“Noli foras ire, in te ipsum redi: in interiore hominis habitat veritas” (Não saias, volta para dentro de ti: a verdade mora no interior do homem) – Santo Agostinho, “De Vera Religione, 1.38
FERNANDO BUONADUCE foi meu professor de Latim e Português nos dois primeiros anos do ginasial no Gepa- Ginásio Estadual de Presidente Altino- e nos três anos no curso Clássico no Ceneart- Colégio e Escola Normal Estadual Antônio Raposo Tavares.
Tinha 12, 13 anos. Depois de uma aula sobre versificação, construi um soneto a partir de um texto. Foram os primeiros elogios que recebi por escrever: ele leu meus versos para várias outras classes, me apresentou a todos com orgulho. Descobri que não era poeta, mas que poderia ser um artesão das palavras.
A leitura e o comentário do conto de Antonio de Alcântara Machado, “Gaetaninho”, foram comoventes. Conheci a linguagem do modernismo - e, para mim, um menino caipira - o cotidiano da metrópole ítalo-brasileira.
Ao contrário da minha cidade, Gália, não havia biblioteca pública em Osasco - ele me permitiu frequentar a da sua casa. Fiquei encantado: nunca havia conhecido uma coleção particular de livros. Tinha 14, 15 anos, e li toda a coleção de literatura da Editora Saraiva quando estive desempregado. Na cidade do interior, só me permitiam acesso ao setor infantil. Ele era pastor da Igreja Presbiteriana, e como bom discípulo da Reforma, não me proibiu nenhuma leitura. Nunca tive oportunidade de agradecer a ele esse convite à aventura pelo universo literário.
Estava angustiado, não arrumava emprego. Para colaborar comigo, me “contratou” para auxiliar o seu filho nas tarefas escolares. Eu havia acabado de sair da infância – e foi meu primeiro convívio com uma criança. E, mais tarde, quando escolhi o magistério como profissão, não esqueci essa experiência pedagógica.
Foi um incentivador da educação em Osasco. Lembro de que, durante a demolição do prédio da fábrica da rua Antonio Agu (onde hoje há um shopping), ele esteve presente para guardar alguns tijolos. Era a homenagem do agitador cultural para a preservação da memória. Não lembro das palavras quando ele me contou, mas a ideia era de que "a terra que ergueu o edifício - cenário da vida operária da cidade - era também parte da História".
Tive uma relação filial com o professor - ele acompanhou a minha vida escolar desde o ginásio até o colegial. Na adolescência, outros personagens ocuparam meu coração - tive idolos, heróis. Mas na recordação dos primeiros anos a sua imagem permanece - ao lado do professor Josué Augusto da Silva Leite e do estudante Gabriel Roberto Figueiredo.
Em 1986 soube do seu falecimento – telefonei para o filho, Claudio, e lhe disse como era grato ao mestre. Com os ventos da redemocratização, a Filosofia voltou ao curriculo escolar. Estávamos desafiando a violência, o Estado repressor: voltei a lecionar na escola pública - trabalhei 14 anos no "Vicente Peixoto", ao lado do Cemitério Bela Vista. Muitas vezes permaneci ao lado da sua sepultura - e nesses momentos, não precisei das palavras para manifestar minha gratidão, mas de um silêncio reverente.
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