quinta-feira, 11 de junho de 2015

Canto de saudade a Curitiba- João dos Reis




Há “uma Curitiba que te promete um paraíso de campos bordados de bostas, onde vacas opalescentes ruminam tenros crepúsculos, e uma Curitiba que te atira no inferno da existência, no qual demônios de hálito doce e ancas lascivas rasgam tua carne com unhas esmaltadas de gangrena”. Jamil Snege, “Canto de amor e desamor a Curitiba”.

Estava em um bar no bairro Santa Felicidade - o jovem Ewerton Antunes me contou do incêndio na casa: perdeu roupas, móveis, mas a desolação maior foram os livros e discos devorados pelo fogo. Depois, comprei para ele um sobretudo, luvas e um cachecol para enfrentar o duro inverno curitibano – e dei de presente livros e discos.

Escurecia em um fim de tarde gélida – e encontrei Mazé (Maria José Mendes) na lanchonete do Parque Barigui. Abracei-a, e apesar de agasalhado, me sentia congelando - e disse como foi difícil atravessar a cidade, enfrentando o frio e o vento polar, para vê-la.

No carro com Arthur, esperando a volta do pai, Ewerton, fiquei emocionado – ele me contou do acidente da mãe. Não sei dizer quem estava mais desamparado - um adulto ou um piá curitibano de três anos.

Muitas outras vezes, encontrei os meus amigos paranaenses. Com Arthur, fui ao teatro de bonecos, ao parque de diversões, almoçamos juntos, estive na escolinha onde estudava para vê-lo – era uma criança adorável. Presenteei-o com livros, contei histórias infantis. A que ele mais gostava: a do Patinho Feio - era um prazer inventar a narrativa para prender a atenção e comover com o destino do personagem.

Morava no outro extremo da cidade, e por isso, conversei muitas vezes com Mazé por telefone. Fui às exposições de seus quadros – uma retrospectiva na Escola de Música e Belas Artes, “Identidades paralelas” na Casa Andrade Muricy, e “Matiz” em uma galeria. Foram experiências novas: conhecer a artista e a obra de arte.

Foram momentos da minha vivência em Curitiba no inicio dos anos 2000: eles foram meus companheiros de viagem na aventura desesperada – o eterno retorno ao passado - para construir um futuro. Foram momentos felizes?

Passei um réveillon com Ewerton e Arthur – estávamos distantes dos parentes e amigos de juventude. Ele foi o chef de cozinha e preparou o jantar; conversamos sobre a sua cidade, Cascavel, no interior do Paraná. Éramos três tristes? Em um outro réveillon, estive com Mazé e seus amigos comemorando o Novo Ano. Lembro que conversei sobre minha temporada na cidade em que viveu a poetisa Helena Kolody, onde éramos “estrangeiros”. Estávamos alegres?

São Paulo estava distante do meu horizonte. As noticias vinham das cartas dos amigos Risomar Fasanaro , Marcelino Jesus de Lima, Alberto Abib Andery e Albertino Souza Oliva. Parece que não veria mais a minha cidade natal, Duartina, e a cidade proletária de Osasco . Foram momentos de solidão?

Registrei as interrogações sobre a felicidade, a tristeza, a solidão – porque eu não sei as respostas. Foram, sim, momentos de descoberta da força da amizade, da solidariedade.

Ewerton é hoje um “restaurateur” e sommelier; Mazé continua criando beleza com seus quadros; Arthur é um jovem estudante – são os meus caros amigos da longa jornada no Sul do Brasil.

“Meu coração de polaco voltou / coração que meu avô / trouxe de longe pra mim / um coração esmagado / um coração pisoteado / um coração de poeta” - Paulo Leminski

Nenhum comentário:

Postar um comentário