Antes que desça a noite / imprimir na retina / os rostos amados, / o sol / as cores / o céu de outono / e os jardins da primavera. / Inundar de sons / de vozes / e de música eterna / os ouvidos / antes que os atinja / a maré do silêncio. (...) ("Antes". - Helena Kolody)
Vim para S.Paulo no inicio de 1961. Em Gália (SP), estudava no 1º ano diurno do ginasial. Em Osasco, havia apenas no periodo noturno no Ginásio Estadual de Presidente Altino, que tinha sido aberto recentemente. Os alunos eram em geral adolescentes, adultos - e eu tinha 12 anos. Lembro do tratamento atencioso e paternal de Josué Augusto da Silva Leite, professor de História, e de Fernando Buonaduce, professor de Latim e Português. E da liderança no movimento estudantil de Gabriel Roberto Figueiredo.
Eu morava no Bela Vista, muitos quilômetros distante da escola. A queda de energia elétrica era comum, as aulas eram interrompidas. Tinha medo de ir embora sozinho. A presença amiga foi do estudante, colega de classe, Estanislau Dobbeck. Ele era um adolescente, e algumas vezes me deu carona na sua bicicleta - foi o acompanhante solidário até à minha casa. Nunca tive a oportunidade de agradecer a ele esse cuidado de irmão para com uma criança.
Estanislau mudou para a capital, mas como votava na cidade, nos encontramos às vezes durante as eleições. Quando a oposição conseguiu ganhar o sindicato dos professores, a Apeoesp, reencontrei-o – ele era da assessoria de economia. Muito mais tarde, antes de me mudar para Curitiba, encontrei-o em uma festa do PT. Tinha noticias dele: assumiu vários cargos: na Câmara Municipal e na Prefeitura de Osasco, colaborou com a campanha e com o programa de governo do Partido dos Trabalhadores na cidade.
Ele é um dos personagens que sempre recordo. Nunca pensei em desistir de frequentar a escola. Com o incentivo da família e dos professores, valorizava o acesso à cultura e ao saber. Sabia pelas aulas de História que não era um privilégio de uma classe social, que eu tinha direito à educação. Era um piá, ainda tinha o medo infantil do escuro no bairro paulistano, abandonado pelo poder público. A emancipação só aconteceria no ano seguinte, em fevereiro de 1962.
Na Paulicéia Desvairada do poeta Mario de Andrade, perdemos os contatos, os amigos de infância, de adolescência. Muitos deles nunca mais tive noticias nem os vi nas ruas, nos shoppings, nos cinemas. Estão anônimos na grande metrópole, e não sabem muitas vezes do nosso carinho, da nossa gratidão do passado.
Estanislau Dobbeck não foi esquecido nos arquivos da memória. Teve um gesto de gentileza, de solidariedade fraterna - uma pequena contribuição, porém valiosa, para que eu continuasse o caminho até o colegial e a universidade.
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