O filme-documentário de Anita Leandro (2014, 71 min.) retoma a história de Maria Auxiliadora Lara Barcellos, Antonio Roberto Espinosa e Chael Charles Schreier. Militantes da VAR-Palmares que foram presos no Rio de Janeiro em novembro de 1969. Chael foi morto sob tortura 24 horas depois. Maria Auxiliadora, depois do sequestro do embaixador suíço, foi para o exílio; suicidou-se em Berlim em 1976. Roberto Espinosa era o único sobrevivente desse período que estava presente no sábado, 1º de novembro, no Espaço Itaú-Frei Caneca em São Paulo.
Conhecia algumas das fotos porque foram exibidas durante a audiência pública da Comissão Nacional de Verdade no Rio em 25 de janeiro. Fui convidado para a diligência na Policia do Exército da Vila Militar/Realengo no dia anterior. Na volta da viagem, estive uma semana sob o impacto das emoções, das lembranças. Ver as fotos dos camaradas antes das prisões, depois das sessões de torturas, foram imagens que ficaram gravadas para sempre na memória. Relembro os corpos ensanguentados, identificados por números como criminosos.
Assistir ao filme foi uma retomada dessas recordações. O documentário de Anita prova, por meio das fotos e documentos, que Chael não morreu em um tiroteio ao ser preso. Ao contrário do que afirmava um documento da repressão, revelado no filme – que é a prova definitiva que ele chegou à PE/V.Militar ainda vivo e sem ferimentos.
No filme, ouvimos os depoimentos de Reinaldo Guarany Simões, militante da ALN – que foi casado com Maria Auxiliadora na Alemanha - e Roberto Espinosa. A voz e a imagem de Maria Auxiliadora em dois depoimentos gravados no exílio no Chile Foi o contraponto às fotos e documentos. O que salvou a sua vida, disse Espinosa, foi a publicação da Revista "Veja" (nº 66, 10/12/1969), que denunciou a tortura e morte de Chael no quartel do Exército. Chael era filho único, e a mãe, Emilia Brickmann Schreier, morreu há três anos, quando completaria 90 anos. Ter conhecido e assistido ao filme ao lado da prima dele, Shirlei Scheier, foi outra emoção que não esquecerei.
Anita disse no debate que foram quatro anos trabalhando com as imagens, gravações de depoimentos, documentos descobertos nos arquivos da repressão da ditadura militar - até a finalização do documentário. Entre todas as intervenções dos participantes, foi a que mais me impressionou: a solidão da cineasta na sua casa, em frente ao computador, convivendo com aquelas imagens. Retratos vivos, corpos nus, a voz dos mortos e sobreviventes, o silêncio - a imaginação fica plena de registros trágicos.
Esse passado está esquecido pelos jovens do novo século. Um tempo de recordação, mas também de ascensão de movimentos fascistas na sociedade brasileira.
A reconstrução da memória na História não acontece sem as batalhas do presente. Rever os crimes cometidos durante os anos de tirania, identificar os assassinos, – eis a tarefa que nos espera. Aguardamos ainda hoje – e até quando? - a Verdade, a Justiça, a criminalização dos que violaram o direito sagrado à vida .
(*)“RETRATOS DE IDENTIFICAÇÃO” – Anita Leandro, 2014, 71 min.
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