domingo, 4 de janeiro de 2015

RECORDANDO ESTEVÃO MIKLOS ARATO, a FNT e a redemocratização - João dos Reis



"Se me perguntarem o que é a minha pátria, direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha pátria
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas".

(Vinicius de Moraes, "Pátria minha")

(Para Alberto Abib Andery, que vive na Casa São Paulo na capital paulistana)


A violência do Estado chegou à educação durante a ditadura militar. A Filosofia foi proibida e eliminada do currículo escolar. Na escola “Thomaz Ribeiro de Lima”, em Caraguatatuba, me atribuíram aulas de várias outras disciplinas. Lecionei durante 5 anos Relações Humanas, Programa de Informação Profissional, Educação Moral e Civica, Cultura Contemporânea, entre outras. Tinha também o cargo de Orientador de EMC – criado pelo regime repressor para “despertar o patriotismo entre os jovens”.

Nos últimos anos no Litoral Norte tive a amizade, o companheirismo de ESTEVÃO MIKLOS ARATO.Paulistano da Vila Anastácio, era filho de imigrantes iugoslavos - viveu a história dos pais, saindo da Europa e de uma nação em crise. Era um adolescente de 16 anos quando foi meu aluno. Inteligente, critico, foi o meu irmão-camarada nesses anos de incertezas.

Conversávamos sobre os rumos da redemocratização no Brasil e na América Latina. Contei a ele do Centro de Direitos Humanos em Osasco, das viagens ao Chile, Argentina, Paraguai. Ele me emprestou o “Querida família”, cartas da prisão de Flavia Schilling. Com ele, um jovem amigo, pude debater política, literatura. Era um grande leitor, e procurei deixá-lo livre para descobrir o mundo dos livros.

Em 1980, perdi todas as aulas para os professores concursados. Como na adolescência, fiquei novamente desempregado, angustiado com o futuro. Albertino Souza Oliva e o grupo da Frente Nacional do Trabalho em Osasco fizeram uma proposta. Criar um projeto de educação popular para a periferia da Região Metropolitana Oeste (Osasco e cidades vizinhas).

Aceitei o desafio de confrontar a ditadura com a arma da conscientização. Tivemos o apoio das Pastorais (de Direitos Humanos, da Juventude, Operária), JOC, ACO, Encontro de Casais com Cristo, Comunidade Kolping, e comunidades eclesiais de base. Durante quase 4 anos, houve um debate mensal, em que convidamos aqueles que estavam marginalizados pela censura e repressão - Florestan Fernandes, Salvador Pires, Dalmo de Abreu Dallari, Waldemar Rossi, Maria Nilde Maschellani, Paulo Schilling, Paul Singer, por exemplo.

Apresentamos também temas para grupos de estudo – sobre Economia, Fé e Política, Educação, Saúde Mental, Filosofia, Psicologia, Comunicação. Alguns deles: Reginaldo C. de Moraes, Antonio Roberto Espinosa, Jorge Baptista Filho, Gabriel Roberto Figueiredo, Padre Agostinho (Marcelo Duarte de Oliveira), Paulo Proscurshim, Jorge Broide, Plinio de Arruda Sampaio, Paulo Freire, Helena Pignatari Werner, Francisco C.Weffort.

Estevão foi prestar o serviço militar em São José dos Campos, eu estava novamente em Osasco - e voltei para a escola pública em 1984. Ele terminou depois o curso de Jornalismo. Mantivemos contato por telefone ou por carta; às vezes combinávamos um encontro. Depois da morte do seu pai, ficou dois anos nos EUA. Na crise do inicio dos anos 90, era ele que esteve desempregado. Em 1999 fui para Curitiba e não tive mais noticias dele; deve ter ido de novo para a sua nova pátria.

Estevão partiu para o Norte, eu para o Sul. Apesar do tempo e da distância, as lembranças do jovem discípulo irrompem na memória e inundam meu coração de saudades.

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