Dona Chiquinha Macaxeira trouxe ao mundo meio Guaporé e mais um pouquinho, não tinha tempo para atender a todo mundo, tal a demanda- sabe como é... Noites de lua cheia... as águas mornas e límpidas dos igarapés, sem falar no lendário BOTO AMAZÔNICO sobre quem recaia a responsabilidade paterna de centenas de crianças.
Só se viam os cochichos das mães aperreadas: - ai! Maninha, o safado do BOTO fez mal para a minha menina, coitada! Ela estava lavando roupa no Igarapé Grande e morta de cansaço, já estava voltando para casa quando ele apareceu com um terno de linho e sapatos brancos, chapéu tipo panamá, todo cheiroso, segundo ela, e a levou para dentro d’água. Nem deu tempo de correr e desmaiou coitadinha...
Quando acordou era tarde, o mal já estava feito e ela não sabia como contar para a família (o pai era uma fera), foi um custo para ela dizer o sucedido, mesmo assim só contou quando já faltavam poucos dias para a criança nascer...
A parteira, Dona Chiquinha Macaxeira, chamada para atender o caso, demorou em aceitar o serviço, pois além de super ocupada, não acreditava naquela história de BOTO, aquele cabra safado, como o chamava, a voz grave e sem rodeios.
E foi logo falando para a Mãe, Sinfro(de Sinfronia) tu sabes como é a minha tônica no trabalho, quarto, camisolas e lençóis bem limpinhos, tinas d’água fervendo, mas principalmente sem homens dentro de casa-NENHUM, sublinhava- pois na hora de mulher prenha dar a luz não quero macho dando ordens e palpitando dentro de casa, cruz credo!
Outra coisa ,completou, avise à Medusa que nada de gritos na hora dos espasmos porque mulher que se preza não faz escândalo, aguenta tudo calada!
Só que a parturiente, MEDUSA, não queria saber dessa conversa e à hora do nascimento ao sentir as dores fortíssimas começou a gritar como louca no que foi asperamente repreendida por dona Chica Macaxeira: - Menina toma vergonha nesta tua cara! Ninguém precisa saber que o BOTO te engravidou, então ou tu tomas tento ou eu te largo na cama e vou-me embora!
Medusa, sem saber o que fazer nem para onde correr, quando as dores do parto aumentaram só lembrou-se de um trecho do Navio Negreiro de Castro Alves que ouvia o seu pai declamar ,sob o aplauso dos amigos, desde pequena, nos animados saraus em sua casa, então mandou ver nos berros poéticos: “Deus Senhor Deus dos desgraçados”!/Dizei-me vós, Senhor Deus!/ Se é loucura... Se é verdade/Tanto horror perante os céus?! E repetiu a estrofe até a criança sair...
Assim, entre xingamentos da Dona Chica Macaxeira e o poema épico de Castro Alves nasceu Pandora II, uma das filhas do BOTO...
Wilma Leal de Lyra, nasceu em Porto Velho-Rondônia, quando ainda era GUAPORÉ, filha de uma ilustre família-pioneira local- Sr José Alves de Lyra e Doralice Leal Lira, ambos com densa história conhecida pelos antigos e , certamente, rico material de pesquisa para quem se interessar em saber do início daquele pedaço da amazônia que reproduz nos seus “causos”.
Mas Wilma é muito mais do que isso. Trabalhou vários anos em Osasco, como professora de Língua Portuguesa e de Literaturas Brasileira e portuguesa. Foi diretora do Colégio Estadual de Quitaúna, e era a coordenadora geral do FICAN-Festival de Música que reunia estudantes de todas as escolas de Osasco, além de algumas da região.
Parabéns a Wilma Leal pelo texto. Está muito real, de falas autênticas e com muita verossimilhança.
ResponderExcluirQue bela narrativa a respeito do Boto e sua lenda. Meu beijo.
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