domingo, 27 de novembro de 2011


“Vento do Amanhecer em Macambira”

O que mais fica na gente
é a sensação das coisas
inacabadas
(risomar)
Enquanto ouço as “Bachianas” de Villa Lobos releio “Vento do amanhecer em Macambira” de José Condé, presente de meu amigo Antonio Belo. São apenas oitenta páginas: um tesouro.
Ouvir música instrumental enquanto leio ou escrevo é um hábito antigo, e não poderia escolher trilha sonora mais adequada. Não sei por quê. Não conseguiria explicar.
Nunca havia lido nada do Condé e a primeira sensação é de deslumbramento. Nenhuma palavra a mais, nenhuma palavra a menos neste romance denso, em que dois polos se opõem: o passado e o presente, a cidade e o sertão, o que se teve e se perdeu.
Um homem vai em busca de um grande amor que ficou no passado, mas não consegue resgatar nem a paisagem, nem a mulher, e na verdade nem ele mesmo, que hoje é outra pessoa, e tudo que pertencia àquele mundo que ele busca está morto.
Na pequena vila um bando de cangaceiros ameaça a calma da cidade, assim como as lembranças ameaçam a vida do engenheiro. Seria ele a mesma pessoa se reencontrasse Lívia?
Ou seriam os cangaceiros uma metáfora do tempo, esse senhor que tudo devora?
Constatamos neste belíssimo romance a força da imaginação de uma pessoa que ainda guarda lembranças de alguém, e que por isso é capaz de trilhar o tênue fio que separa a lucidez da loucura e materializar o ser amado.
Lívia no romance simboliza aquele sonho inacabado que se perdeu ao longo da existência de muitos de nós, e que a vida inteira iremos buscar em um rosto, um jeito de sorrir, o modo de olhar. Busca inútil. A imaginação preenche as lembranças do que, na verdade, é irrecuperável.

E como tão bem disse Bandeira: “a vida inteira que poderia ter sido e que não foi”. Ou como diria Drummond: Lívia “é apenas um retrato na parede”.

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