Recordando essa cena, José Groff reapareceu na memória. Foi um dos meus irmãos-camaradas mais presentes e queridos na minha juventude. Foi da Comissão de Fábrica da Cobrasma e um dos lideres da greve de 1968. Militante da Pastoral Operária, Frente Nacional do Trabalho, do Secretariado Justiça e Não Violência (depois Serpaj, Serviço Paz e Justiça), do Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Osasco, do PT. Descendente de austríacos e italianos (os Martini), nasceu em Itu, SP; veio com a família para Osasco em 1954; foi um metalúrgico-ativista que se engajou na luta da classe trabalhadora.
Estivemos juntos na longa trajetória de resistência à tirania e ao terror do Estado policial criado pelos militares golpistas de 1964. A partir de 1980, fui contratado como assessor do projeto de educação popular da FNT de Osasco, e o convivio foi muito próximo: eu era o “intelectual”, Groff o operário – ele dizia que não eram duas ocupações necessariamente contraditórias para compreender a realidade do proletariado.
Realizamos visitas aos padres Rafael Busatto da Igreja Imaculada Conceição no Km 18; Angelo Grando da Igreja do Jardim Piratininga; Padre Zezinho da Igreja N.Sª Aparecida de Carapicuiba; padre Paulo da Comunidade Kolping de Vila Dirce e Cohab ; aos participantes do movimento católico italiano da Vila Analândia em Jandira; ao bispo Dom Francisco Manuel Vieira – para pedir o apoio ao projeto de conscientização, educação sindical e política da FNT. Como cristão que optou pela Teologia da Libertação, disse nessas conversas: queríamos uma nova sociedade – e ela só será possível com um trabalho de educação permanente.
Depois, ele passou a atuar na sede central da FNT e no Serpaj em São Paulo. Sabia das viagens e dos contatos com os excluídos e marginalizados pelo capitalismo – dos desalojados pelas empresas madeireiras de Teixeira de Freitas na Bahia; dos pequenos proprietários do Vale da Ribeira, SP: e em Ronda Alta no acampamento de sem-terras do Rio Grande do Sul. Não eram anos de esperança no futuro, mas ele estava sempre confiante: é preciso acreditar em um novo mundo com justiça e igualdade para os explorados.
Em 2007, reencontrei-o em um almoço-reunião dos camaradas da FNT na casa de Caio Grizzi Oliva. Conversamos rapidamente – e deveria ter dito a ele como era grato e como foi importante o apoio amigo, sempre solidário. Nunca houve distanciamento entre nós – acredito que sempre fui aceito como um “aprendiz de filósofo” comprometido com a luta dos trabalhadores.
Fui padrinho-testemunha dele e de Marlene no casamento civil. Foi uma cerimônia simples, sem convidados: os militantes da Igreja Católica e do movimento operário tornaram-se meus afilhados.
Não houve tempo para enviar a ele os meus relatos autobiográficos da aproximação com o comunismo libertário e com o movimento de resistência armada à ditadura – essa retrospectiva estava proibida pela censura e repressão . Groff não lerá meus “escritos de um operário da palavra”, como talvez ele os chamaria.
Depois de tantos anos, relembro o encontro com o jovem Gilmar – e dos diálogos com o companheiro Groff - com muitas saudades. Foram momentos em que reafirmamos nossa crença em um novo tempo.
Gilmar Rocha cursou Arquitetura – há duas décadas não tenho noticias dele. José Groff faleceu em 2010 – eu continuo acreditando, como ele, no socialismo, onde cristãos e comunistas, operários e intelectuais, professores e alunos, artistas e camponeses, possam confraternizar, comemorar juntos a realização dos nossos sonhos.
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