventura às vezes inglória e desesperada, a de saber qual é o mundo que tanto sonhamos para viver e ser felizes.
Meu avô me presenteou com a bíblia do século XIX que ele ganhou do meu bisavô. Outra recordação é uma pedra: ele a usava como apoio aos papéis de embrulho. É ela a presença mais visível dele e da nossa convivência mergulhada em silêncio – que descobri mais tarde tinha sido muito feliz.
Guardei o registro de identidade do avô Marcelino – e os entreguei para meus primos Miro, Cidinha e Gustavo, que também ficaram com a bíblia e o álbum de fotografias. A estação da estrada de ferro da cidade foi demolida. A parreira, os limoeiros e as figueiras não existem mais. Não há mais documentos da história dos imigrantes - apenas as imagens e as recordações na minha memória.
Era sempre meu avô Marcelino que me acompanhava à estação de trem – e eu me despedia beijando a sua mão– e o fiz desde criança. Lembro que depois o abraçava e agradecia a garrafa de vinho que ele abrira para comemorar a minha visita.
Estava lecionando no Litoral Norte de São Paulo, e tinha vindo visitar minha mãe em Osasco – não soube que, no domingo , dois de março de 1975, em que retornava ao litoral, ele faleceu. Não havia telefone onde morava, e só fui informado na manhã de 3ª feira pela diretora da escola onde trabalhava em Caraguatatuba. À tarde procurei a solidão da praia deserta para o meu último adeus.

NOTA – O poema “Algumas palavras”, de Eduardo Guerra Carneiro, in “Antologia da poesia portuguesa contemporânea – um panorama”, org. de Alberto da Costa e Silva e Alexei Bueno, Editora Lacerda, Rio de Janeiro, 1999,pp. 371/372.













domingo, 15 de setembro de 2019

Reflexões sobre o livro "Polenta com a mão no bolso"- João dos Reis


Reflexões sobre o livro “Polenta com a mão no bolso”, de Risomar Fasanaro
Vi arriva il poeta
e poi torna alla luce con i suoi canti
e li disperde

Di questa poesia
mi resta
quel nulla
d’inesauribile segretto.
Il Porto Sepolto - Giuseppe Ungaretti

Risomar Fasanaro apresentou na tarde de 17 de agosto “Polenta com a mão no bolso” (Desconcertos Editora, São Paulo, 2018) na biblioteca “Monteiro Lobato” em Osasco. E foi para mim uma enxurrada de lembranças e emoções da história da imigração italiana no Brasil no final do século dezenove e início do século vinte.
Francisco emigra com 14 anos para a América não em busca de fortuna ou para possuir um pedaço de terra, mas uma saída para a crise no campo na Itália. A partida do porto na Itália, a chegada a Santos, a Hospedaria dos Imigrantes em São Paulo, o trabalho na fazenda de café do interior paulista, a fuga para a capital paulista, depois Osasco, e o porto de chegada: Recife. As recordações do personagem se desenrolam ao longo do livro, intercaladas com as narrativas da família: o casamento com Rafaella, os filhos e netos.
A leitura do romance da escritora trouxe de volta as recordações da minha família de imigrantes portugueses e italianos. Nos anos 80 busquei nos livros de História a saga desses aventureiros para compreender a minha própria história.
Francisco recorda as condições de trabalho no campo na Itália; e o que sempre me impressionou foram as dificuldades do cultivo do trigo, da uva, e principalmente da colheita do linho. E a descoberta de que a alimentação era basicamente de polenta e pão de milho – a farinha de trigo, o macarrão, a carne eram raros na mesa dos camponeses.
No Brasil, a situação dos trabalhadores não era muito diferente. Os imigrantes substituíram o trabalho escravo, e estiveram submetidos ao processo de exploração capitalista no campo: descumprimento dos contratos de trabalho, ausência de leis trabalhistas, falta de escolas e assistência médica e em caso de acidentes, emprego de mulheres e crianças, violências físicas e morais – espancamentos, perseguições, estupros, assassinatos.
Essas são também as recordações de Francisco: esteve nas lavouras de café do interior paulista, e depois de um protesto e greve, fugiu para a capital com o amigo Guido. Participou do movimento operário anarquista e da greve dos vidreiros em 1909, se apaixonou por Julia, um amor impossível. E chegou finalmente a Recife.
Eu sempre me perguntei: houve resistência dos imigrantes? Quais foram suas reivindicações? Risomar Fasanaro retoma essas questões por seu personagem. Não era apenas um movimento reivindicatório; havia reuniões, conferências, sessões de leitura e debates, circulação de livros e revistas, comícios, passeatas; criaram centros operários, bibliotecas, cursos noturnos de alfabetização – defendiam uma cultura proletária, uma nova sociedade. Os trabalhadores-imigrantes eram anarquistas e socialistas; tinham em comum o sindicalismo revolucionário. Por isso foram considerados agitadores, subversivos, e muitos foram deportados e expulsos do Brasil.
A diáspora italiana entre 1861 e 1920 apresente números surpreendentes: 17 milhões saíram do país em busca de trabalho; eram em geral “braccianti”, trabalhadores rurais temporários ou por contrato anual; ou famílias de meeiros, arrendatários pequenos proprietários – fugiam do processo de proletarização do campo.
“Polenta com a mão no bolso” é uma retomada da resistência dos imigrantes italianos em São Paulo e em Osasco, em que a Literatura enriquece a visão histórica com as emoções de um personagem que descobriu a fascinação das palavras. Para Julio Cortázar o romance deve ser um ato de consciência, como autoanálise, e provocar a reflexão sobre nosso destino.
Risomar Fasanaro nasceu em Recife e veio ainda criança para Osasco. Participou do grupo cultural Veredas, da Vila dos Artistas – foi uma agitadora da cultura nos anos de silêncio e medo da ditadura militar. Cursou Letras na USP; foi professora de Língua e Literatura na rede estadual de ensino de São Paulo. Escreveu poesia e crônicas para jornais da cidade. Publicou “Casa grande e sem sala”, dos anos 70; “Eu, primeira pessoa, singular” (romance); “O reencontro” (contos): e “Recinfância “ (poesia).

NOTA
I - Os livros que busquei há anos para conhecer a história da imigração italiana no Brasil foram:

1. “Brava gente – os italianos em São Paulo – 1870-1920”, Zuleika M.F.Alvim, Editora Brasiliense, São Paulo, 1986, 1ª edição, 190 pp.;
2. “Imprensa operária no Brasil - 1880-1920”, Maria Nazareth Ferreira, Editora Vozes, Rio de Janeiro, 1978, 164 pp.;
3 “Raízes do movimento operário em Osasco”, Helena Pignatari Werner, Cortez Editora, São Paulo, 1981, 152 pp.;
4.“A classe operária no Brasil – Documentos (1889-1930”, volume I – O movimento operário, Paulo Sergio Pinheiro e Michael M. Hall, Editora Alfa Omega, São Paulo, 1979, 320 pp.
II – Minha tradução do poema ”O porto sepulto”, de Giuseppe Ungaretti, página 41, “Poesie”, Grandi Tascabili Economici Newton, Roma,1992, 224 pp.
Eis que chega o poeta
e depois retorna à luz com os seus cantos
e os espalha

Desta poesia
me resta
aquele nada
de inesgotável segredo.

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Polenta com a mão no Bolso - Cupertino dos Santos


, Recebi do meu amigo Cupertino Santos, o Cuper, um belo comentário sobre meu livro "Polenta com a mão no bolso". A vaidade me impede de não divulgar o comentário, não só por vir de um amigo que estimo muito, mas também porque considero que ele interpretou muito bem o livro. Aí vai, para vocês, o que Cuper escreveu:

"Li o seu livro, um romance que combina vários elementos num formato de novela, como me pareceu: a saga de uma família com uma narrativa ora em terceira pessoa, ora em primeira, que se desenrola em duas épocas, ambas no passado, uma mais próxima e outra mais remota, primordial mo drama que se inicia na Itália, mas prossegue com a mesma intensidade no Brasil.
Em resumo, achei que você dispõe de muita informação histórica sobre a vida do Imigrante e da situação sócio-política da época do início da República, a ponto de conseguir recompor com realismo e emoção a história do sofrido personagem Francisco.
Consegue também manter um "suspense" no caso do desaparecimento da personagem Olga, cuja resolução chega quase ao final do livro.
Toda a trama ressalta a vida e os valores de uma família de trabalhadores; uma Ética de dignidade a perpassa, passando ao leitor uma lição de luta, amor e esperança."

Polenta com a mão no bolso é uma publicação da Editora Desconcertos, SP 2019.

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Crônica de um reencontro com Silda em Osasco - João dos Reis





Atendi o telefone na quarta feira – e Silda me convidou, e também Airton Cerqueira Leite, professor de Geografia, para uma feijoada na casa do Fernando no sábado, 24 de agosto. Foi um dia feliz depois de mais de duas décadas em que não nos encontramos ou conversamos.

Fernando Gimenes e Leticia, os filhos Gabriel, Felipe e Elza, e demais convidados, entre eles, Tom, Brando, Renata, Adilson, Sérgio, Rose, Marcia, Jair, Zé – ex-alunos da escola estadual “Vicente Peixoto” em Osasco - , estavam à nossa espera. Já havíamos participado de um almoço em julho de 2017 - e o cozinheiro foi Rogerio Gimenes. Foi uma alegria renovada reencontrar todos eles.

Silda Meire Dandalo Diniz terminou o segundo grau, mudou para São José dos Campos; estudou Psicologia, casou com Ricardo Valenza Diniz, e mudou para Brasília, onde mora há vinte e três anos. A distância no tempo e no espaço não apagaram as lembranças e a amizade entre o professor de Filosofia e a querida aluna.

Nos anos em que foram estudantes na escola, Sidnei e Silda me esperavam para a carona de volta para casa. Era um momento mais descontraído, depois das aulas do período noturno. Nas sextas feiras, nós e um grupo de alunos, frequentamos um bar na Avenida Dionysia Alves Barreto, e depois, a lanchonete Hortelã na Praça Duque de Caxias.

Sobre o que conversava com os jovens durante esses anos de convivência? Quais eram nossos sonhos? O que esperávamos para o futuro? E como foi o encontro nesse dia gelado do inverno de 2019 em Osasco?

Durante o almoço, eu e Airton ouvimos de vários dos presentes, palavras de reconhecimento e gratidão pelo nosso trabalho na escola. Não foi em vão a nossa crença de que é possível uma educação crítica, mas não distante do companheirismo entre educador e aprendiz.

Com Fernando e Letícia conversamos sobre o aprendizado constante de cozinhar, o cardápio do dia, o trabalho deles em instituições financeiras (ele, no Bradesco; ela, no Banco do Brasil), as novas regras da aposentadoria, a preocupação com alimentação e saúde, a reforma da casa dos fundos onde a mãe viveu. Lembrei várias vezes daqueles que estavam ausentes nesse almoço, mas permaneci em silêncio: Rogério – ele faleceu em novembro, a mãe em dezembro de 2018. Enfim, foi um diálogo com os anfitriões em que aprendi a ouvir.

Com as irmãs Meneghini, Marcia e Rose, conversamos sobre o trabalho delas em um banco e em uma empresa, minha experiência de contador de histórias para crianças em Curitiba, e sobre Osasco, que deixou de ser industrial – e a novidade para mim, que estive fora por vinte anos: a verticalização da cidade. Airton falou da participação dele em ONGs em São Paulo.

Com Ricardo, o marido de Silda, conversamos sobre a sua cidade natal, Brasília. Ele, que é engenheiro e trabalha nos Correios, analisou os riscos e acertos de uma provável privatização dessa instituição. Na tela do seu celular, nos mostrou o plano piloto e as trinta e sete cidades satélites. Foi uma visão nova para nós: conhecer a capital do Brasil por quem nasceu e vive nela.

Com Silda, conversamos sobre o trabalho dela como psicóloga e as novas teorias e práticas psicoterapêuticas, a temporada de dois anos no Rio de Janeiro. E recordei o passado que, refirmamos, não está perdido nos labirintos da memória e do esquecimento.

Disse a ela que reconheço hoje a confiança dos seus pais em permitir a sua ida nas noites de boemia das sextas feiras – e ela confirmou que eles autorizavam porque eu estava presente. Contei de um acampamento na Praia Dura no final de 1973 com os alunos do terceiro ano colegial da escola estadual “Capitão Deolindo de Oliveira Santos” em Ubatuba – e que os pais concordaram com a ida das meninas porque tinham a minha companhia.

Um tema que eu e Silda abordamos: somos nômades, eu e ela vivemos em várias cidades brasileiras. E não disse a ela: procurar um lugar para viver é onde não estaremos de passagem, e finalmente encontramos a beleza do mundo, o sentimento de viver juntos, compartilhar ideias e emoções – e de criar vínculos do coração.

Sei que a arte do encontro é muitas vezes a do desencontro - e que na vida nem sempre vamos ter a companhia daqueles a quem amamos. As novas tecnologias permitem aproximar os amigos, mas nunca substituem a presença deles em momentos de confraternização – eles, sim, estarão registrados na nossa história para sempre. E, sem eles, a vida perde seu significado maior: é quando sabemos com quem contar.

sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Jornal "Primeira Hora" - João dos Reis


Osasco: um novo jornal, o “Primeira Hora”
“Brasil: a policia que prende, tortura e mata” dizia a manchete do “Primeira Hora” do inicio dos anos 90. Na semana seguinte, estudantes protestavam em frente à Câmara Municipal – e Marcelino Jesus de Lima, jornalista do semanário, foi espancado com um cacetete por um policial quando fazia uma reportagem sobre a manifestação.
Essa é uma das lembranças da minha colaboração para o jornal, que foi fundado por Antonio Roberto Espinosa em 1985 e que circulou até 2000. Nos primeiros anos, escrevi resenhas de livros. Depois, retomei a militância pelo novo canal de comunicação: escrevi textos a partir dos relatórios da Anistia Internacional, como o da manchete acima, que foi elaborada pelo editor. Foi um desafio premeditado à truculência policial nesse inicio da redemocratização no país.
Osasco foi um bairro de São Paulo, e quando tornou-se independente em 1962, teve sempre a imagem marcada pela criminalidade. Foi uma propaganda deliberada de vincular a cidade à violência, uma represália à revolta de estudantes e trabalhadores em 1968. Finalmente, tínhamos um jornal que discutia política, economia, literatura, entre outros assuntos comuns à pauta jornalística.
A recordação ficou gravada na memória: a primeira redação na Avenida Carlos de Morais Barros, na Vila Campesina: Jesse Navarro e os jovens Fábio Sanches, Luis Brandino e Marcelino. Foi com eles que tive um convivio mais próximo. Colaboradores contribuíram com o seu trabalho voluntário para essa empreitada: as irmãs Mércia e Risomar Fasanaro, Horácio Coutinho, Geraldo Carlos Nascimento, Albertino Souza Oliva, e muitos outros.
Com a equipe de intelectuais da comunicação mantive laços de amizade – e ainda hoje tenho noticias deles, informações onde trabalham. Não sei se eles escreveram sobre essa experiência - a construção de uma nova visão da cidade da periferia da metrópole.
Minha visão e reconstrução das imagens é sempre marcada pela subjetividade. Muitos outros recortes da realidade da cidade poderiam surgir – e cabe aos personagens participantes dessa experiência contá-la para os osasquenses do novo século.
Tinha voltado ao magistério em 1984, e distribuía alguns exemplares do jornal para os representantes de classe das escolas “”Vicente Peixoto” e “José Maria Rodrigues Leite” em que lecionava Filosofia. Dizia aos alunos: “o jornal é o pão do filósofo”, o ponto de partida para a reflexão sobre o cotidiano, a realidade da cidade, do país.
A História tem um registro desses anos esquecida. Hoje, quem pretende conhecer o passado de Osasco desse período, não tem onde consultar; uma coleção com um exemplar de cada edição do jornal permanece à espera de um projeto de digitalização – e assim, torná-la acessível aos pesquisadores.
Depois de tantos anos, me pergunto: que lembranças permanecem nos meus alunos e nos leitores das inúmeras páginas que escrevemos? No arquivo pessoal da memória ficou uma entrevista realizada por Risomar com um luthier, construtor de violino. Um personagem até então anônimo, desconhecido – e que foi descoberto pela artista plástica Cristina Leite.
Fui professor por mais de duas décadas, e pensava que o discurso verbal se perdia na sala de aula. A marca desse tempo de colaboração com o jornal foi imprimir as ideias, as reflexões, as informações – uma responsabilidade de quem escreve. Porque me perguntava ao entregar os artigos para o editor: quem é o leitor? As palavras têm a força de mudar o mundo, as pessoas? Não tinha ilusão, mas sabia, com certeza, que não era um combate perdido, depois de anos de censura durante a ditadura militar.
Para os companheiros-camaradas de Osasco, a cidade proletária, dizia: o “Primeira Hora” é o instrumento que dispomos para confrontar a imprensa burguesa dominante. E, apesar do pessimismo de muitos, foi com a arma das palavras que nos preparamos para as novas batalhas do futuro.