segunda-feira, 6 de julho de 2015

Litoral Norte: o reencontro com a cultura caiçara 3 - João dos Reis



Para o jovem guarani e a pescadora de Ubatuba

Na verso da fotografia de junho de 1973, está escrito: “grupo de xiba, bumba-meu-boi e rosário” – seis caiçaras estão em uma estrada de terra cantando ao som de duas violas e um atabaque. Passei o fim de semana na casa do professor Pedro Paulo Teixeira Pinto, de Literatura e Língua Portuguesa na Escola Estadual “Capitão Deolindo de Oliveira Santos” – e ele me convidou para conhecer o grupo folclórico de Ubatuba.

Pedro Paulo, pesquisador e incentivador da cultura regional, criou um grupo de teatro com jovens estudantes. Uma das apresentações foi em Ubatumirim , uma comunidade de pescadores com acesso apenas por barco pelo mar – a Rodovia Rio Santos estava ainda em construção. É a imagem mais comovente do trabalho do professor que, depois de anos vivendo em São Paulo e São José dos Campos, voltou à sua cidade natal e se engajou na preservação da identidade caiçara.

Estávamos descrentes na participação nos partidos políticos (Arena e MDB)) criados pela ditadura com o Ato Institucional número 2. Conheci em Ubatuba o jovem vereador Eduardo Antonio de Souza Netto - e lembro de que conversamos sobre a possibilidade de mudar a cidade a partir da via parlamentar. Ele me convidou gentilmente para o almoço de domingo; o cardápio: azul marinho, o prato tipico caiçara.

Nos final dos anos 70, fui com Terezinha Rosa, professora de Inglês, e Alda, médica, em uma boate de Caraguatatuba - eram em noites no meio da semana, e praticamente nós três na pista de dança. Foi para mim o encerramento dessa década de desalento e ausência de futuro. “Abra suas asas / solte suas feras / caia na gandaia / entre nessa festa / E leve com você / seu sonho louco / Eu quero ver seu corpo / lindo, leve e solto” dizia a música “Dancing Days” - de autoria de Nelson Mota e Rubens Queiroz – cantada pelas Frenéticas.

Terezinha e o sociólogo Roaldo Graciano Fachini foram amigos no curso ginasial de Antonio Benetazzo, preso, morto sob tortura e “desaparecido” – e conversamos sobre esses anos de desesperança. A greve dos professores da rede estadual em 1978 e 1979 foi o inicio da retomada das lutas que aconteceriam a partir do anos 80. Terezinha e Roaldo (em Caraguatatuba), Alfredina Nery (em São Sebastião) , e Angela Bernardes de Andrade Gil (em Ubatuba), foram algumas das lideranças no movimento grevista no Litoral Norte.

Por ordem do governador nomeado pela ditadura, Paulo Maluf, um policial comparecia todos os dias nas escolas para anotar os nomes dos educadores que estavam ausentes ou em greve. O apoio de algumas diretoras foi importante para driblar a repressão: recusaram fornecer os nomes dos faltantes ou grevistas. O governo malufista suspendeu o desconto na folha de pagamento da mensalidade sindical da Apeoesp – uma estratégia de quebrar economicamente a organização dos trabalhadores da educação. Realizamos uma campanha de sindicalização e emitimos carnês e distribuímos aos professores.

Em 1980, depois de oito anos no litoral, voltei para Osasco. E retomei o meu contato com a realidade litorânea apenas no segundo semestre de 1994: trabalhei no departamento de meio ambiente na Secretaria de Planejamento de São Vicente, convidado por Sergio Luiz Avancine. No Litoral Sul paulista o processo de proletarização do caiçara e a migração criaram zonas de pobreza – a Favela México 70, construída sobre o mangue, foi uma triste experiência. O mais chocante foi a descoberta da contaminação da região continental (bairros Quaternário e Samaritá) da cidade por produtos químicos – uma grande área estava isolada e o acesso proibido.

O reencontro com a cultura caiçara aconteceu no I Encontro Internacional dos Povos do Mar e da Mata Atlântica, realizado em São Sebastião no final de 1994 - representei a prefeitura de São Vicente. Os temas do debate: conservação das áreas de mata e a manutenção das populações tradicionais, a luta das comunidades pesqueiras, a defesa da identidade caiçara, a sobrevivência dos indígenas.

Entre os quase cinquenta participantes, a recordação mais terna foi a amizade com um jovem guarani e – uma novidade para mim – uma jovem pescadora de Ubatuba. Em vão busco recordar os nomes deles – restaram na memória apenas o afeto e o carinho que nos aproximou durante os dois dias do encontro.

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