Abib e Reginaldo estiveram em minha casa no Km 18 em Osasco – queriam saber porque eu não compareci à reunião da Frente Nacional do Trabalho. No inicio dos anos 70 havia o perigo de prisões e desaparecimentos de companheiros. Por que estive ausente nesse dia?
ALBERTO ABIB ANDERY esteve muitas outras vezes em minha casa. Eu o convidava, depois das reuniões da FNT, para almoçar ou tomar a sopa portuguesa da minha mãe - que ele muito apreciava. Conversamos muito sobre esses anos de ausência e destruição de sonhos, de perspectivas para o futuro.
Eu me perguntava : o que o destino me reservava? Abib era a presença amiga nesses anos desesperados. Quando meu pai faleceu, foi um dos apoios para mim, meu irmão e minha mãe - ela lembra até hoje, com gratidão, que o procurou no ITO (Instituto Tecnológico de Osasco), onde trabalhava como psicólogo, para conversar.
Salete de Jesus Macedo e Silva, minha prima querida, estava a trabalho em S.Paulo, vinda de Duartina, interior de São Paulo. Eu e Abib combinamos com ela vários encontros. Depois, sempre perguntava dele e lembrava com carinho desses diálogos - em um último telefonema, quis saber noticias dele. Em 2007 despediu-se tragicamente da vida em Brasilia.
Abib estudou na Bélgica, onde morou 10 anos; era pároco na Igreja do Jardim São Vitor em Osasco e professor de Psicologia Social na PUC-SP; foi assessor do projeto de educação popular da FNT/Osasco (em 1980-1984); criou uma extensão universitária – a psicologia na comunidade - no Jardim Santo Antonio – para atender os trabalhadores. A presença dele – e a do grupo da FNT - foi fundamental para que ousássemos enfrentar a opressão e o governo tirânico com esperança de um mundo melhor.
Em 1971 e 1972, e no inicio dos anos 80, realizamos “Encontros sobre a realidade brasileira”- com militantes da FNT, das Pastorais (Operária, da Juventude, Direitos Humanos), da JOC (Juventude Operária Católica), da ACO(Ação Católica Operária), da Oposição Metalúrgica, das CEBs (comunidades eclesiais de base). Foi um desafio à censura e à repressão policial: convidamos como conferencistas intelectuais e trabalhadores que estavam marginalizados pela ditadura militar: Paulo Schilling, Salvador Pires, Paul Singer, Waldemar Rossi, Plinio de Arruda Sampaio Jr.
REGINALDO CARMELLO CORRÊA DE MORAES foi meu amigo no curso de Filosofia na USP. Lembro de que desapareceu por uma semana da faculdade. Eu e Patrizia Piozzi, sua namorada, ficamos preocupados. Somente 40 anos depois, em um almoço, fiquei sabendo o que aconteceu: ele era militante do POC (Partido Operário Comunista), e encarregado de levar e buscar companheiros na fronteira do Rio Grande do Sul com o Uruguai. E me contou da prisão e morte sob tortura de Luiz Eduardo Merlino, o contato dele com a organização de esquerda.
Reginaldo foi um dos colaboradores dos grupos de estudos e dos encontros sobre a realidade brasileira da FNT-Osasco. E também um dos convidados para a sopa da minha mãe, quando, às vezes, me dava carona da faculdade e me levava até à a escola do Jardim Baronesa em que fui professor-alfabetizador. Uma outra gentileza – e talvez não tenha revelado como sou grato: nunca tinha frequentado um restaurante na capital paulista – e ele me convidou para jantar no restaurante chinês na rua Fernão Dias, em Pinheiros.
Foram anos que tivemos a audácia de enfrentar a tirania. Recordo de várias panfletagens da Oposição Metalúrgica que realizamos juntos – em uma das vezes, ele passou a noite em minha casa para, de madrugada, estarmos nas portas das fábricas no bairro do Jaguaré. Eu como mesário, ele como fiscal, participamos em 1972 das eleições para o Sindicato dos Metalúrgicos de S.Paulo (Chapa Waldemar Rossi). Era aluno de Prática de Ensino de Filosofia na Faculdade de Pedagogia na USP, e para justificar a ausência ao trabalho, consegui um “atestado” – de que eu participara de um “estágio”.
Os anos 70 estão marcados, para mim, pelo companheirismo, pela ousadia e coragem de Abib e Reginaldo – entre muitos outros camaradas. Alberto Abib Andery vive hoje na Casa São Paulo, no bairro Ipiranga; Reginaldo C. Corrêa de Moraes é professor na Unicamp – eles estão presentes na minha memória e na história de Osasco.
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