segunda-feira, 5 de maio de 2025

Recordando - reencontro com Jurema A. R. Valença - João dos Reis

RECORDANDO o reencontro com JUREMA AUGUSTA RIBEIRO VALENÇA em 2011 Em 1966 iniciei uma aproximação com o PCB e participei de algumas reuniões de uma célula em Osasco. Foi no ano seguinte que começou o processo de cisão que deu origem à ALN de Marighella. Na reunião em que se discutiu a luta armada contra a ditadura, não lembro de tomar uma decisão. Maria Aparecida Bacega esteve presente nesse dia. Foi somente mais tarde que li o livro de Régis Debray, “Revolução na revolução”: a crítica ao imobilismo e conformismo do partido foi decisiva para a aproximação com os grupos guerrilheiros. Desde final de 1969 estava em contato com militantes da VAR-Palmares, discutindo propostas e documentos da organização. Estava informado da primeira queda de alguns líderes no final desse ano e inicio de 1970. O debate nesse momento era entre o trabalho político com operários e trabalhadores do campo, a luta armada, a guerrilha revolucionária.Quando em setembro de 1970 “Maria” (nome de guerra) não compareceu ao “ponto” (de encontro), fiquei preocupado. Havia um segundo ponto _ a que deveria comparecer algum companheiro da organização. Ninguém compareceu ao local combinado. Não lembro de como fiquei sabendo de que todos tinham sido presos. Um dos companheiros havia me dado para ler um livro de Henri Alleg sobre as técnicas de tortura usadas pelos franceses na guerra de independência da Argélia. Hoje recordo esses dias e meses de tensão e angústia. Maria estaria suportando as sessões de tortura? Ela abriria o nosso “ponto”? Decidi que deveria continuar no meu trabalho e estudando; tranquei a matricula no curso de Filosofia na USP, mas nesse semestre ainda terminei uma disciplina optativa nas Ciências Sociais (Teoria Politica) com Francisco C.Weffort. Não tinha com quem conversar sobre todos esses fatos. Meu melhor amigo (do POC) estava preso há alguns meses. Foram momentos de solidão. Em 1974, na única viagem que fiz ao Nordeste brasileiro, passei uma noite em Salvador. E, por um feliz acaso, encontrei “Maria” em uma lanchonete, que nesse dia descobri que se chama Jurema. Fiquei aliviado, depois de mais de três anos, em saber que ela sobrevivera à tortura e à prisão. Foi um encontro rápido, e perdemos o contato novamente. Li na “Folha de S.Paulo (08/12/2007) que Dilma Rousseff chamara para trabalhar na Casa Civil duas ex-companheiras da VAR-Palmares. Entrei em contato com Jurema, trocamos cartas e e- mails, conversamos por telefone. E somente em 2011 fui revê-la em Salvador e retomar o diálogo interrompido há 40 anos. Fiquei sabendo que ela foi poupada de novas torturas porque dias antes havia sido preso Eduardo Leite (o Bacuri) _ e os torturadores foram brutais: foi um dos presos mais barbaramente torturados (muitos o foram, mas nunca saberemos, porque estão mortos e desaparecidos). Quando fui encontrar Jurema em Salvador, já havíamos trocados fotos nossas da época e recentes. E brincamos que eu deveria ir com um jornal debaixo do braço: era a senha em 1970 de que estava tudo bem, de que não havia uma cilada armada pela repressão para nos prender. Esperei-a com um jornal debaixo do braço e um buquê de rosas nas mãos. Do companheiro que era meu contato em Osasco, “Cido”, nunca mais tive noticias; acredito que ele vive em algum lugar do Brasil. A repressão da ditadura militar não foi capaz de impedir esse encontro com Jurema – e a retomada do diálogo e da amizade interrompidos há 40 anos. Segue abaixo a foto de identificação na prisão em 1970 de “Maria” (Jurema), que recebi dela antes de viajar em 2011.