terça-feira, 17 de julho de 2018

Recordando José Campos Barreto (1945-1971) - João dos Reis


JOSÉ CAMPOS BARRETO, o Barreto para os amigos do colégio, nasceu em Buriti Cristalino/Brotas de Macaúbas, Bahia. Cursou o ginasial no Seminário de Garanhuns, em Pernambuco. Veio para S.Paulo em 1964; foi aluno do curso Clássico do Colégio Estadual "Antônio Raposo Tavares" (Ceneart) em Osasco nos anos 1965/1967. Foi Presidente do Circulo Estudantil de Osasco (CEO). Trabalhou na fábrica Cobrasma; líder operário na greve de 1968 em Osasco, quando foi preso - ficou na prisão 98 dias. Militou na VPR e na VAR-Palmares. Morreu no sertão baiano em 17 de setembro de 1971 junto com o Capitão Carlos Lamarca.

Era meu amigo e colega de turma no curso colegial: alegre, inteligente, culto, musical (sempre com um violão debaixo do braço), leitor do filósofo Bertrand Russell, do escritor João Guimarães Rosa (foi ele que me emprestou "Grande sertão: veredas"). Soube da prisão, das torturas depois da greve de Osasco em 1968 porque meus amigos Jesse Navarro e Maria Aparecida Medeiros foram escolhidos por ele para visitá-lo no DEIC/DOPS.

Ele passou no fim do expediente no meu trabalho, fui de carona na bicicleta dele visitar um outro amigo. Foi, talvez, nosso último encontro - as palavras desapareceram da minha memória, mas as imagens permanecem.





segunda-feira, 16 de julho de 2018

16 de julho de 1968: a Greve de Osasco - Risomar Fasanaro



26 de julho de 1968: a Rua da Estação estava completamente deserta. Um vento frio soprava sobre os trilhos, levantando alguns panfletos. Abaixei-me e apanhei um. Estava sujo, úmido e rasgado. Ora, já fazia dez dias que os operários tinham entrado em greve, mesmo assim ainda existiam alguns daqueles panfletos? Foi a pergunta que me fiz. Não, não era. Era o folheto de uma vidente que prometia desvendar o futuro.E prometia a felicidade a quem a consultasse Saberia ela o que iria acontecer com Barreto, Espinosa, Groff, João Joaquim, Roque, e tantos outros? Teria ela poderes para mudar os seus destinos?

As traças da memória teimam em apagar as imagens daquele dia 16 de julho, mas não conseguem. Elas permanecem impressas com mais nitidez do que qualquer filmadora hoje consegue registrar os acontecimentos.

Naquela manhã do dia 16 de julho, quando a sirene da Cobrasma que todos os dias tocava pontualmente às seis, às doze, e às dezoito h, excepcionalmente tocou às 8h45, a cidade se surpreendeu. Alguma coisa estranha estava acontecendo.

Só os operários sabiam que aquela era a senha para paralisarem as atividades e ocuparem, primeiramente, a Cobrasma e depois as outras fábricas nos horários combinados nas reuniões de preparação do movimento.

Era um dia muito frio e assim que a notícia da greve chegou ao poder, o centro da cidade foi totalmente tomado por tanques de guerra e brucutus. Muitos policiais e militares do exército circulavam pelas ruas, ou ficavam parados nas esquinas. Os quartéis de Quitaúna entraram em prontidão e, por isso, todos usavam roupas camufladas.

A população, que já vivera aquele clima quando se instaurou o golpe militar, voltou a ficar amedrontada. Em quase todas as famílias existia algum operário, e quem não tinha nenhum familiar nas fábricas, tinha amigos, por isso todos estavam apreensivos.

Meu pai fora ao mercado municipal naquela manhã e trouxera a notícia: a Cobrasma está em greve. As ruas do centro estão lotadas de tanques de guerra e soldados do exército. Ouvindo aquilo, senti um aperto no coração. Ali trabalhavam meus amigos, estudantes-operários com quem me reunia aos domingos na Biblioteca Monteiro Lobato para discutir política estudantil. Fiquei apreensiva.

Na hora do almoço, Leovil, um amigo de infância que morava em minha casa, e trabalhava na Cobrasma, chegou contando: “a fábrica está em greve e seu amigo Roque estava lá de manhã, com um revólver na mão, impedindo a entrada dos operários.


Naquele dia, as mulheres e crianças que ficavam encostadas na cerca em frente à fábrica na hora do almoço, com as marmitas que traziam para os familiares, sempre amarradas em panos de pratos muito brancos, não vieram.

Assim que soube, liguei o rádio e fiquei escutando as notícias, mais ágeis que as da tevê, que naquele tempo reproduziam mais chuviscos que imagens.

Na verdade, só muitos anos depois vim a conhecer alguns detalhes daquela greve. E são tantas histórias, tantos fatos, que aqui só posso me ater a algumas pinceladas, que retirei de um livro que comecei a escrever e não sei se um dia irei terminá-lo.

Entrevistei vários daqueles grevistas e ouvi deles que logo pela manhã as sandálias franciscanas de José Campos Barreto, o principal líder da greve, rebentaram e ele ficou andando descalço ali dentro da fábrica entre limalhas de ferro e cavacos de madeira, orientando o movimento. Correndo o risco de se ferir.

Por ordem do comando de greve, os operários desligaram as luzes assim que deflagraram a paralisação, todos caminhavam no escuro; isso dificultava a ação da polícia, pois os operários conheciam bem o local.

Contudo, o momento difícil que viveram não os impede de relembrar algumas cenas pitorescas.


Havia na seção de acearia um depósito de areia que se utiliza na confecção dos moldes e que ficava na parte externa. Era uma duna enorme, com uns 400m só de areia.
João Joaquim conta que “o medo era tamanho que dois operários, apelidados de Quingão e Quinguinho, se enterraram naquela areia e ficaram apenas com o pescoço de fora. A repressão passou várias vezes por eles, sem vê-los, por pura sorte...

Quando a polícia entrou na Cobrasma, João Joaquim correu e entrou em uma caixa de fundir aço e se escondeu lá dentro. Aí os policiais o descobriram e começaram a gritar: Ah...seu negro desgraçado, você está aí? E ele, que é muito bem humorado, saindo da caixa gritou: “srs. Policiais, olhem que incêndio danado!!!...” Quando os policiais se viraram para a direção que ele apontava, João Joaquim pulou a caixa e saiu correndo.

Outra passagem engraçada foi com Albino Pinto Rosa, um evangélico. Ele também se escondeu em uma caixa; quando os policiais iam saindo, Albino se levantou e gritou: Glória a Jesus, irmãos! Os soldados se voltaram e vendo-o, exclamaram: ah...é glória a Jesus, é? E o levaram embaixo de cassetadas.


No início da noite, os grevistas aproveitaram alguns gravetos, restos de papéis e de plástico e acenderam fogueiras em torno dos muros, no interior da fábrica. Elas possibilitavam a visão do pessoal de confiança deles que ficava em torno dessas fogueiras. Ninguém podia sair, nem entrar.

Os líderes permaneciam ali, junto com cinco, seis companheiros em torno das fogueiras, porque alguns operários, com medo, ficavam apenas alguns instantes e saíam, e com a permanência dos líderes ali, junto com eles, se sentiam mais seguros. As fogueiras possibilitavam à liderança saber com quantos podia contar.

Inácio Gurgel, diz que elas davam um ar lúgubre ao ambiente e que até hoje aquela lembrança lhe traz uma sensação ruim. Para ele, o mais difícil naquele primeiro dia de greve foi ficar ali junto daquelas fogueirinhas que pareciam cena de um velório.

Para convocar os outros trabalhadores no segundo dia de greve, foi preciso redigir um panfleto futurista, pois só havia mimeógrafo a tinta, e o José Dirceu que se prontificou a ajudá-los, pediu o texto com quatro dias de antecedência pra dar tempo de rodá-los. Foi assim que Roberto Espinosa e Roque Aparecido da Silva imaginaram o que aconteceria e redigiram:

“Ontem, às 8h45 da manhã, um toque extra da sirene deflagrou a greve da Cobrasma; às 12 horas, horário do almoço, os trabalhadores da Barreto Keller também pararam e foram em passeata para o Sindicato e, em assembléia, decidiram ficar em greve por tempo indeterminado. Ás 14h, horário da troca de turno, os trabalhadores da Lonaflex também decidiram decretar greve e ocupar a fábrica por prazo indeterminado. Quando às 9h os operários ocuparam a Cobrasma, eles se reuniram dentro da fábrica e decretaram greve e ocupação da fábrica, por tempo indeterminado”.
Bons videntes, Espinosa e Roque viram até às 14h do dia 16, tudo acontecer exatamente como haviam escrito no panfleto. Depois houve algumas diferenças em função de interferências indevidas como a da repressão que começou a mudar o rumo dos acontecimentos, mas isso não quer dizer que não contassem com a repressão. Só que não sabiam que rumos e conseqüências ela traria.
No dia 16 a Cobrasma e a Lonaflex estavam ocupadas, e eles contavam com a paralisação da Brown Boveri e da Braseixos. Segundo João Joaquim, às 12h00 a Barreto Keller e a fábrica de fósforos Granada paralisaram e aproximadamente quatrocentas operárias, junto com os operários da Barreto Keller, saíram em passeata, passaram em frente ao portão da Cobrasma e se dirigiram ao Sindicato dos Metalúrgicos, em Presidente Altino. As operárias aplaudiam os metalúrgicos e davam vivas à greve.
Enquanto isso, no Sindicato dos Metalúrgicos, sob a liderança de Ana Maria Gomes, a Aninha, as mulheres se reuniam em uma sala, para discutir os problemas que enfrentavam na fábrica e que as levara a paralisar.

Às quinze horas chegaram alguns representantes do Ministério do Trabalho ao Sindicato, para tomar conhecimento oficial das reivindicações dos grevistas e tentar iniciar negociações com os dirigentes sindicais. José Ibrahim, então presidente, recebeu-os informando quais eram as reivindicações, e esclarecendo imediatamente que o sindicato apoiava a greve, mas que não estava autorizado a negociar em nome dos grevistas. Essa era uma das resoluções tiradas na assembléia dos trabalhadores em greve na Cobrasma. A de que todas as negociações com os representantes do Ministério do Trabalho e com os patrões, seriam efetuadas pelos grevistas em assembléia. Esta posição refletia o radicalismo da nova liderança sindical que buscava romper com a prática anterior das direções anteriores.

Antes, as greves eram decididas em assembléias sindicais minoritárias e impostas à grande massa através dos piquetes. Os acordos e decisões de volta ao trabalho muitas vezes aconteciam sem nenhuma consulta aos trabalhadores em greve.
Com aquela decisão, os representantes do Ministério do Trabalho decidiram ir à Cobrasma, para saber quais as decisões da assembléia dos grevistas. Eles as apresentaram, deixando clara a firme decisão de que não voltariam ao trabalho, enquanto suas reivindicações não fossem atendidas.

Sentindo a firmeza dos grevistas, os representantes do Ministério disseram que estudariam as reivindicações e depois voltariam para dar uma resposta. Em poucas horas chegava a resposta: às 20h30 tropas de choque da polícia militar cercaram a Lonaflex com cavalaria e carros de combate (brucutus e tatus), sob o comando de um major do Exército. Ao mesmo tempo, pelotões da Polícia Militar ocupavam os principais pontos da cidade.

Em uma operação rápida, as tropas ocuparam a fábrica e cercaram o refeitório, onde os operários estavam reunidos em assembléia. Após um rápido diálogo e a garantia do major de que nenhum operário seria preso, os trabalhadores aceitaram desocupar a fábrica. Foram saindo em grupos, protegendo os líderes, e ninguém foi preso.

Enquanto isso, trabalhadores da Brown-Boveri e da BRASEIXOS se encontravam em assembléia no Sindicato, para decidir como seria a adesão à greve na manhã do dia seguinte. No momento que chegou a notícia do início da repressão e da invasão à Lonaflex pela polícia, houve uma grande tensão entre os trabalhadores, mas mesmo assim mantiveram sua posição.

O comando geral da greve comunicou à coordenação dos trabalhadores que ocupavam a Cobrasma o que tinha ocorrido na LONAFLEX e imediatamente eles iniciaram os preparativos para a chegada da repressão.

Na verdade, muitos trabalhadores tinham medo, a participação não foi do jeito que eles tinham planejado.

Em pouco tempo a Rua da Estação ficou totalmente tomada pela tropa de choque. Os operários assumiram a posição de resistência passiva, para evitar um massacre. Todos os trabalhadores concentraram-se em frente ao portão da entrada principal, por onde a polícia deveria chegar. Não houve tempo para se definir uma posição sobre como se enfrentar a repressão. Em pouco tempo a rua em frente à fábrica, já estava totalmente tomada pela tropa de choque.

Enquanto o comandante organizava o pelotão em posição de ataque, Barreto proferiu um discurso histórico. Como fazia pouco tempo que ele tinha dado baixa do quartel, dirigiu-se aos soldados com aquela linguagem militar que aprendera no GCAN-90, em Quitaúna: atenção, soldados! Imediatamente os soldados, habituados a obedecer, nem se deram conta de que a ordem partira de alguém que eles tinham vindo para reprimir e ficaram em posição de sentido. Barreto então começou a falar, e naquele discurso colocou toda a alma do poeta que compunha lindas canções que cantava e tocava com o violão.

Emocionado, lembrava aos que tinham vindo para reprimi-los, que ali todos- tanto eles, operários, quanto os soldados, vinham das camadas mais humildes da população e que muitos ali eram primos, irmãos e até pais daqueles soldados. Mostrou os objetivos da greve; disse que a repressão só servia para defender os interesses dos patrões e que os soldados também recebiam baixos salários, e conclamou-os a não acatar as ordens do comandante e a não reprimir os trabalhadores. E acrescentou desafiante: por que em vez de reprimir aqueles operários eles não voltavam as armas contra o comandante?

Naquele momento os soldados vacilaram. O carisma de Barreto era muito grande, ele subira em um vagão de trem e com a altura, sua figura tornava-se mais altiva, mais imponente. Por um momento teve-se a impressão de que os soldados agiriam sob o seu comando e não mais o do militar que os conduzira até ali.
Percebendo isso, o comandante, muito nervoso, reagiu violentamente dando ordens enérgicas de invasão à fábrica. Então, os carros de combate entraram na frente derrubando as barricadas, e nesse momento o comando de greve ordenou que desligassem as luzes da fábrica, ficando todos no escuro.

Houve muita luta corpo-a-corpo e saíram vários trabalhadores e soldados feridos, e mais de sessenta trabalhadores foram levados presos. Enquanto se travava a luta entre os grevistas e a polícia, Barreto organizou rapidamente um grupo de apoio aos que tentavam fugir, e para amedrontar os soldados ameaçou incendiar uma bomba de gasolina. Dessa forma conseguiu que a tropa parasse por alguns instantes e, dessa forma, possibilitou a retirada de muitos dos grevistas.

Não só naquela noite a polícia esteve presente na rua da Estação. No dia seguinte ainda permanecia lá. O Sr. Antônio, proprietário do Restaurante do Mineiro, que fica a uns cem metros da Cobrasma, na rua da Estação, contava até poucos meses antes de falecer, em 2006, que no segundo dia vários soldados invadiram o restaurante, montados a cavalo, à procura de grevistas, assustando os clientes que estavam no local. Esses fatos poderão dar uma visão aos que não viveram os horrores da ditadura, o que ela representou para o país.

Naquele segundo dia a Brown Boveri também paralisou suas atividades. Lá também havia uma comissão de fábrica. Otaviano Pereira dos Santos, atual presidente da UAPO, na época era Vice-Presidente do Sindicato e Presidente da Comissão de Fábrica da Brown Boveri, ele era o líder lá dentro e mobilizou o pessoal todo lá.


À noite houve a última assembléia no sindicato e entre as várias propostas, foi aprovada a de resistência passiva. Quando a polícia chegou ao sindicato, ficou claro que não havia condições de resistir. Alguns conseguiram escapar pelos fundos e não foram presos.

Umas 300, 400 pessoas foram presas naqueles dias da greve.. Alguns ficaram vários dias na prisão, mas o único que ficou um longo tempo foi o Barreto. Ele ficou 98 dias preso; justamente porque foi o que teve mais diretamente uma atitude de confronto à repressão.


segunda-feira, 9 de julho de 2018

Osasco, a cidade proletária: recordando José Groff - João dos Reis


Caraguatatuba, 1973: almoçava em uma cantina com Gilmar Rodrigues da Rocha, 18 anos, meu aluno de Filosofia e Cultura Contemporânea no curso colegial da Escola Estadual “Capitão Deolindo de Oliveira Santos”, em Ubatuba. Ele me perguntou sobre a repressão e a participação política no momento político que vivíamos. Disse a ele que nós, brasileiros, somos conhecidos pela habilidade do drible no futebol – e que devemos usá-la na sala de aula, na vida cotidiana, na militância partidária.

Recordando essa cena, José Groff reapareceu na memória. Foi um dos meus irmãos-camaradas mais presentes e queridos na minha juventude. Foi da Comissão de Fábrica da Cobrasma e um dos lideres da greve de 1968. Militante da Pastoral Operária, Frente Nacional do Trabalho, do Secretariado Justiça e Não Violência (depois Serpaj, Serviço Paz e Justiça), do Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Osasco, do PT. Descendente de austríacos e italianos (os Martini), nasceu em Itu, SP; veio com a família para Osasco em 1954; foi um metalúrgico-ativista que se engajou na luta da classe trabalhadora.

Estivemos juntos na longa trajetória de resistência à tirania e ao terror do Estado policial criado pelos militares golpistas de 1964. A partir de 1980, fui contratado como assessor do projeto de educação popular da FNT de Osasco, e o convivio foi muito próximo: eu era o “intelectual”, Groff o operário – ele dizia que não eram duas ocupações necessariamente contraditórias para compreender a realidade do proletariado.

Realizamos visitas aos padres Rafael Busatto da Igreja Imaculada Conceição no Km 18; Angelo Grando da Igreja do Jardim Piratininga; Padre Zezinho da Igreja N.Sª Aparecida de Carapicuiba; padre Paulo da Comunidade Kolping de Vila Dirce e Cohab ; aos participantes do movimento católico italiano da Vila Analândia em Jandira; ao bispo Dom Francisco Manuel Vieira – para pedir o apoio ao projeto de conscientização, educação sindical e política da FNT. Como cristão que optou pela Teologia da Libertação, disse nessas conversas: queríamos uma nova sociedade – e ela só será possível com um trabalho de educação permanente.

Depois, ele passou a atuar na sede central da FNT e no Serpaj em São Paulo. Sabia das viagens e dos contatos com os excluídos e marginalizados pelo capitalismo – dos desalojados pelas empresas madeireiras de Teixeira de Freitas na Bahia; dos pequenos proprietários do Vale da Ribeira, SP: e em Ronda Alta no acampamento de sem-terras do Rio Grande do Sul. Não eram anos de esperança no futuro, mas ele estava sempre confiante: é preciso acreditar em um novo mundo com justiça e igualdade para os explorados.

Em 2007, reencontrei-o em um almoço-reunião dos camaradas da FNT na casa de Caio Grizzi Oliva. Conversamos rapidamente – e deveria ter dito a ele como era grato e como foi importante o apoio amigo, sempre solidário. Nunca houve distanciamento entre nós – acredito que sempre fui aceito como um “aprendiz de filósofo” comprometido com a luta dos trabalhadores.

Fui padrinho-testemunha dele e de Marlene no casamento civil. Foi uma cerimônia simples, sem convidados: os militantes da Igreja Católica e do movimento operário tornaram-se meus afilhados.

Não houve tempo para enviar a ele os meus relatos autobiográficos da aproximação com o comunismo libertário e com o movimento de resistência armada à ditadura – essa retrospectiva estava proibida pela censura e repressão . Groff não lerá meus “escritos de um operário da palavra”, como talvez ele os chamaria.

Depois de tantos anos, relembro o encontro com o jovem Gilmar – e dos diálogos com o companheiro Groff - com muitas saudades. Foram momentos em que reafirmamos nossa crença em um novo tempo.

Gilmar Rocha cursou Arquitetura – há duas décadas não tenho noticias dele. José Groff faleceu em 2010 – eu continuo acreditando, como ele, no socialismo, onde cristãos e comunistas, operários e intelectuais, professores e alunos, artistas e camponeses, possam confraternizar, comemorar juntos a realização dos nossos sonhos.

Alguns poemas de risomar Fasanaro


felicidade:
gaivota de crepom
contra a tempestade
**

mora a felicidade
bem no fundo de um poço
se virmos em suas águas
refletido nosso rosto
logo desaparece e
dá lugar ao desgosto
**
tento repovoar
o deserto
que tua ausência deixou
**
vi teu recado nas nuvens
mas não consegui ler
a chuva
derreteu tuas palavras
manda-me outra mensagem
no voo de um pássaro
ou nas pedras de um rio
também sei ler
palavras escritas
no ar, no fogo, na terra
escreve no que quiseres
que te entenderei
**
duas xícaras de chá
uma está vazia:
-saudade
**

terça-feira, 3 de julho de 2018

A Fome é Amarela- Risomar Fasanaro




Um repórter da “Folha” é escalado para fazer uma matéria sobre a primeira grande favela de SP, no Canindé. Lá, conversando com os moradores, descobre uma mulher semialfabetizada, catadora de papel, que escreve um diário. Ela lhe conta que aproveita os restos de cadernos que encontra no lixo, e escreve todo tempo que tem livre.
Carolina Maria de Jesus é seu nome, o repórter o jornalista Audálio Dantas. Ele pede para ver o diário, e ela lhe mostra : são vinte cadernos, escritos entre julho de 1955 e janeiro de 1960. Lendo algumas passagens ele conclui que nem ele, nem nenhum outro repórter descreveria melhor o que é viver ali. Além dos cadernos, Carolina encontrava muitos livros, e lia muito.
Audálio Dantas publica uma matéria na revista “O Cruzeiro”, e faz mais: leva os diários a uma editora, e consegue a publicação do livro “ Quarto de despejo”.
Nesse diário, Carolina divide a cidade como se fosse uma casa em que o centro é uma sala de visitas, com todo seu requinte, todo seu luxo, e a favela o quarto de despejo dessa casa. Esta é a razão do título da obra.
O dia a dia dessa mulher negra, mãe solteira de três filhos está ali, escrito a suor e sangue a sua batalha diária, para conseguir alguns cruzeiros (a moeda da época) que lhe possibilitem levar alimento para casa.
É batalha dura, indo buscar água de manhã para poder fazer comida, lavando roupas numa lagoa, e catando papéis, garrafas, latas e ferro velho. Vende o que encontrou no lixo, mas nem sempre consegue comprar o mínimo de que precisa, e volta para casa desanimada, sem conseguir nada que aplaque a fome dela e dos filhos. E a fome não os deixa dormir.
E tão grande é a fome que ela diz que passava a ver tudo amarelo, por isso deu a ela a cor: a fome é amarela. Mas não é carência só de alimentos, é de tudo. Muitas vezes os filhos não tinham sapatos para ir à escola. Ela ficava dias sem lavar roupa por não ter sabão...
E enquanto essa mulher corajosa fica escrevendo ou lendo, a favela fervilha. São vizinhos que brigam, fazem fofoca e a bebedeira corre solta. As mulheres sofrem violência, apanham dos maridos, e isso tanto se repete, que deixa de ser novidade. Faz parte da rotina. Ali, tudo se sabe:quem traiu, quem se prostituiu, quem saiu com o marido de quem...Mas ela diz : “ não tenho tempo para ir na casa de ninguém”.
Há momentos de lirismo como: “O mundo das aves deve ser melhor do que dos favelados, que deitam e não dormem porque deitam-se sem comer.” Deixei o leito as 4 horas para escrever. Abri a porta e contemplei o céu estrelado.” Em outra passagem ela escreve : “contemplava extasiada o céu cor de anil. E eu fiquei compreendendo que eu adoro o meu Brasil. O meu olhar posou nos arvoredos que existe no início da rua Pedro Vicente.”
Algumas vezes a revolta se manifesta:” O que eu aviso aos pretendentes a política, é que o povo não tolera a fome. É preciso conhecer a fome para saber descrevê-la. O Brasil precisa ser dirigido por uma pessoa que já passou fome. A fome também é professora (... ) Como é horrível levantar de manhã e não ter nada para comer. Pensei até em suicidar.”
Quem estiver à procura de um bom livro para ler durante as férias, recomendo essa obra. Carolina é a escritora pioneira da literatura marginal no Brasil. Seu diário foi traduzido para mais de treze línguas. E ela tem além deste primeiro, vários outros: Casa de Alvenaria é o segundo, e nele ela faz algumas denúncias. Tanto esse como Quarto de Despejo hoje são raridades. Alguns livreiros vendem um exemplar por 300, 400 reais.
Risomar Fasanaro

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Catorze dias em Cuba- Risomar Fasanaro



Percorro as ruas de Havana e penso estar sonhando...Há quantos anos desejei estar aqui? Sinto vontade de tirar os sapatos, para sentir nos pés os rastros dos que fizeram a revolução. As ruas são bem cuidadas, e bem arborizadas.
Estar em Havana é voltar no tempo: como se estivesse em Socorro, Pernambuco,nos anos cinquenta, durante minha infância, ou no Quilômetro Dezoito, em Osasco, em plena adolescência.
A emoção toma conta de mim. Pessoas andam ao meu lado, não vejo nelas nenhum sinal de tristeza nem de preocupação. Carregam seus pertences com a tranquilidade de quem não conhece assaltos. Com a serenidade de quem não convive com a violência. Converso com algumas, elas são alegres e comunicativas. Desmancham-se em gentilezas quando sabem que somos brasileiros. Perguntam sobre as novelas da Globo.
Somos onze: Paulo, o que teve a idéia de nos trazer para conhecer Cuba, Mônica,psicóloga que é voluntária Cracolândia, minha amiga Cristina Cerucci,artista plástica, Pedro, construtor, irmão de Paulo e sua mulher Rosário professora da Universidade de Pernambuco, Inezita, artista plástica, irmã de Paulo, Lídia e seu marido André, Nildes e o marido Jair e eu.
Nesse primeiro dia, Nildes e Jair ainda não tinham chegado. Só chegaram no dia dezenove.
Após o café com um pão delicioso e bolo de rolo que Rosário trouxe do Recife, saímos para caminhar um pouco pelo bairro.
As casas têm aquela aparência tão conhecida da minha infância. As ruas limpas me surpreendem. Aqui e ali uma declaração de amor a Fidel Castro estampada num muro.
Chegamos aqui no dia 18. Raydel, um cubano que nos dá aulas de espanhol no Brasil, encarregou seu irmão, Roger, de nos assessorar durante nossa estada na ilha. Ele nos esperava no aeroporto e nos levou à casa que havia reservado para nos hospedar, bem próxima ao aeroporto. Somos recebidos por uma senhora de uns sessenta anos. Olhos muito pintados de preto, unhas muito, muito longas, esmaltadas, batom vermelho vivo, Carmen me dá a impressão de uma dona de bordel dos filmes de Fellini.
Inezita, Lídia Belo e o marido André tinham chegado no dia anterior e a mulher nos encaminha ao quarto onde os três dormiam. “É esse o quarto que tenho para hospedar vocês...” Atônitos nos olhamos; ali não havia espaço nem para uma criança dormir...Onde ela nos hospedaria?
Mônica dirige-se ao Paulo, nosso guia: “impossível ficar aqui, precisamos ir para outro lugar".
Paulo conversa com Roger e em poucos minutos surge uma nova casa para nos abrigar. É uma casa relativamente grande, com três quartos, onde vive um senhor com um neto. Ali ficamos dois dias. Todos se acomodam e ficamos Cristina, Mônica e eu em um dos quartos.
No dia vinte, Roger nos levou para Caybarien, município pertencente à província de Santa Clara, e uma das regiões mais atingidas pelo furacão.
Aquela foi uma viagem histórica. Quase não acreditamos quando vimos a condução que nos levaria: um caminhão com dois bancos estreitos nas laterais da carroceria, igual aos paus–de-arara que traziam nordestinos para São Paulo, até os anos cinquenta.
Quando viu aquilo, Inezita, irmã de Paulo e de Pedro e que vive em Bruxelas, mostrou um ar de espanto. Chegou perto de mim e perguntou: “tudo certo, Riso? “ Respondi que sim, e ela disse: "você é minha referência. Se você diz que está tudo certo...”
Eu estava preparada. Sabia que não seria uma viagem de turismo luxuoso. Não queria isso. Queria conviver com o povo, saber como era o dia a dia dele. Sabia que essa seria uma viagem experimental, para a partir dali, Paulo organizar grupos de turistas para levar a outros lugares.
Durante oito horas viajamos naquele pau-de-arara. Paulo e Mônica com o pé doendo; Pedro que sofreu um acidente e quase perdeu a perna, também estava com dor. O caso mais grave parecia ser o de Nildes que quase foi impedida de viajar, com um ferimento na perna provocado por uma queda em Salvador.. Decidimos que ela ocuparia a cabine do motorista.
Subimos na carroceria do pau-de-arara e lá fomos. Ríamos muito pelo caminho e fotografávamos tudo que achávamos interessante.
Fiquei surpresa com a qualidade do asfalto cubano. Todas as estradas por onde passávamos estavam em excelentes condições. Nenhum buraco, nenhum desnível...
Durante todo percurso, Pedro, engenheiro irmão de Paulo, que tem uma empresa de construção em Recife, fotografava todas as criações, todas as invenções e soluções que o povo cubano encontra para enfrentar o embargo dos Estados Unidos.
Vendo as inúmeras formas de caixas d’água e construções diferentes das do Brasil, Pedro fotografava todas. Lembrava-me muito do escritor cubano Leonardo Padura, que disse em uma entrevista no Brasil: ”os verbos mais conjugados em Cuba são inventar e resolver.” Realmente, por não ter à disposição matéria prima como nós temos aqui, o povo já se acostumou a improvisar, a criar soluções que sempre resolvem os problemas de forma criativa.
Ao longo da estrada, encontrávamos a cada 10, 20 quilômetros, alguém com um carro parado, capô levantado, tentando consertá-lo. São os carros cubanos...Marcas antigas, famosas, lindos...e que apresentam problemas com freqüência.
Tornaram-se atrações turísticas em Havana. Ocupam as ruas centrais da cidade. Seus donos cuidam deles com o carinho que merecem aquelas raridades que há sessenta anos resistem. Muitos são táxi, outros os proprietários alugam para os turistas que querem fazer “pose” de milionários em vídeos e fotos.
Cadillacs cor-de-rosa, Mercedes lilás, Buiks pretos e outros desfilam pelas ruas brilhando como se tivessem saído das fábricas naquele momento.
Depois de uma viagem com muitos risos, muita conversa e até uma cantoria de Inezita, que ensaia “quando eu vim do sertão seu moço/ do meu Bodocó/a maleta era um saco/ e o cadeado era um nó..." chegamos a Caybarien.
A casa dos pais de Raydel é bem grande, com três quartos uma sala, varanda. Não foi possível abrigar todos nós: dois casais e cinco solteiros. Lídia Belo e o marido André foram se hospedar em outro local.
Aqui, as poltronas, mesas e cadeiras, os bibelôs de porcelana que enfeitam os móveis, a geladeira na cozinha, a varanda, o jardim, tudo me lembra a casa dos meus pais nos anos cinqüenta.
A mãe de Raydel nos contou que o furacão levara o telhado da casa e eles precisaram colocar um novo. Muitas residências ali tinham sido atingidas pelo furacão...Caybarien foi um dos locais mais atingidos, e nos pareceu um bairro muito carente.
Era nossa primeira noite ali. Estávamos todos tranquilos, acomodados nos quartos, quando ouvimos um grito que logo foi abafado. Quem seria? Por que gritara? Só mais tarde soubemos que Rozário , a Zau, tinha entrado no banheiro e encontrado uma rã. Pedro, pra salvar a situação, impediu que ela gritasse, para não nos assustar. Fiquei apavorada. Morro de medo de perereca,como entraria ali depois daquilo? Bem, Pedro pegou a rã e jogou-a no quintal.
Em Cuba existe uma crença: se você encontrar uma rã, peça a alguém que a socorra. Em seguida peça ao seu salvador (sim, só homens não têm medo de pererecas) que execute a “dança da rã”, ou seja: com ela entre as mãos dê 2 passos para um lado e dois passos para trás, em seguida, de costas, atire a rã lá fora, que ela nunca mais voltará. No nosso grupo só Pedro e Paulo executaram essa dança...rs

Uma noite Paulo sumiu. Saiu sem nos avisar, depois de um atrito com a irmã, Inezita, e todos ficamos preocupados. Duas horas depois, ele voltou. Contou que se deitara no meio do mato para olhar as estrelas e ouvir o coaxar dos sapos...Viajar com poeta, dá nisso...

Ficamos na casa dos pais de Raydel três dias. Três dias entrando desconfiadas no banheiro e fugindo das rãs. Não era mais possível ficar ali. Estávamos desalojando a família que para ceder seus lugares, estava dormindo na casa de parentes.
Foram três dias maravilhosos comendo comida cubana, desfrutando da companhia deles que são pessoas tão especiais. O avô de Raydel participou da revolução. Uma garotinha de cinco anos, prima dele nos encantava declamando poemas de José Marti, o poeta mais famoso de Cuba, e foi com saudade que saímos dali.
Outra vez enfrentamos o pau-de-arara e seguimos em direção a Havana.
Desembarcamos no centro da cidade e colocamos nossas malas na praça próxima a igreja Matriz e esperamos para ver para aonde iríamos. Nildes se lembrou de um pastor evangélico com quem tinha contato e ligou para ele. Ernesto, esse é seu nome, tem uma pousada em Santa Clara, e nos convidou para nos hospedar lá. Tomamos dois táxis e para lá nos dirigimos.
“Água Viva” é uma casa plantada em meio a um terreno repleto de plantas e flores. O casal dono da pousada, Ades e Ernesto são muito simpáticos e logo o grupo se enturmou com eles. Ades, loiríssima e muito bonita, é médica e se parece muito com Liv Ullmann, a atriz sueca.
Foram dias de muita alegria naquela pousada. Saíamos pela manhã para visitar museus e monumentos e voltávamos à noite quando Ades nos servia belos arranjos nos pratos do jantar. O carinho com que ela fazia isso era visível. E após o jantar havia sempre cantoria, pois Ernesto e os dois filhos tocam violão e cantam..
Os transportes em Cuba variam muito. Há carros antigos que funcionam como táxi, e há vários tipos de charretes. Algumas funcionam sobre motos, outras são puxadas a cavalo e há também uns mini carros que têm a forma de um ovo. Acho que os meios de transporte constituem um problema a ser resolvido lá. Vimos extensas filas de pessoas esperando ônibus, além de ônibus completamente lotados.
No centro de Havana, próximo ao Capitólio, Cristina e Mônica descobriram os charutos cubanos e se encantaram. Junto com Paulo, pareciam duas crianças brincando de gente grande. Os três foram a um local chiquérrimo e elas fizeram caras e bocas que Paulo registrou em lindas fotos. Tomaram rum que nesse local era servido em taças em ambientes requintados e receberam de uma das vendedoras, uma verdadeira aula sobre o ritual do tabaco como é chamado o charuto lá.
Eram nossos últimos dias em Santa Clara, e aproveitamos para visitar a sede do PCC- Partido Comunista Cubano. Essa visita foi muito importante por causa de uma escultura que representa o Che e que se trata de um trabalho de verdadeiro mestre. Vê-la de perto, descobrir tudo que o escultor colocou valeu nossa viagem.
A escultura representa o Che com uma criança no colo. A princípio pareceu simples, mas à medida que nos detivemos para observá-la, vimos que há vários rasgões na farda do Che, e desses rasgões saem pessoas, mulheres, crianças e alguns brinquedos infantis. Encantada, me senti, e acredito que também assim se sentiram os que estavam comigo. A visão daquela escultura, que nos permite inúmeras leituras do que o artista quis transmitir, foi na o ponto mais alto de nossa estada na ilha.
Sobre a escultura de Che em frente ao PCC, Cristina escreveu:
Na cabeça, a boina com a estrela, identifica seu grau de Comandante indiscutível dentro dos combatentes. Em seu peito, o infinito é atravessado por dois filhos, um carrega o sol e o outro a lua, um caminho em que somos iguais e ao mesmo tempo diferentes. Em um bolso ele carrega um exempla de "Don Quixote" onde ele é representado como aquele cavaleiro com o escudo em seu braço.
Os detalhes de sua vida estão espalhados pela figura.
Por exemplo, nos laços existe uma rede de suspensão sobre a qual o Che descansa. Sobre o ombro direito há um menino nu, montado em uma cabra. A mão esquerda segura uma criança nua com um brinquedo alusivo na mão esquerda. No lado direito, onde uma das balas que terminaram sua vida o penetrou, há uma jovem em uma janela, em uma atitude de espera. Onde fica o coração, há outro motivo semelhante. Na fivela do cinto da calça de Che, há uma manifestação popular que carrega uma bandeira. “A mão direita segura um charuto e na dobra das calças tem uma motocicleta com duas tripulações, detalhe alusivo à viagem mítica do Che através da América do Sul .

As noites em Havana são muito alegres, o povo cubano é muito alegre e algumas noites saíamos e nos juntávamos a eles e também dançávamos na rua, em frente aos bares com música ao vivo. Uma tarde ouvíamos uma banda que toca as músicas do Buena Vista Social Club, e sabendo que éramos brasileiros, a banda tocou “Garota de Ipanema” para nos homenagear.
Outra visita interessante foi ver o trem que sob o comando do Che descarrilhou trazendo militares com forte armamento para combater os guerrilheiros. Essa é uma vitória que muito honra Santa Clara.
Fidel nomeara o Che para aquela missão, e só havia um jeito de impedir a entrada dos inimigos: descarrilhando o trem. É emocionante ver aqueles vagões ali, intactos, e que hoje expõem um acervo fotográfico sobreo Che e a revolução cubana.
Cristina e eu saímos para comprar os famosos charutos cubanos em Santa Clara. Um rapaz nos ofereceu por metade do preço que pagaríamos pelos verdadeiros. Pediu que o seguíssemos e nos vimos na escadaria de uma pequena casa que funciona como bar. O local me pareceu bastante suspeito. Subimos, e lá ele nos mostrou diferentes tipos de charutos. Ensinou-nos como identificar um charuto falso.
Morrendo de medo de ser presas com aquele rapaz, eu disse a ele que só poderia comprar com nota fiscal, porque temia a vigilância da alfândega, e também porque precisava mostrar a nota à pessoa que encomendou o tabaco. Saímos dali correndo,fugindo dele.
Fomos então à loja recomendada por Adis e compramos as caixas de charutos “Romeu Y Julieta”, feitos à mão. É uma caixa linda, com desenhos tão delicados que parecem feitos à mão...
Como estávamos perto, aproveitamos para ir até a fábrica e fotografar da janela, os operários fazendo os charutos.
Quando chegamos, Paulo estava irritado porque tínhamos demorado muito. Ele se esqueceu que tínhamos ficado três horas apreensivas, sem saber onde ele estava naquela noite dos sapos e das estrelas...
Faltava conhecer o principal monumento de Santa Clara: o museu do Che.
Uma construção tão imponente que é difícil descrever. A mim pareceu um memorial imenso com frases e discursos do Che entalhados nas paredes.
No andar térreo fica o museu. Ali se encontram em uma parede, as cinzas do Che no centro, ladeadas pelas cinzas dos seus companheiros que foram assassinados junto com ele, na Bolívia. Uma moça fica de guarda ao lado de uma escultura do Che e uma pira permanece acesa todo tempo. O clima de respeito é total. Ali não se ouve nenhum som, nenhuma palavra. Mais adiante, todo um acervo do Che está exposto: seu uniforme de guerrilha, as botas, a famosa boina com uma estrelinha, seu avental de médico e seus instrumentos de trabalho. Ficamos sabendo que na guerrilha o Che às vezes precisava atuar como dentista.
É difícil traduzir em palavras a emoção que foi ver tudo aquilo.
Enfim, eu tinha sentido, naqueles catorze dias um pouco do que é o dia a dia dos cubanos.
Não vi miséria. Nas três casas em que estivemos não faltava nada, só papel higiênico, o que já sabíamos antes de viajar, por isso tínhamos levado.
Algumas vezes fomos abordados nas ruas por pessoas que nos perguntavam: “tienes um regalo?” Foi assim no primeiro dia que saímos em Havana. Um homem me abordou e perguntou se eu queria uma nota com a efígie do Che. “Tienes um regalo para cambiar?” Lembrei que eu tinha uma caixa de canetas Bic na bolsa. Tirei uma e ofereci para a troca, irritado ele me disse:”Non, ES El Che!!!”. Tirei mais uma e ele reagiu da mesma maneira. Cheguei a quatro canetas, e como ele não aceitava, tirei a caixa da bolsa e entreguei toda a ele, que me deu a nota e saiu todo satisfeito.
Não vi em nenhum momento alguém pedindo comida. Queriam apenas regalos: uma pulseira, uns brincos, um anel que achavam bonito e nós os presenteávamos...
Chamou minha atenção a saída dos alunos da escola. Todos muito limpos, bem cuidados com seus uniformes impecáveis, que lembram muito os uniformes dos anos 60 no Brasil). Alguns portam aparelho nos dentes, fornecido pelo estado.
Na pousada, pedi a Adis Frias Macias, clínica geral e pediatra que trabalha no estado, que me desse alguns esclarecimentos sobre Cuba, algumas coisas que ainda não estavam claras para nosso grupo. E ela, gentilmente, respondeu minhas perguntas. Inicialmente queríamos saber que alimentos fazem parte da cesta básica.
O governo fornece por pessoa:
2 quilos de arroz
1 xícara de frijoles (feijão)
2 quilos de açúcar
1 quilo de sal a cada dois meses
1 pão do tamanho e formato do nosso pão de hambúrguer
Gás existe um contrato a cada 21 dias. Se acabar só se consegue de forma ilegal.
A família recebe leite para as crianças até os 8 anos
Educação:
De 0 a 5 anos- pré-escola
Dos 6 aos 10 anos- nível primário
Dos 11 aos 14 anos curso secundário
Dos 15 aos 17 anos – pré-universitário
Aos 18- curso universitário
Os alunos usam uniforme. Os pais adquirem do governo, por um baixo preço, 2 camisas, 1 calça para os meninos e 1 saia, para as meninas.
O governo também fornece o material escolar que os alunos usam e devolvem no final do ano, para que outros usem.
O salário dos professores é de 450, 500 pesos cubanos
Os professores não recebem material pedagógico e trabalham 8 horas por dia, com 1 hora de intervalo.
Para cursar a universidade se observa o histórico escolar. Se foi um bom aluno, tem chance de entrar na faculdade, sem passar por vestibular. Se o histórico não é dos melhores ele presta exame de espanhol, ciências, história...
Em Cuba há três canais de TV- todas estatais. A internet é controlada. É possível ligar o celular com um cartão que se compra, em algumas praças.
Existe um jornal nacional que é o Gramma e cada província tem o seu. O jornal de Santa Clara se chama Santaclarenho.
Todas as noites a TV exibe às 20h um jornal com as notícias mais importantes de Cuba.
Saúde – os médicos trabalham 8 horas por dia. Existe o consultório de família que funciona num prédio, chamado Policlínica. Cada bairro tem sua policlínica. Os médicos moram com suas famílias no andar superior, e os enfermeiros no andar térreo. O uniforme das enfermeiras é muito semelhante aos que usavam nossas enfermeiras nos anos sessenta. Os médicos devem ir à casa dos doentes sempre que for preciso.
Os resultados dos exames não demoram muito, mas se o doente tem pressa, recorre a um amigo que facilita as coisas, como aqui no Brasil.
Os médicos de família dão atenção primária. A qualquer hora, do dia ou da noite ele atende a população em casos de gravidez,doenças crônicas de crianças e adultos como diabete, bronquite, etc. Também atendem os casos de vacinação das crianças.
As Policlínicas prestam atenção secundária: especialistas, análises primárias de sangue , RX...
Os médicos de família estão subordinados à Policlínica. São eles que encaminham os doentes para a Policlínica. Existem muitas policlínicas espalhadas pelo país. Cada bairro tem uma.
A atenção terciária se faz nos hospitais. São consultas mais especializadas, os casos urgentes e os nascimentos.
Culinária: o prato tradicional de Cuba é a carne de porco assada, arroz congris, (arroz cozido com feijão do tipo baião de dois) e mandioca com morrito (molho de tomate, cebola, óleo e vinagre).
Azeite é um produto raro, quase impossível de se encontrar na ilha...
Reforma Agrária a terra foi distribuída. O morador pode comprar animais. Se isso acontecer ele precisa pagar uma cota aoestado. O proprietário dos animais devem inscrevê-lo, e mesmo que um animal morra, deve ser inscrito. Em caso de doença, só o estado pode sacrificar o animal.
No caso das plantações, o proprietário também paga um tributo ao estado. As plantações de cana de açúcar,café e tabaco são propriedades exclusivas do estado. No caso de plantações deé preciso pagar tributo ao estado.
Cada morador paga cinco peso s por mês . Já a energia elétrica é muito cara.
Antes, até dez anos atrás, se cozinhava com fogão a querosene, mas o governo forneceu um fogão a gás, uma geladeira e forno de micro-ondas, que cada morador pagou ao banco em suaves parcelas.
Era hora de voltar...Triste hora...Mônica, Paulo e eu enfrentamos inúmeras dificuldades para conseguir vir pro Brasil no mesmo voo. Ficamos uma noite e um dia inteiro no México tentando incluí-los no meu vôo. Um funcionário da Aeroméxico cobrou o equivalente a dois mil dólares, para que eles pudesse ir no meu voo.
Enquanto isso, Mônica rezava pra Nossa Senhora de Guadalupe. E vendo-a pedir com tanta fé, também comecei a rezar e a pedir.
Quando já estávamos para desistir, me lembrei de uma declaração do médico relatando todos os remédios que eu tomava. Com aquela declaração do psiquiatra, Mônica procurou duas funcionárias da Aeroméxico e inventou que eu tenho síndrome do pânico, por isso não poderia viajar sozinha, pois poderia ter a crise em pleno vôo. Rapidinho elas conseguiram vagas pra Mônica e Paulo viajarem comigo. E assim voltamos tristes, cabisbaixos, mas com esperança de voltar em breve...
Eu me apaixonei por Cuba. Se antes admirava aquele povo, passei a admirá-lo muito mais.
A mim me pareceu que o povo cubano vive com simplicidade e é feliz com o pouco que tem. Não ouvi reclamações em nenhuma das três casas em que me hospedei, nem nos táxis, nem nas ruas, quando conversávamos com eles. Nas tendas encontramos muitos turistas, mas nenhum cubano. O povo cubano ama música e dança nas ruas sempre que ouvem uma melodia.
Uma das coisas que me marcaram na ilha foi um dia em que me admirei de ver tantos ovos na cozinha da Pousada Água viva. Perguntei a Ades seovos custam muito pouco e ela me contou: não compro. Tem galinhas no quintal e eu e a vizinha recolhemos os ovosque ela põem.
Como assim, Adis? De quem são as galinhas? De ninguém, são soltas no quintal...
Esse é o espírito cubano, o espírito de solidariedade, do saber repartir com o outro aquilo que se tem...Algo difícil de compreender em uma sociedade capitalista.

domingo, 14 de janeiro de 2018

Crônica: uma notícia, um telefonema, uma carta - João dos Reis


Quando decidi viver no Sul no final dos anos 90, procurei rever mais uma vez meus velhos camaradas. Tinha pouco contato com Alberto, e sempre por telefone; quando liguei para me despedir, ninguém atendia, como ocorrera outras vezes. Depois da minha volta a São Paulo, em 2005, amigos me informaram: ele se suicidara em 1996.

Quando ia nas férias para Duartina, meus avós, tias e primos me esperavam. Era um periodo feliz depois de um ano de trabalho e estudo. Salete casou e mudou para Brasilia, e sempre conversávamos por telefone. Em agosto de 2007, tia Adelaide ligou para dar a noticia: ela se matou.

Depois de alguns meses morando em Curitiba, liguei para Raquel contando as novidades da nova cidade. Conversamos bastante nesse dia, e não fui capaz de dissipar a angústia dela diante das incertezas do novo ano. Não pude telefonar no inicio de 2000. Escrevi uma carta, mas ela não chegou a lê-la – Marlene, a irmã dela, me escreveu contando do suicidio em fevereiro.

Por que retomo esses personagens queridos que passaram pela minha vida e que não estão mais presentes? Um assunto tabu entre nós: aceitar o inevitável, a morte como nosso destino. Escrevi dezenas de páginas revivendo imagens e recordações que marcaram minha juventude. Para revelar que a tragédia não está apenas na perda da memória do passado, mas na ausência de futuro. E descobrir, com tristeza, que a vida é uma luta sem tréguas contra a solidão.

Foi indo para a Bolívia e Peru em 1975, que conheci Alberto Caputi. Ele nasceu na Itália e cursava o 1º ano de Medicina na USP. Foi uma viagem de aventura: 24 horas no “trem da morte”, entre Corumbá e Santa Cruz de La Sierra, dormindo em hotéis baratos em La Paz e Cuzco, perambulando por Machu Picchu. Alberto foi um companheiro de viagem gentil e atencioso. Na roda viva da metrópole, nosso contato não era frequente, mas sempre tinha noticias dele. Na foto que o meu amigo Cupertino me enviou pela internet, o jovem médico está feliz.

Minha prima Salete de Jesus Macedo e Silva e seus irmãos, tia Adélia, foram as companhias constantes nas minhas férias no interior. Conversávamos muito sobre nossas aflições e esperanças. Tia Rosa organizava passeios em que comemorávamos a chegada do verão. Nas fotos dessas temporadas de descanso e lazer, estamos em paz com o mundo - parece que acreditávamos em nossos sonhos.

Raquel de Azevedo foi a presença amiga no final dos anos 80 até minha partida para Curitiba. Nos encontrávamos para ir ao cinema, e depois, conversar no Bar Longchamp na rua Augusta. Exaustos depois de uma semana de trabalho, eram momentos alegres, de confraternização. Procurávamos não falar das dificuldades do magistério – eu e ela lecionávamos Filosofia em escolas da rede pública. Nas fotos das viagens que realizamos juntos aparecemos sempre descontraídos e alegres.

As lembranças que eles deixaram estão presentes, apesar do tempo e da distância. Para todos nós, amigos e familiares, é uma dor permanente, sem remédio. Muitos se despediram do nosso planeta antes ou depois deles – e todos deixaram muitas saudades. Salete, Alberto e Raquel partiram - e não estive presente na cerimônia do adeus. A despedida deles aconteceu em silêncio.

Minha avó Elisa me ensinou a cultuar os nossos mortos - com reverência e respeito. Na estadia na minha cidade natal, uma parada era obrigatória: o túmulo onde repousam os meus antepassados queridos. Depois de tantos anos, ainda não consegui ir a Brasilia ou ao Cemitério São Paulo, onde Salete e Raquel estão sepultadas. E desconheço aonde está Alberto.

Recordando meu primo José Antonio Herculiani - João dos Reis





“Você partiu,

como se diz,

para um outro mundo.

Vácuo...

Você sobe,

entremeado às estrelas. (...)

Para o júbilo

o planeta está imaturo.

É preciso

arrancar alegria

ao futuro.

Nesta vida

morrer não é difícil.

O difícil

é a vida e o seu ofício."



- Início e final do poema “A Sierguêi Iessiênin”, de Vladimir Maiakóviski, tradução de Haroldo de Campos.



Em 25 de novembro de 1993, tia Rosa me telefonou de Duartina, SP: o primo Zézinho tinha falecido em um acidente no Paraná. E pedia a nós, eu e minha mãe, que fossemos ao velório e ao sepultamento.



Essas lembranças dolorosas surgiram nos últimos dias. E recordei: éramos quase da mesma idade – e foi com ele que conversei durante toda a minha vida sobre as artimanhas do cotidiano. No período das férias de trabalho e de escola, sempre nos visitávamos.




Sobre o que conversam os que têm uma relação fraterna? Não é preciso haver confidências; mas às vezes havia momentos em que abríamos nossos corações diante das armadilhas da vida Lembro de que em nossos encontros não havia lugar para lamentações: há momentos em que precisamos da proximidade de um amigo-companheiro.




Nas férias do trabalho, esteve várias vezes em Caraguatatuba, onde eu lecionava Filosofia na escola estadual da cidade. Gostava do mar – e estivemos muitas vezes em manhãs e tardes de sol na praia Martim de Sá na cidade do Litoral Norte. Em uma das vezes, viajamos com toda a família para o Rio de Janeiro pela nova estrada, a Rio-Santos, passeando por Parati e Angra dos Reis. No registro da memória há uma cena: eu, Zé, sua irmã Cidinha e o marido, Miro, reunidos na Lanchonete Estrela na praça Cândido Mota em Cândido Mota em Caraguá - e, me parece, nunca fomos tão felizes.




Era gerente da Caixa Econômica Federal, e esteve trabalhando em São Roque, perto da capital paulista, no final dos anos 70 e início dos 80 . Foi um período em quem combinávamos nos encontrar a cada dois fins de semana na casa da minha mãe em Osasco. Ele queria conhecer os restaurantes de São Paulo, e estivemos nos mais sofisticados da cidade - o Rubayat na Alameda Santos foi um deles; nunca mais voltei a frequentá-los. Entre tantos copos, taças, pratos, guardanapos e talheres, me senti desorientado; foi também a única vez que estive mais próximo do discreto charme da burguesia. Não esqueço do que ele me disse: que a capital paulista é uma cidade para quem tem (muito) dinheiro.




Desde criança, morando em uma outra cidade, Gália, e depois, em Osasco ou Caraguatatuba, mantivemos a comunicação por carta. Nunca deixamos de estar em contato. Um quarto de século depois, ainda sinto a sua ausência. São momentos de desesperança, de desconsolo, de desatino em que me pergunto: para ele poderia narrar os infortúnios do presente?




O que conversávamos quando crianças? Que diálogos tínhamos na adolescência? E, na vida adulta, quais eram as nossas conversas? Ele era um jovem de uma pequena cidade do interior de São Paulo que se informava sobre o que acontecia na cidade grande. Descubro com tristeza que nunca compartilhamos o momento histórico que vivemos nesses anos desesperados. Eu, pelo cuidado em não dividir com ele o terror da repressão e das atrocidades da ditadura militar. E, hoje, quem eu elegeria para interlocutor - e com ele dividir a construção dos sonhos?




Gostava de cinema – e, na época, o filme gravado em VHS era uma novidade tecnológica – e ele os assistia sem sair de casa. Fomos algumas vezes ao teatro - e ao cinema Belas Artes na rua da Consolação em São Paulo – e lembro de nossas trocas de impressões sobre os filmes e peças teatrais. Hoje, me vejo interrogando depois de sair do cinema ou do teatro: o que o Zé diria sobre as imagens, os personagens?




Estava casado com Zelinda, e na última visita à casa deles em Bauru, ele insistiu para permanecer mais dias. Não pude atender ao convite; não suspeitava que seria a última vez que estaríamos juntos para confraternizar, comemorar a nossa amizade e brindar ao futuro.




Parece que é uma característica familiar: nenhum de nós tinha demonstrações de afeto. Mas em 4 de outubro de 2017, decidi escrever - com saudades e o coração despedaçado - e recordar o meu primo querido. Ele não viveu - como tantos outros que foram muito amados e admirados por mim - para enfrentar os desafios desse nosso tempo de desalento e desesperança.




NOTA





. Poema “A Sierguêi Iessiênin”, de Vladimir Maiakóvski, pp.109/114 de “Poemas – Maiakóvski”, tradução de Boris Schnaiderman, Augusto e Haroldo de Campos, Editora Perspectiva, São Paulo, 2ª edição, 1983, 176 pp

sábado, 13 de janeiro de 2018

Sem título - Risomar Fasanaro


ouço a voz da terra
e ela me traz a dor
de todas as mulheres
ouço o canto do vento
e ele me diz
do sofrimento dos aflitos

ratos invadem as casas
morcegos sugam nosso sangue
e o cheiro de esgoto
entra-nos pelo nariz
invade nossos poros

o urubu-rei e sua corte
se embolam na carniça
e riem a mais não poder
-gargalham -
indiferentes a nossa dor

a insensatez nos revolta
o cinismo é a cicuta
que bebemos
dentro da escuridão

de tanta dor
a lágrima nao salta
virou sal
virou sal
virou sal

2017

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

estações - Risomar Fasanaro


às vezes outono
folhas de mim
amarelam, caem...
às vezes inverno
inferno de mim
me recolho
-vivo meus brancos-
às vezes prima
às vezes vera
me cubro de flores
me encho de cores
bebo vinho
(re)vejo amigos
relembro amores
mas volto
sempre a ser
-verão-
abro as asas
saio da solidão

sábado, 6 de janeiro de 2018

2017 - Risomar Fasanaro


a imundície tudo invadiu
se espalhou no ar
nos contaminou
o chiqueiro
o barro
a fuligem
o esterco
tomaram conta de tudo
é o mangue
é a lama
que afaga e afoga
homens-caranguejos
chafurdam
é a chama
que nos incendiou
virou cinzas
o fogo apagou
risomar
7/5/2017 22h01