RECORDANDO Gabriel Roberto Figueiredo e a UEO (União dos Estudantes de Osasco
Depois de muitos anos reencontrei Gabriel – e lhe disse da lembrança mais antiga que tenho dele. Eu tinha vindo do interior em 1961, e com 12 anos, frequentava o curso ginasial noturno (não havia curso diurno) no GEPA (Ginásio Estadual de Presidente Altino). Lembro de uma das manifestações do movimento pela emancipação de Osasco. Ele era uma das lideranças, e perguntei porque a escola estava bloqueada pelos estudantes, porque não haveria aulas naquela noite.
Minha mãe e MEU irmão conheciam a família dele – e foram eles que me lembraram dos nomes: D. Dirce, o pai William, os irmãos Marina e Valter (o Tim). Quando ele foi preso em 1964 eu tinha 15 anos, não entendi o que estava acontecendo. Soube que mudaram para S.Paulo. Ele nos contou como a vigilância e a espionagem depois da prisão deixaram sua família abalada – sua mãe teve problemas emocionais e físicos (disritmia). Lidia Castellani, namorada de Gabriel, estudou no Ceneart – e lembro de uma conversa em que ela estava preocupada (talvez com a segunda prisão, em que também vários vereadores e sindicalistas foram presos).
A prisão: durante quarenta dias em uma solitária no 4º RI (Regimento de Infantaria), os interrogatórios de madrugada, a comida fria, ter de comer com as mãos. Quando saiu (da solitária), “sabia quem era, onde estava, mas não tinha noção de mais nada” - foi o momento mais pungente do depoimento.
A militância política começou no PCB aos 15 anos. E recordou as leituras que mudaram a sua visão do mundo: “Crítica do Programa de Gotha” (Marx), “Dialética da Natureza” (Engels), “Manifesto Comunista” (Marx e Engels). Contou como foi sua participação na UEO em 1963/1964. Citou nomes de estudantes: Antonio C. Mazotti, Sérgio Zanardi (que suicidou-se dois anos depois), Hélio Bahowski, entre outros. Na sede (da UEO) se discutia temas teóricos, o programa do governo Jango Goulart (as reformas de base, agrária) – foi um espaço de formação politica-ideológica dos estudantes-trabalhadores.
Gabriel estudou na Faculdade de Medicina da Santa Casa de S.Paulo. Em 1968, com um grupo de médicos, deu apoio e assistência aos uspianos durante a ocupação da Faculdade de Filosofia na rua Maria Antonia, e depois da batalha contra o CCC. É uma outra imagem que guardo dele naqueles dias de agitação e revolta.
Ele foi à Europa em 1978, esteve em contato com os exilados (José Ibrahim, Clayton Figueiredo), e com o movimento da anti-psiquiatria. Em junho e julho de 1979, organizou com um grupo de amigos as conferências de Franco Basaglia no Brasil. O livro foi publicado: “Franco Basaglia, a Psiquiatria alternativa, contra o pessimismo da razão, o otimismo da prática – Conferências no Brasil”, Edit. Brasil Debates, S.Paulo, 1979, 160 pp).
Em 1982 voltou a Osasco, quando foi candidato a prefeito pelo PMDB. Em 1983 foi Secretário de Saúde de Osasco do prefeito Humberto Parro e, retomando as ideias do psiquiatra italiano, criou os Caps (centro de assistência psico-social), um espaço terapêutico de recuperação e inserção social – uma política de saúde mental contrária às internações psiquiátricas por longos períodos.
Como Gabriel recordou: ninguém saiu ileso da repressão política na ditadura militar. Perdemos amigos e companheiros, muitos estão mortos e desaparecidos. Contra a prática do esquecimento, trazemos todos eles de volta, e estão hoje presentes na memória e no nosso coração.
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