domingo, 15 de setembro de 2019

Reflexões sobre o livro "Polenta com a mão no bolso"- João dos Reis


Reflexões sobre o livro “Polenta com a mão no bolso”, de Risomar Fasanaro
Vi arriva il poeta
e poi torna alla luce con i suoi canti
e li disperde

Di questa poesia
mi resta
quel nulla
d’inesauribile segretto.
Il Porto Sepolto - Giuseppe Ungaretti

Risomar Fasanaro apresentou na tarde de 17 de agosto “Polenta com a mão no bolso” (Desconcertos Editora, São Paulo, 2018) na biblioteca “Monteiro Lobato” em Osasco. E foi para mim uma enxurrada de lembranças e emoções da história da imigração italiana no Brasil no final do século dezenove e início do século vinte.
Francisco emigra com 14 anos para a América não em busca de fortuna ou para possuir um pedaço de terra, mas uma saída para a crise no campo na Itália. A partida do porto na Itália, a chegada a Santos, a Hospedaria dos Imigrantes em São Paulo, o trabalho na fazenda de café do interior paulista, a fuga para a capital paulista, depois Osasco, e o porto de chegada: Recife. As recordações do personagem se desenrolam ao longo do livro, intercaladas com as narrativas da família: o casamento com Rafaella, os filhos e netos.
A leitura do romance da escritora trouxe de volta as recordações da minha família de imigrantes portugueses e italianos. Nos anos 80 busquei nos livros de História a saga desses aventureiros para compreender a minha própria história.
Francisco recorda as condições de trabalho no campo na Itália; e o que sempre me impressionou foram as dificuldades do cultivo do trigo, da uva, e principalmente da colheita do linho. E a descoberta de que a alimentação era basicamente de polenta e pão de milho – a farinha de trigo, o macarrão, a carne eram raros na mesa dos camponeses.
No Brasil, a situação dos trabalhadores não era muito diferente. Os imigrantes substituíram o trabalho escravo, e estiveram submetidos ao processo de exploração capitalista no campo: descumprimento dos contratos de trabalho, ausência de leis trabalhistas, falta de escolas e assistência médica e em caso de acidentes, emprego de mulheres e crianças, violências físicas e morais – espancamentos, perseguições, estupros, assassinatos.
Essas são também as recordações de Francisco: esteve nas lavouras de café do interior paulista, e depois de um protesto e greve, fugiu para a capital com o amigo Guido. Participou do movimento operário anarquista e da greve dos vidreiros em 1909, se apaixonou por Julia, um amor impossível. E chegou finalmente a Recife.
Eu sempre me perguntei: houve resistência dos imigrantes? Quais foram suas reivindicações? Risomar Fasanaro retoma essas questões por seu personagem. Não era apenas um movimento reivindicatório; havia reuniões, conferências, sessões de leitura e debates, circulação de livros e revistas, comícios, passeatas; criaram centros operários, bibliotecas, cursos noturnos de alfabetização – defendiam uma cultura proletária, uma nova sociedade. Os trabalhadores-imigrantes eram anarquistas e socialistas; tinham em comum o sindicalismo revolucionário. Por isso foram considerados agitadores, subversivos, e muitos foram deportados e expulsos do Brasil.
A diáspora italiana entre 1861 e 1920 apresente números surpreendentes: 17 milhões saíram do país em busca de trabalho; eram em geral “braccianti”, trabalhadores rurais temporários ou por contrato anual; ou famílias de meeiros, arrendatários pequenos proprietários – fugiam do processo de proletarização do campo.
“Polenta com a mão no bolso” é uma retomada da resistência dos imigrantes italianos em São Paulo e em Osasco, em que a Literatura enriquece a visão histórica com as emoções de um personagem que descobriu a fascinação das palavras. Para Julio Cortázar o romance deve ser um ato de consciência, como autoanálise, e provocar a reflexão sobre nosso destino.
Risomar Fasanaro nasceu em Recife e veio ainda criança para Osasco. Participou do grupo cultural Veredas, da Vila dos Artistas – foi uma agitadora da cultura nos anos de silêncio e medo da ditadura militar. Cursou Letras na USP; foi professora de Língua e Literatura na rede estadual de ensino de São Paulo. Escreveu poesia e crônicas para jornais da cidade. Publicou “Casa grande e sem sala”, dos anos 70; “Eu, primeira pessoa, singular” (romance); “O reencontro” (contos): e “Recinfância “ (poesia).

NOTA
I - Os livros que busquei há anos para conhecer a história da imigração italiana no Brasil foram:

1. “Brava gente – os italianos em São Paulo – 1870-1920”, Zuleika M.F.Alvim, Editora Brasiliense, São Paulo, 1986, 1ª edição, 190 pp.;
2. “Imprensa operária no Brasil - 1880-1920”, Maria Nazareth Ferreira, Editora Vozes, Rio de Janeiro, 1978, 164 pp.;
3 “Raízes do movimento operário em Osasco”, Helena Pignatari Werner, Cortez Editora, São Paulo, 1981, 152 pp.;
4.“A classe operária no Brasil – Documentos (1889-1930”, volume I – O movimento operário, Paulo Sergio Pinheiro e Michael M. Hall, Editora Alfa Omega, São Paulo, 1979, 320 pp.
II – Minha tradução do poema ”O porto sepulto”, de Giuseppe Ungaretti, página 41, “Poesie”, Grandi Tascabili Economici Newton, Roma,1992, 224 pp.
Eis que chega o poeta
e depois retorna à luz com os seus cantos
e os espalha

Desta poesia
me resta
aquele nada
de inesgotável segredo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário