sábado, 25 de julho de 2015

Ensino superior para a elite e o proletariado? Uma “aristocracia espiritual” na universidade? Uma reflexão sobre os 45 artigos de Antonio Roberto Espinosa- João dos Reis




“Que saia a última estrela
da avareza da noite
e a esperança venha arder venha arder em nosso peito
E saiam também os rios
da paciência da terra
É no mar que a aventura
tem as margens que merece
E saiam todos os sóis
que apodreceram no céu
dos que não quiseram ver
_ mas que saiam de joelhos
E das mãos que saiam gestos
de pura transformação
Entre o real e o sonho
seremos nós a vertigem”.
Alexandre O’Neill, poema “Canção”.

O título das minhas reflexões começa com duas interrogações – e surgiram pelas questões apresentadas por Antonio Roberto Espinosa em uma série de 45 artigos (“Algo de podre no reino da Universidade pública”), que estão sendo publicados na imprensa de Osasco.

Partindo da experiência de docente do ensino superior, o escritor retoma os concursos de que participou para uma vaga de professor na Unifesp de Osasco e do ABC para refletir e pesquisar a formação da aristocracia acadêmica, investigar os mecanismos que permitem a transformação do público em privado. “A presunção e a arrogância, além do sentimento de impunidade, constituem a marca indelével do aparelhamento da universidade pública pela burocracia acadêmica privatista”.

O primeiro artigo da série já revela as análises seguintes: “Mérito ou compadrio na seleção de professores?” O poder do saber ou, como ele mesmo diz, a reflexão sobre “o poder sobre o saber” é o caminho seguido pelo professor-filósofo.

Não pretendo – nem seria possível em uma página - explicar os mecanismos corruptos dos concursos públicos acadêmicos analisados pelo articulista. Me interessou denunciar a universidade como um aparelho ideológico do Estado: o “lucro do saber acadêmico beneficia capitalistas particulares casuais”. A “aristocracia espiritual” detêm o monopólio do saber por meio de burocratas especializados.

Pensei particularmente a identificação no domínio do conhecimento superior de “formas correspondentes de perversão: a ‘tirania intelectual’ e a ‘oligarquia espiritual’”. E a revelação na crença na palavra como um veiculo de dominação: para isso o autor recorre a Marx da Introdução de 1857 da “Para uma Crítica da Economia Politica”: a produção da realidade pelo pensamento - a elevação do abstrato ao concreto, produzindo um todo pensado a partir do devir em movimento da realidade e da ordenação do conhecimento.

Não há impiedade na expressão “fábrica de mediocridades” usada pelo jornalista-filósofo. É uma tentativa de lamentar e descrever o processo de burocratização dos mecanismos de seleção de professores – um instrumento de reproduzir e perpetuar a ideologia dominante. E dizer que o saber acadêmico é “apenas uma das formas de conhecimento, não a única”. O professor-candidato a uma vaga na universidade lembra aqueles que foram excluídos da academia: Jacob Gorender, Karl Marx, Mauricio Tragtenberg, Albert Einstein, para citar alguns deles.

Quais as sugestões para os concursos de novos professores para a universidade? O ex-guerrilheiro da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares apresenta, entre outras propostas, a introdução de alunos de graduação e de membros da comunidade no exame da prova didática (uma aula pública) – e também como fiscais em todas as etapas do processo de seleção. A avaliação do mérito e a transparência do processo seletivo envolve uma transferência do poder de uma classe que domina o Estado para a gestão direta da sociedade – o inicio de uma proposta de reforma.

Recordei o ano de 1968 em que houve a ocupação do prédio da Faculdade de Filosofia da rua Maria Antonia por alunos e professores, e das fábricas de Osasco pelos operários. Participei dos cursos livres e das discussões sobre uma “Universidade Crítica”- uma experiência revolucionária em Berlim e Paris. O debate era: qual era a universidade dos nossos sonhos? As palavras de ordem da revolta estudantil-operária: “é proibido proibir”, “a imaginação no poder”, “a humanidade só será livre quando o último capitalista for enforcado com as tripas do último burocrata”.

Mais tarde, em 1980, o sonho de um fórum de debates com o proletariado foi o ponto de partida para a elaboração do projeto de educação da Frente Nacional do Trabalho em Osasco. Intelectuais, muitos deles não ligados à academia, concordaram em ir à periferia das cidades da Região Metropolitana Oeste para dialogar com os trabalhadores. O Brasil vivia ainda sob o terror e a repressão da ditadura militar, mas acreditamos na força do saber e da reflexão – e Antonio Roberto Espinosa, estudante-trabalhador na fábrica Cobrasma que cursou Filosofia na USP, foi um dos pensadores convidados.

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