quinta-feira, 2 de julho de 2015

"O Reencontro" de Risomar Fasanaro- resenha de João dos Reis


Livro “O reencontro (estórias)”, de Risomar Fasanaro, Editora do Autor, Osasco, SP, 2013, 200 pp.

“Talvez viesse daí seu jeito calado, seu silêncio tão incompreendido. A vida, pensou, é tão misteriosa quanto as palavras. Só que para elas ainda existe um dicionário, e a vida... A vida não tem bula, não tem roteiro, nem tradutor”, escreveu Risomar no conto “O peso da palavra”.

Os contos da escritora estavam na gaveta, aguardando publicação. Finalmente, fomos presenteados com o livro. Para quem a conhece, sabe que escrever é um compromisso diário e prazeroso: é com a construção das palavras que ela nos revela o mundo – carregado de mistérios e desencontros.

Não sei dizer qual conto me encantou mais. “Catimbó” me deixou intrigado: qual o segredo de Helena que a quase à levou à morte? Não adianta perguntar à autora: somente os personagens dominam o labirinto do destino e suas ciladas.

Em “A mulher que chorou por Proust” , Beatriz prepara um presente para um amigo distante – e o final é uma revelação das artimanhas da vida: não temos escolhas, a não ser nos entregar à companhia – e à solidão - dos livros.

A obra prima é “O braço direito” - retoma o período mais cruel e trágico da história brasileira do século XX: a ditadura militar de 1964-1985. Restaram apenas as lembranças dos mortos e desaparecidos nos subterrâneos da repressão policial . Com a linguagem literária podemos trazê-los de volta: eles estão novamente presentes na nossa memória.

Risomar Fasanaro foi professora de Literatura e Lingua Portuguesa em escola estadual de Osasco. Nascida em Recife, chegou ainda criança na cidade proletária. Foi a agitadora cultural nos anos de silêncio e medo: participou do grupo cultural Veredas, da Vila dos Artistas no Jardim Cipava, escreveu crônicas e poesias para jornais. Quando estudante da USP da rua Maria Antonia, participou dos protestos que incendiaram a imaginação dos jovens: era proibido proibir.

É difícil separar a escritora do movimento cultural e político de Osasco: esteve sempre presente nos momentos históricos que marcaram a vida da cidade. No final dos anos 70, sonhamos com a anistia aos perseguidos políticos e a volta dos exilados. Seus amigos que estiveram engajados na resistência à tirania sempre puderam contar com o apoio e solidariedade da professora-poetisa.

O sonho de liberdade esteve presente na luta contra a opressão e pelo retorno à democracia. A arte das palavras, a criação literária é possível quando abolimos as amarras do cotidiano, como bem revelam muitos dos seus contos.

Pensei que depois do prefácio e introdução ao livro por dois poetas - Antonio Belo da Silva e Cacá Mendes - não havia mais o que escrever. Em uma releitura recente dos contos redescobri a existência dos seus personagens: às vezes submersos na angústia e desolação, mas buscando desvendar o mistério do mundo – a nós cabe percorrer as trilhas que a escritora nos apresenta. O caminho da Literatura não é fácil – e não precisamos de compaixão, mas da arma da reflexão, porque é um aprendizado para toda a vida.

Falta ainda reunir e publicar em um livro a obra poética de Risomar – um novo presente para seus leitores e admiradores.

“Meu amigo chegou
me abraçou
e não disse nada

não precisava

senti sua tristeza
preparei chá
tomamos em silêncio
e ele se foi

para sempre”.
Poema “Amigo”, Risomar Fasanaro.

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