terça-feira, 13 de janeiro de 2015

O Lobo da Estepe: os anos sem esperança- Hermann Hesse - por João dos Reis




Para Risomar Fasanaro

Em dezembro, em um almoço com os camaradas de Osasco, conversamos sobre Hermann Hesse – e Risomar me presenteou depois com o livro que me impressionou na juventude: “O lobo da estepe” (Edit. Record, Rio de Janeiro, 2000, 26ª tiragem, 240 pp). No final dos revolucionários anos 60 e inicio dos desesperados anos 70, os romances e contos do escritor alemão foram publicados - e eram os mais procurados na biblioteca onde trabalhava. Não resisti à curiosidade e li vários deles – confesso com certa displicência. Sabia que o escritor era o guru dos hippies, dos que negavam a cultura e a sociedade capitalista.

Disse aos meus amigos: teríamos muitos anos pela frente de governo ditatorial no Brasil. A resistência à repressão e à censura estava sendo destroçada; muitos dos combatentes estavam presos, exilados, mortos, desaparecidos. Tinha 22 anos: o que o destino me reservava para o futuro? Diante da crueldade e estupidez daqueles dias, me sentia condenado à solidão e ao isolamento. Foi uma surpresa a descoberta e a leitura desse livro.

“Sou, na verdade, o Lobo da Estepe (...) – aquele animal extraviado que não encontra abrigo nem ar nem alimento num mundo que é estranho e incompreensível” (p.41). Ao mesmo tempo, um homem com um mundo de pensamentos, de sensações, de cultura – que conheceu as delicias da meditação, o desprezo pelo senso comum, mas que sente-se estranho a esse mundo - um prisioneiro da burguesia.

Hermann Hesse nasceu em Calw, Alemanha, em 1877, e morreu em Montagnola, Suiça, em 1962. Filho de pais missionários protestantes, estudou em seminário. Abandonou os estudos, rompeu com a família; trabalhou como relojoeiro e livreiro. Seus livros fascinaram os jovens do pós-guerra com a pregação antibelicista, contra o estilo de vida burguês e as instituições (Estado, família, escola, igreja).

O que me impressionou na primeira leitura – e hoje também – foi a angústia e o abandono do personagem diante da morte. Harry Haller, o lobo da estepe, se debate entre a inutilidade das conversações, do trabalho mecânico – e reconhece-se à margem da vida, na angústia tenebrosa dos que são incapazes de exercer a crítica à própria vida. O aprendizado rumo à libertação - despir-se dos preconceitos, uma nova sensibilidade - terá as companhias das garotas de programa Herminia e Maria, e do músico Pablo.

A vida que o conduz ao niilismo e à destruição o impede de penetrar no mundo das imagens. No final, acaba aceitando o convite à loucura, à recusa da razão, das convenções – para entregar-se “ao mundo flutuante e anárquico da alma e da fantasia”: participa em uma noite do Teatro Mágico, uma viagem ao mundo dos sonhos.

“Quem quiser música em vez de balbúrdia, alegria em vez de prazer, alma em vez de dinheiro, verdadeiro trabalho em vez de exploração, verdadeira paixão em vez do jogo, não encontrará guarida neste belo mundo” (p. 164), escreve o escritor que incendiou a imaginação dos jovens. A experiência da festa, a submersão no onírico só era possível pela literatura - e o escritor conseguiu conquistar mentes e corações com as palavras de rebeldia.

Na última página, Hesse escreve: “O livro trata, sem dúvida alguma, de sofrimentos e necessidades, mas mesmo assim não é o livro de um homem em desespero, mas de um homem que crê.(...) Eu me sentiria contente se alguns desses leitores pudessem perceber que a história do Lobo da Estepe, embora retrate enfermidade e crise, não conduz à destruição e à morte, mas ao contrário, à redenção”.

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