sexta-feira, 12 de junho de 2015

Canto de saudade a Curitiba 3 - João dos Reis


Canto de saudade a Curitiba 3

“Meu coração,
É um quarto de espelhos,
Que reflete e multiplica,
Infinitamente,
Uma impressão”.
Helena Kolody, inicio do poema “Sensibilidade”.

Felis Penkal veio ao meu encontro na Lanchonete Badech em Araucária, PR, com um pacote de feijão – que ele plantou e colheu. Foi um dos presentes que recebi mais inesperados e preciosos.
Depois, para retribuir a gentileza do jovem agricultor, disse que lhe mostraria o mar – que ele ainda não conhecia.

Cumpri a promessa: combinamos um dia e fomos até Paranaguá. Almoçamos, passeamos pelo porto, estivemos no Mercado Municipal para comer pastel de camarão. No Iate Clube, realizamos um passeio de barco pela baia: foi a primeira visão dele do oceano Atlântico. Depois, à tarde, caminhamos pela praia.

Perguntei sobre os antepassados poloneses: se conversavam em casa e se ele entendia a língua do compositor Frederic Franciszek Chopin. Tinha curiosidade em conhecer a comunidade da Europa Central na região metropolitana – como eram as festas, as relações de amizade e de parentesco. Com ele aprendi a pronunciar corretamente “pierogi”, um pastel típico da Polônia.

As preocupações de Felis eram com a terra, o clima – a semeadura, a colheita de soja, milho, feijão . As mudanças da estação – verão, outono, inverno, primavera – eram o assunto principal em nossas conversas. Será que choveria? Ou haveria um período de seca? Procurou mudar de ocupação e conseguiu um emprego em uma madeireira; uma única vez o ouvi reclamar: era um trabalho muito pesado – e voltou para a lavoura. Eu o observava, mergulhado em silêncio: ele estava feliz?

O jovem Moacir Moreira Carvalho terminou o serviço militar na capital e voltou para Santo Antonio de Caiuá ,PR . Sempre me telefonava – e eu sabia das dificuldades de emprego no interior. Depois, trabalhou como vendedor pelos Estados do Sul. Às vezes eu recebia um telefonema de Santa Catarina ou do Rio Grande do Sul: era o viajante solitário me dando noticias da sua longa jornada.

Em uma das passagens por Curitiba, combinamos um encontro: almoçamos, passeamos pela cidade: no Memorial de Curitiba, no Passeio Público – e ele me disse: estava feliz por estar novamente na capital paranaense. Nenhum de nós tinha um projeto de vida definido para o próximo ano: o que o destino nos reservava?

Com Moacir, fiquei sabendo como era a realidade no Noroeste do Paraná. Quando ele partiu definitivamente da sua cidade natal, me contou da reunião do adeus à margem do rio da sua cidade. Seus amigos de infância e adolescência estavam presentes – e foi também a passagem para um novo tempo. Ele foi morar em Itajaí, SC, onde já se encontrava um dos seus irmãos. Depois, foi a minha vez de partir de volta para São Paulo - e fui à cidade portuária de Santa Catarina me despedir.

No encontro de despedida com Felis, ele me trouxe um novo presente: um pacote de pinhão – que ele e suas irmãs recolheram um a um do chão – uma colheita que só é possível depois da queda da pinha do pinheiro-do-paraná.

Em minha casa dem Cotia, recebi três telefonemas: no réveillon de 2005, a noticia do falecimento do pai de Felis, e depois, a do nascimento de Juan Guilherme; e um telefonema de Moacir: o nascimento de João Victor.

Hoje, Moacir trabalha em uma fazenda em Luiz Alves, SC. Felis vive no sitio da família em Araucária, PR.
Conversamos por telefone ou por mensagem de texto: como está a vida, os novos desafios do presente, o trabalho na terra. Os piás, um catarinense e um paranaense, são o futuro dessa história de amizade e de esperança em dias melhores no Sul do Brasil.

“Você nunca vai saber
quanto custa uma saudade
o peso agudo no peito
de carregar uma cidade
pelo lado de dentro”.
Paulo Leminski, inicio do poema “objeto sujeito”.

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