quinta-feira, 19 de março de 2015

RECORDANDO Dona ANA CARA ESPINOSA ou Como dizer adeus - João dos Reis


RECORDANDO Dona ANA CARA ESPINOSA ou Como dizer adeus

Estávamos em 1974 - e me despedia do Espinosa na varanda da casa dele, na rua Mal. Bitencourt, em Osasco. Ele havia saído da prisão depois de 4 anos. Tinhamos conversado sobre esses anos de isolamento, mas não tive coragem de perguntar a ele como foI a solidão do cárcere. Ele me mostrou as inúmeras anotações que fizera da leitura de “O Capital” de Karl Marx. Na saída, Dona Ana Cara Espinosa , a mãe dele, estava presente – e eu não sabia como encerrar a visita. Olhava para eles, e as palavras desapareceram.

Nesse dia, voltei para o Litoral Norte de São Paulo, onde trabalhava desde 1973 como professor de Filosofia. Quando vinha à cidade proletária visitar minha família, telefonava ou visitava o amigo de adolescência. No inicio dos anos 70 não tínhamos ilusões. O que os golpistas de 1964 planejavam para essa década? Como os sobreviventes da repressão, da tortura enfrentariam o presente e planejariam o futuro?

Recordava a Revista “Veja”, que registrou a prisão de Espinosa, Maria Auxiliadora Lara Barcelos e a morte sob tortura de Chael Charles Schreier. Era dezembro de 1969, e estava na casa de um amigo, militante do POC (Partido Operário Comunista), que foi preso no ano seguinte por 8 meses. Em setembro de 1970, li no jornal que um dos meus contatos com a VAR-Palmares tinha sido presa. As lembranças retornavam: o cerco aos resistentes à ditadura militar foi cruel e implacável.

Em Osasco, sabia que companheiros da greve de 1968 – José Groff, Antonio Vieira de Barros - estavam na lista do Dops e não conseguiam emprego nas fábricas. Não tínhamos noticias dos que estavam presos e “desaparecidos”. As detenções arbitrárias continuavam - Albertino Souza Oliva esteve no quartel da Av. Tiradentes – e não tínhamos informações dele e nem o motivo da prisão. Meu amigo de escola, José Campos Barreto, foi morto com o Capitão Carlos Lamarca em uma emboscada no sertão da Bahia.

Em Caraguatatuba, uma das mais belas paisagens brasileiras, me vi muitas vezes isolado e angustiado. Olhava para o mar à minha frente e a montanha do outro lado, e me sentia desesperado.

Encontramos às vezes nessa viagem transitória pelo nosso planeta pessoas que nos oferecem momentos de alento e esperança. Já mencionei várias delas antes – Antonia Carlota Gomes, Olga Ribas de Andrade Gil, Ângela Bernardes de Andrade Gil, Estevão Miklos Arato. Foram eles – entre outros personagens queridos - que tornaram possível enfrentar a década de 70. Que eu chamo os anos desesperados.

Mais tarde, em meados de 1980, voltei para Osasco. Decidi, com o apoio dos camaradas da Frente Nacional do Trabalho, confrontar a tirania com o poder da palavra. Contra a opressão, o medo, o terrorismo de Estado, acreditamos na força da classe trabalhadora.

A imagem sempre reaparece: os três na varanda da casa: Espinosa e sua mãe, Dona Ana – e eu sem saber o que dizer. Ficou gravado na memória: descobri nesse dia, mais uma vez, como é difícil encontrar as palavras para a despedida.

Disse adeus muitas outras vezes em minha vida – e todos eles foram dolorosos – e não há como evitar a dor, a tristeza e a saudade. Necessitamos das palavras para revelar nossos sentimentos e emoções – e nem sempre aprendemos ou sabemos como dizer adeus.

2 comentários:

  1. Sonho com ela toda semana, minha amada e adorada vózinha, espero e vou vê-la novamente.

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  2. Lindo texto, João! e que bela declaração de amor do Fábio à sua avó...

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